SE VOCÊ AMA ESSA CULTURA COMO EU AMO ESSA CULTURA
- Ana Cecília Amorim
- há 3 dias
- 7 min de leitura
Atualizado: há 1 dia
GRITA HIP…HOP, HIP…HOP
Nascido da paixão, mas também da dor, da desigualdade. Hip Hop é família, é luta, é expressão.
Bronx, Nova Iorque, década de 70
Era impossível ignorar o caos que cercava a cidade: a falta de emprego e o aumento da criminalidade podiam ser sentidos por todos. Em um intervalo de cinco anos (de 1965 a 1970), o número de crimes violentos na cidade de Nova Iorque passou de 58.802 para 124.613, enquanto o número de assassinatos subiu de 836 para 1.444 no mesmo período, segundo dados divulgados pelo (Departamento de Polícia de Nova Iorque (NYPD).
Mas havia lugares onde o barulho dos tiros e das sirenes era mais constante - bairros como o Bronx, majoritariamente negro e latino, jogado às margens da sociedade. Tudo o que esses jovens precisavam era de um escape, uma oportunidade.
Foi assim que uma nova expressão cultural nasceu: uma forma de se posicionar contra a violência e a marginalização, um jeito de protestar de maneira pacífica e ser ouvido. O hip hop não foi apenas uma resposta ao caos, mas uma forma de ressignificar a dor. Enquanto todos à sua volta faziam vista grossa para a pobreza, o racismo e a exclusão, jovens negros e latinos precisaram encontrar um meio de sobreviver, resistir e contar suas histórias.
Eles dançavam em ruas quentes e rachadas, riscavam muros com arte e poesia, e transformavam toca-discos em instrumentos de revolução. A cada batida, a cada rima, a cada jorrada de tinta, a cada bounce, uma mensagem em comum era transmitida: “Nós estamos aqui - e nossa voz não será calada”.
Cindy Campbell e DJ Kool Herc foram os arquitetos desse movimento, mas o hip hop era de todos - uma manifestação coletiva de uma juventude que se recusava a ser apagada.

São Bento, São Paulo, década de 80
Nas periferias de São Paulo, o eco do que acontecia em Nova Iorque encontrou terreno fértil. Jovens que sentiam o peso da desigualdade, do racismo e da marginalização viram no hip hop um espelho para suas próprias batalhas.
Apesar da barreira linguística, não era necessário entender para ser entendido. “Nós víamos tudo aquilo acontecendo na televisão, mas era proibido nas danceterias. Não podia nada - nem entrar de boné, nem dançar de um jeito diferente. A saída para aquela cultura era dançar na rua”, contou o DJ Hum na palestra Testemunha Ocular do Hip-Hop Nacional (Sesc Guarulhos, 2021).

Foi na estação de metrô de São Bento que, por uma coincidência do destino, o hip hop encontrou um lar. João Break, do grupo Dynamic Bronx, foi quem descobriu a São Bento justamente enquanto fugia da repressão policial. “A ideia não era bem ir para a São Bento. Eu e meu irmão tínhamos uma crew (grupo) no [bairro] Bom Retiro, chamada Dynamic Bronx. Treinávamos na estação do metrô Tiradentes. Ali tinha um espaço onde ficavam as cabines telefônicas desocupadas”, comentou.
“Um dia, os ‘urubus’ (policiais) do metrô subiram e disseram que a gente não podia ficar ali. Resolvemos sair para o rolê. Fomos para o Centro da cidade, a Praça da Sé, passamos pelo Pátio do Colégio, até avistarmos o Largo de São Bento. Olhamos pra baixo e eu percebi que ali seria o ‘point’. Foi assim que começou”, relatou ao Music Non Stop.
O hip hop encontrou força com o rap nacional. Grupos como os Racionais MC’s transformaram o rap em uma ferramenta de denúncia social - um megafone para as vozes da periferia.
Com rimas que narravam a violência policial, o racismo e a brutalidade da vida nas favelas, o hip hop brasileiro se consolidou como um movimento que não apenas refletia a realidade, mas também a transformava.

Cascavel, Paraná, Brasil
Não demorou para que essa cultura crescesse e ultrapassasse os limites geográficos da capital paulista. Logo, cidades do interior - como Cascavel, no Oeste do Paraná - começaram a desenvolver suas próprias cenas. Jovens que antes não viam opções passaram a encontrar, no hip hop, uma possibilidade de expressão, pertencimento e transformação.
Morumbi, Cascavel, 2002
Segundo um estudo realizado por acadêmicos da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), em 2010, intitulado "Espaço urbano e criminalidade violenta: análise da distribuição espacial dos homicídios no município de Cascavel/PR", entre os anos de 2000 e 2006, o bairro Morumbi foi o terceiro mais violento da cidade. Ao observar essa realidade e ver crianças passando os dias nas ruas, brincando sem estrutura ou acompanhamento, um dançarino local decidiu agir. Iniciou, então, seu próprio projeto social: ofereceu aulas de dança a quem estivesse interessado.
Entre seus alunos estava Wellington Santos, mais conhecido como Tonton Santos. “Eu tinha uns 8 anos quando a dança entrou na minha vida, e desde então, ela foi tomando um espaço enorme, porque a gente não tinha muitas opções”, relembra Tonton. A dança se tornou sua maior paixão - mas os obstáculos não demoraram a surgir. A falta de infraestrutura e o preconceito tornavam cada ensaio um desafio. “A gente precisava de um lugar para ensaiar, então fomos atrás do presidente do bairro, de um vereador - que hoje é deputado, o Adelino -, pedindo o salão comunitário. Às vezes, chegávamos lá e o salão estava sujo depois de um baile. Tínhamos que lavar tudo para, só no dia seguinte, conseguir ensaiar”, conta.
O que até então era apenas uma paixão acabou se tornando profissão. Aos 14 anos, Tonton começou a dar aulas em um projeto social e logo percebeu que, assim como teve a vida transformada por seu primeiro professor, ele também estava mudando a vida de seus próprios alunos.
Hoje, com 30 anos, Tonton é referência no cenário nacional da dança e coreógrafo do grupo Cascavel Dancers, ao lado de Mayara Muller. Ao ser questionado sobre a importância do hip hop na vida dos jovens que ensina, ele reflete: “O hip hop apresenta uma cultura que, de certa forma, já faz parte da vida deles, mas, ao mesmo tempo, é algo completamente diferente do que estão acostumados. Isso muda a visão de mundo deles. De repente, eles começam a enxergar outras oportunidades, outras maneiras de viver”.
Ele ainda compartilha: “Até hoje recebo mensagens de ex-alunos que dizem ter saudade das aulas, mas que agora estão fazendo faculdade. Sabe, muitos deles talvez nunca tivessem pensado nisso antes. Onde cresceram, talvez nem considerassem essa possibilidade”.
Para Tonton, o hip hop ensina muito mais do que técnica de dança - ensina valores.
“Eles começaram a saber diferenciar o certo do errado. Pensar duas vezes antes de fazer algo errado, porque o hip hop não prega isso. O hip hop é sobre paz, amor e diversão. São essas três coisas que definem a cultura”, conclui.

Periolo, Cascavel, 2022
Diana Rossi sempre teve o hip hop presente em sua vida, mas foi apenas em 2022 que o DJing entrou em cena - por influência do namorado, que já praticava a arte havia alguns meses. Diana se arriscou e acabou se apaixonando. “Como o DJ é um dos pilares da cultura hip hop, e eu vivo essa cultura há muitos anos, sempre estive em contato com essa arte. Começar a tocar foi uma consequência dessas vivências”, explicou.
Atuando em projetos sociais, Diana testemunhou de perto o poder transformador do hip hop.
“Já conheci meninos da periferia que tiveram a oportunidade de aprender a rimar ou dançar, e usaram essas artes para expressar suas raivas, medos e frustrações. Ocuparam seu tempo estudando, participando de encontros, onde podiam ser quem eram e dizer o que precisavam. Os jovens da periferia precisam ser ouvidos. O hip hop faz com que sejam ouvidos por meio da arte - para que não precisem buscar formas violentas de fazer isso”, afirmou.
Hoje, Diana acredita que a cena hip hop em Cascavel está ganhando cada vez mais voz, graças a artistas que utilizam sua arte como forma de protesto. “Ainda há muito preconceito, associando o hip hop à criminalidade, mas, pouco a pouco, a cultura está sendo reconhecida pelo que realmente é: uma plataforma de transformação e expressão para quem precisa ser ouvido”.

Santa Cruz, Curitiba, 2000
Anderson Marcos da Silva, mais conhecido como Andy Combate, começou no grafite em Curitiba, no ano 2000, ainda na infância. “Eu ampliava figurinha de chiclete, aquelas do Dragon Ball, e os meninos da escola usavam meus desenhos para grafitar nas paredes. Um dia, vi o que estavam fazendo e pensei: ‘Eu posso fazer isso também’. Juntei tinta e grafitei meu quarto. Minha mãe ficou louca, mas, hoje, esse é meu trabalho”, relembrou Andy, que desde então se dedicou ao grafite como forma de expressão.
Para Andy, o hip hop nasce de uma realidade muito semelhante àquela vivida pela juventude das periferias: uma vida marcada por extrema vulnerabilidade e pela ausência de um olhar atento por parte do poder público. “Quando esses jovens se veem representados através do hip hop, eles se sentem vistos, se sentem enxergados”, afirmou.
“Tem uma frase do Projota que resume isso muito bem: ‘Pior do que não olhar, é olhar e não ver’. Isso é o que o sistema faz com eles na maior parte do tempo. Eles existem, mas o sistema ignora - ou só manda o braço armado para lidar com a situação”.
O grafite e o hip hop impactam de forma positiva as periferias, inclusive, em cidades como Cascavel. “Eles trazem visibilidade e valorização da identidade do povo, principalmente dos jovens em situação de vulnerabilidade”, reflete. Andy acredita que o hip hop é uma ferramenta de inclusão social que pode, sim, se tornar uma profissão. “Não é só chegar no hip hop e vencer. O jovem precisa se dedicar, aprender novas técnicas e transformar isso em uma oportunidade de mudar sua realidade social e financeira”.

Parabéns pelo texto, Ana!
Texto legal demais Ana!
Parabéns pelo texto Ana!!
Muito legal conhecer mais dessa cultura, Ana!
Muito bom!