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Trabalho demais, vida de menos

Atualizado: 5 de mai.

A dura realidade de quem precisa trabalhar muito para viver pouco, enquanto a vida se esvai entre demandas e deslocamentos


Trabalhador cansado no metrô - Imagem: Freepik
Trabalhador cansado no metrô - Imagem: Freepik

O trabalho é uma parte indispensável da rotina de todos os seres humanos ao redor do globo. É a partir dele que todos ganham dinheiro para se alimentar, manter sua moradia – a exemplo de contas de água, luz, internet e aluguel –, cuidar da saúde e ainda ter um pouco de lazer. Contudo, as dinâmicas de trabalho modernas têm alterado a forma dos trabalhadores enxergarem esse processo. Rotinas longas e exaustivas, como a escala 6x1, afetam a saúde física e mental de muitas pessoas, em sua maioria com remunerações baixas e injustas. Labutadores de shoppings, farmácias, fábricas, lojas e mercados veem o trabalho conflitar com o lazer, tempo com os entes queridos e descanso. Isso tem impactos diretos em sua saúde física, mental e no desempenho no trabalho. Isso também impacta na produtividade, e é insuportável para os trabalhadores.

No cenário corporativo, ambientes competitivos e vorazes tiram o sono e agravam condições como ansiedade e depressão. O relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 2021, mostrou que trabalhar mais de 55 horas por semana está associado a um aumento de 35% no risco de AVC e 17% no risco de morte por doenças cardíacas. Ademais, presos em rotinas cansativas, muitos desses funcionários vivem um constante medo de perder o emprego, que mantém suas famílias alimentadas e as contas pagas.

Pâmella Vidal, supervisora da central de vendas de um parque aquático, em Fortaleza (CE), trabalha seis dias na semana, das 9 às 18 horas. Além disso, a funcionária enfrenta três horas de transporte por dia para chegar ao trabalho e voltar para casa. Mãe de um menino, a mulher se vê em uma rotina puxada, recheada de responsabilidades.

“Um dos maiores desafios que enfrento é manter o equilíbrio entre as responsabilidades do trabalho, os compromissos pessoais e o tempo com meu filho. Além disso, lidar com prazos apertados e manter a motivação constante também pode ser desafiador. Mas procuro sempre me organizar, buscar apoio quando necessário e aprender com cada experiência para seguir evoluindo”, explica a trabalhadora.

Pâmella se desdobra, sempre se planejando e organizando a rotina na medida do possível. “No tempo livre, valorizo momentos com minha família, além de reservar um tempo para mim, seja para descansar ou fazer algo que gosto com meu filho”, declara a mulher.

Um relatório do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que apenas 38% dos trabalhadores se dizem plenamente satisfeitos com suas condições de trabalho, e a principal queixa está relacionada à jornada excessiva. Assim como Pâmella, Luíza Serra – da capital Fortaleza –, assistente financeira de uma fintech, enfrenta um desgastante tempo de locomoção, com quatro horas todos os dias para ir e vir da empresa, na escala 5x2.

“O trabalho suga minha alma, então acabo ficando ‘off’ das outras coisas. Minha vida pessoal sou eu no meu quarto, isolada da sociedade. A família é ok, pois moro com eles. E fico tão cansada que o meu lazer é somente ficar em casa assistindo séries e filmes e bebendo cerveja. O maior desafio é a falta de tempo, sentir que sua vida só gira em torno do trabalho, não dá tempo de desenvolver nenhum hobbie por fora”, conta a trabalhadora.

Por consequência, o desempenho de Luíza não a agrada: “(a rotina) afeta o desempenho sim, se eu tivesse mais tempo para descansar e menos demandas seria melhor”, relata a mulher.


Homem cansado depois de trabalhar em frente ao computador - Imagem: Freepik
Homem cansado depois de trabalhar em frente ao computador - Imagem: Freepik

Nos últimos meses, tem ganhado visibilidade a nova proposta de emenda constitucional (PEC) que visa à diminuição da jornada de trabalho de 44 para 36 horas semanais, em uma escala de quatro dias de trabalho e três de descanso. O movimento começou com o abaixo-assinado de Rick Azevedo, fundador do movimento Vida Além do Trabalho (VAT) e atualmente vereador do Rio de Janeiro. O abaixo-assinado cresceu de forma exponencial, hoje com quase três milhões de assinaturas. A voz do povo não pôde deixar de ser ouvida, e o projeto começou a tramitar na Câmara dos Deputados, viabilizado pela deputada Erika Hilton. 

No entanto, a PEC teve grande apatia por parte de deputados que, curiosamente, trabalham apenas três dias na semana e folgam quatro, mas fazem questão que o povo brasileiro trabalhe até a exaustão para sustentar suas regalias e benefícios infindáveis. Parte da mídia também se mostrou contrária, contudo, em uma análise histórica, percebe-se que o discurso é o mesmo quando foram implantados direitos da CLT. Estes que hoje se fazem imprescindíveis, como férias remuneradas, licença-maternidade, seguro-desemprego, aposentadoria etc. Os dizeres “Vai quebrar a economia” ou “Considerado desastroso para o país” eram comuns quando implementado o 13º salário.

Países que aderiram à redução da jornada de trabalho têm escancarado uma realidade que a burguesia brasileira não quer que seus funcionários descubram. Na Islândia, por exemplo, houve testes com uma semana de trabalho reduzida (35 a 36 horas), no qual cerca de 1% da população ativa participou. Após a avaliação, observou-se uma redução significativa no estresse e no esgotamento, com aumento da produtividade na maioria dos casos. Consequentemente, os trabalhadores obtiveram grande melhoria no equilíbrio entre vida pessoal e trabalho, e hoje, cerca de 86% da força de trabalho do país tem direito a jornadas mais curtas ou flexíveis. 

Já no Japão, houve a experiência da empresa Microsoft, que testou a semana de trabalho de quatro dias com pagamento integral. A produtividade aumentou 40%, os custos operacionais da empresa – como a energia – diminuíram e os funcionários relataram maior satisfação e bem-estar. 

No Reino Unido, houve um dos maiores testes do mundo com 61 empresas e cerca de 2.900 trabalhadores. O resultado: 92% das empresas mantiveram a jornada reduzida após o piloto, o burnout caiu 71%, a receita das empresas permaneceu igual ou aumentou, e os funcionários reportaram maior satisfação, menos estresse e melhor equilíbrio. Os impactos na economia desses países foram mais positivos do que negativos: houve o aumento geral da produtividade, a redução de faltas e atrasos no trabalho e demissões, menos gastos com saúde mental e maior atração e retenção de talentos. 

Por outro lado, um dos desafios observados nos testes foi a adaptação em setores que exigem presença constante, a exemplo da saúde e do varejo, o que pode ser resolvido com a readaptação dos horários e das escalas dos funcionários, equilibrando jornadas sensatas para os trabalhadores.

De acordo com um estudo da Harvard Business Review, trabalhadores cansados são até 23% menos produtivos do que aqueles que dormem e descansam adequadamente. Nesse sentido, é relevante pensar em adequar rotinas de trabalho para um menor tempo diário e com menor frequência durante a semana, uma vez que haveria o aumento da produtividade. Outra história que revela esse desafio é a de Cristiane Medeiros, de Cascavel (PR), ex-trabalhadora de um mercado e atualmente costureira. “Eu trabalhava na parte da tarde, então não conseguia definir uma rotina. Desenvolvi crises de ansiedade trabalhando no mercado, atendendo clientes mal-educados e bêbados”, desabafa a mulher. A gota d’água para Cristiane foi quando se machucou no trabalho, e a empresa não prestou o devido apoio à funcionária. “Não fizeram nada porque tinham que resolver um roubo de chinelo. Depois disso eu pedi a conta”, afirma a trabalhadora. 

Depois da demissão, a costureira relatou uma melhora exponencial em sua saúde física e mental, mas gostaria de ter sido mais valorizada enquanto funcionária. Cristiane deixa um recado para todos os trabalhadores que também sofrem situações parecidas: “A partir do momento em que você não está bem, preocupe-se com você mesmo, pois ninguém mais vai”.

Exigir o fim da escala 6x1 e melhores condições de trabalho é um ato de dignidade com os trabalhadores. Pensar que o problema do Brasil é o trabalhador ter o mínimo de descanso, e não a desigualdade social gritante que nos assola, é um escárnio. A verdade é que o interesse da maioria dos burgueses e empresários não é o bem-estar e qualidade de vida dos seus funcionários, mas sim o lucro acima de qualquer coisa.

A adoção de uma escala 4x3 não implica no fechamento dos estabelecimentos três dias na semana ou na redução do salário, mas sim em uma escala de revezamento justa, que respeite o descanso dos trabalhadores sem interferir em seu vital e suado dinheiro mensal.


8 Comments


Um texto brilhante do meu amigo sobre um tema muito importante.

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Que texto incrível Léo!!! Parabéns pela iniciativa

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Texto extremamente necessário! Parabéns Leo!!

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Gostei demais. Parabéns pela produção!


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Gostei muito da reflexão!

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Produzido pelos acadêmicos do 5º período do curso de Jornalismo do Centro Universitário FAG, na disciplina de Webjornalismo, sob orientação do professor Alcemar Araújo.

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