“Todas elas se chamam Maria”
- Daniela Dalmoro
- 19 de jun.
- 6 min de leitura
Atualizado: 20 de jun.
Por trás de um nome sagrado, a história de uma mãe marcada por dor, esperança e milagre

No meio de 11,7 milhões de registros, há um nome que ecoa como um mantra ancestral, sagrado e feminino: Maria. Nome de mãe e de menina, de fé e de ferida, de recomeço e de renúncia. Cada Maria traz em si uma história - escrita antes mesmo do primeiro choro, do primeiro amor, da primeira queda. Algumas nascem no seio da dor, outras florescem na superação. Mas todas, em sua essência mais íntima, carregam no peito a fortaleza de um nome que atravessa os séculos e resiste, mesmo quando tudo à sua volta parece ruir.
Chamam-se Maria as mulheres que amam mesmo quando sangram, que acolhem mesmo quando estão cansadas, que seguem mesmo quando tudo pede para parar. Maria é nome de quem reza, de quem cuida, de quem cai e levanta. De quem transforma a dor em caminho. De quem entende que amar é resistir.
“Maria, flor bendita entre os jardins da vida, ensina-me a amar com pureza, a ouvir com paciência e a viver com fé, mesmo nos dias nublados. Que teu nome esteja sempre em meus lábios, como prece, como consolo, como gratidão. Amém”. (Oração de Maria).
A oração, recitada em voz baixa por muitas dessas mulheres - ou apenas sussurrada no pensamento - é mais do que fé: é resistência. É escudo e abrigo. É o lembrete de que, mesmo na escuridão, há sempre uma chama acesa. E entre tantas Marias, uma delas, chamada Marcela, viveria uma história de dor e milagre, feita de perdas anunciadas, de fé insistente e de amor em carne viva.
Quando a alegria encontra o inesperado
Marcela Mourão sempre quis ser mãe. Desde o namoro, que se transformou em noivado e depois em casamento, ela e o marido sonhavam juntos com o dia em que seriam mãe e pai de um pequeno anjo.
A saúde de Marcela estava em dia. Ela fazia consultas e exames de rotina regularmente. Foi durante uma ultrassonografia de controle que o médico identificou a presença de um mioma, um tumor benigno, ou seja, não cancerígeno, que se desenvolve no útero a partir do crescimento anormal das células do músculo uterino.
Ainda enquanto o diagnóstico e as decisões sobre o futuro de Marcela estavam sendo traçados, uma residente sugeriu realizar o exame de ressonância magnética. O resultado mudou a vida de Marcela e os planos traçados a tanto tempo, para construir uma família. A equipe médica se deparou com um caso mais complexo do que o "simples mioma", eram na verdade 16.
“Saiu o resultado da ressonância, 16 miomas. Foi um baque, tanto pra mim quanto pros médicos. Era como um tijolo crescendo dentro de mim”.
O sonho de casar e gerar se mantiveram mesmo com o diagnóstico e o choque inicial. Marcela casou em junho daquele mesmo ano. Os médicos decidiram retirar os miomas, mas enquanto realizava os exames necessários para a cirurgia, uma notícia mudou o rumo do tratamento: Marcela estava grávida.
Caminhar com fé sobre um campo minado
A família, antes preocupada, agora vibrava de alegria. Todos queriam um bebê, era um sonho coletivo. Mas a gravidez, marcada desde o início por um corpo em conflito, logo mostraria seus desafios. Enjoos intensos, exaustão, rejeição ao próprio companheiro, até o cheiro e a presença dele provocavam vômitos. Marcela precisou se mudar de casa. O corpo parecia resistir à bênção.
“Eu vomitava até ao ver meu marido. Era como se meu corpo rejeitasse tudo. Precisei sair de casa”.
Maria. Esse foi o nome escolhido para a pequena bebê que crescia e desafiava a lógica até mesmo da medicina. Mas foi com 22 semanas de gestação, que os miomas tomaram proporções preocupantes para a saúde de Marcela e do bebê. Os tamanhos variavam entre 15 cm e outros 8cm. Não era possível fazer exames de imagem. Transvaginais e ultrassons se tornaram impraticáveis. Maria, a bebê, estava escondida num útero tomado, e o tempo se transformou em um inimigo.
A internação foi imediata. Foram 15 dias em observação, vivendo uma mistura de medo e ansiedade. Só na ressonância foi possível localizar o bebê. E mesmo com todo o cenário delicado, Marcela manteve a serenidade:
“Eu estava tranquila porque sabia que os profissionais que estavam cuidando de mim eram ótimos. Meu único medo era perder minha filha”.
A equipe médica, liderada pelo obstetra Dr. Maciel, decidiu prolongar a gestação o máximo possível. Contra as estatísticas e com muita fé, Marcela e Maria chegaram às 25 semanas. O parto foi marcado para às 22h de uma noite tensa, em que os minutos pareciam horas.
“Quando recebemos os primeiros exames da Marcela, sabíamos que seria um dos casos mais delicados que já enfrentamos. A quantidade de miomas era fora do comum para uma mulher jovem, e o posicionamento deles dentro do útero tornava a gravidez quase impossível de manter”, disse o obstetra em sua entrevista para o São Lucas 24h.
“Cada semana que ganhamos era uma vitória. A resiliência da Marcela foi impressionante. Mesmo com dores, internações e riscos constantes, ela nunca perdeu a fé. O amor dela pela filha foi o que a sustentou”, completou.
O parto de Maria foi diferente do tradicional, ele não foi realizado em uma sala do centro cirúrgico mas sim no centro de hemodinâmica, com profissionais de áreas diferentes. “A cirurgia foi realizada na hemodinâmica porque esse setor é especializado em procedimentos minimamente invasivos, guiados por imagens em tempo real, como o raio-X. No caso de miomas, especialmente quando se opta pela embolização das artérias uterinas, a hemodinâmica permite que o médico acesse os vasos sanguíneos que alimentam o mioma e bloqueie esse fluxo com microesferas”. Dr. Eduardo de Davi, cirurgião vascular, que também participou do parto de Maria, ressaltou essa diferença em sua entrevista para o programa São Lucas 24h.
A UTI neonatal: onde a maternidade encontra sua face mais dura
Muitas mães de primeira viagem sentem a maternidade como caminhar no escuro guiada só pelo coração. Nada, absolutamente nada, prepara elas para essa jornada nem os livros, nem os vídeos, nem os conselhos bem-intencionados que recebe de todos os lados. Cada dia traz uma descoberta nova, um desafio inesperado, uma dúvida que parece maior que o próprio amor que sente. Aprendem a decifrar cada choro, cada suspiro, como se fosse uma língua secreta só sua e do seu bebê. Um misto de medo e encantamento, de insegurança e coragem, de cansaço e esperança.
Ser mãe pela primeira vez é se lançar num mar desconhecido sem mapa, onde o instinto é a bússola e o amor, a única certeza que te mantém firme, mesmo quando tudo parece incerto.
Maria nasceu frágil, pequena, mas viva. Foi encaminhada diretamente para a UTI neonatal. E foi nesse mesmo lugar onde Marcela conheceu a face mais dolorosa da maternidade: a espera em silêncio, os corredores frios, as mães que voltavam para casa sem seus filhos e a angústia para sentir Maria em seus braços.
“Ver minha filha pela primeira vez na UTI me marcou profundamente. Eu não imaginava que algumas mães saíam dali sem seus bebês. Foram dias muito difíceis”.
O nome escolhido desde o início não era só homenagem. Era escudo. Maria, como a mãe que segurou nos braços o filho morto na cruz. A imagem da Pietà, de Michelangelo, acompanhava Marcela em pensamento, nos momentos mais sombrios.
“Eu pensava: se Maria aguentou perder o Filho, eu também tenho que ser forte. Era esse nome que me dava forças todos os dias”.
Milagres ainda acontecem
Maria ficou internada durante longos 90 dias, mas a fé e os cuidados médicos e da equipe multidisciplinar que acompanharam não só a bebê, mas também Marcela, auxiliando desde a amamentação, quanto acolhendo nos momentos delicados.
A equipe técnica hospitalar falou sobre o sentimento de gratificação, e como é bom ver uma mãe que tanto lutou, saindo com seu filho em seus braços para sua casa. “É muito inspirador ver como a fé e o amor podem mover montanhas. A Marcela é um exemplo de coragem e determinação. Nós, aqui do São Lucas, agradecemos por ter compartilhado essa história tão forte com a gente”, destacou o Dr. Maciel.
Hoje, Marcela segue em recuperação. O útero foi preservado graças a uma cirurgia delicada, mas ainda há procedimentos futuros pela frente. Ela, a filha e a história que viveram juntas são testemunhas de algo raro: a persistência da vida em meio ao caos.
Marcela sobreviveu à tempestade e renasceu com sua filha nos braços. Hoje, cada choro de Maria é música, cada olhar é promessa, cada pequeno gesto é um lembrete: a vida venceu. Não foi fácil. Nada foi. Mas foi real, intenso, transformador. E é isso que faz da maternidade uma experiência divina e humana ao mesmo tempo.
No fim, Marcela não saiu da experiência como entrou. Ela não é mais a mesma mulher. Ela agora é mãe. E sua filha carrega um nome que é mais que uma homenagem, é herança, é oração viva, é símbolo de fé. Maria.
“Ter uma Maria é uma dádiva. É carregar um símbolo de força. A minha filha é a prova de que, mesmo em meio ao caos, milagres ainda acontecem”.
Na contagem fria de 11,7 milhões de mulheres chamadas Maria, há uma verdade que escapa aos olhos apressados: por trás de cada nome, há uma história. Algumas de fé. Outras de dor. Muitas, como a de Marcela, nascem no limite entre as duas.
-E todas, sem exceção, têm a força de um nome que jamais se apaga.
Maria, Maria, Maria…
Dani, você me fez chorar no meio do trabalho! Várias lágrimas caíram ao ler sobre essa história, que talvez foi mais marcante ainda dentro do meu coração por eu carregar esse nome tão forte. Como disse Milton Nascimento "Maria, Maria é o som, é a cor, é o suor. É a dose mais forte e lenta. De uma gente que ri quando deve chorar. E não vive, apenas aguenta". Parabéns Dani, lindo texto!
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