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Sabor que vem do amor: Pizzaria Itália do Nino

Lenha, fogo, massa e aconchego, um lugar onde cada pizza conta uma história, e cada pedaço guarda o sabor de casa

Casa e pizzaria, lar de sabor e amor | Foto: Arquivo Pessoal
Casa e pizzaria, lar de sabor e amor | Foto: Arquivo Pessoal

Essa história é de amor e carinho. Ela começa na década de 80, em Florianópolis. Ariete Tonello era uma jovem moça, natural de Seara, em Santa Catarina, morando longe da família para fazer cursinho. Queria passar em Arquitetura e trabalhava no gabinete de um deputado na Assembleia do estado e era muito amiga da mulher do chefe, tanto que saíam caminhar todo dia na orla da praia. E um desses dias, como é bem comum do clima litorâneo, ainda mais no sul, choveu, e resolveram cancelar a caminhada.


Ao mesmo tempo, Ignazio Granata, mais conhecido como Nino, um italiano, estava de férias no Brasil. Recém-divorciado querendo só espairecer, visitou o Rio de Janeiro, São Paulo e várias outras cidades brasileiras, e teve como destino final Florianópolis. O dia do “passeio na praia” coincidentemente era o dia em que o Nino pegaria o avião para voltar para a Itália. Então a mulher do deputado ligou para Ariete e perguntou se, como não iria haver caminhada, ela gostaria de acompanhar o casal até o aeroporto, para levar um italiano que estava visitando eles. “Ele ia embarcar para a Itália, daí esses últimos minutos que a gente ficou ali, que o voo dele atrasou, nós subimos numa cafeteria, no segundo andar, do aeroporto. Tomamos um café enquanto esperávamos o voo dele. Durou uns 20 minutos mais ou menos”, conta Ariete, relembrando o momento que se conheceram.


Um casal, dois países


Pouco tempo depois que Nino voltou para a Itália, Ariete recebeu uma ligação da mulher do deputado: havia chegado uma carta endereçada a ela vinda diretamente da Itália, totalmente em italiano. Com um dicionário emprestado e o seu dialeto do interior de Santa Catarina, ela pegou a carta na casa do chefe, traduziu-a e a respondeu, iniciando uma conversa que duraria meses a fio. Recebia fitas cassete com músicas de amor italianas, fotos e até flores (mesmo que chegassem mortas). Até que um dia, veio uma proposta: “Vou te mandar uma passagem de ida e volta, vem conhecer o país dos teus avós”. Ariete pegou um mês de férias e voou até a Itália.


Ariete planejava ficar o seu um mês de férias, mas não voltou mais. Casou por lá e oficializou seu casamento na embaixada brasileira na Itália. Agora não mais singular, moraram lá por 16 anos, e tiveram um filho, Angelo Giuseppe Granata, que foi totalmente alfabetizado em italiano e falava apenas essa língua em casa. Quando o menino tinha cerca de 12 anos, resolveram vir morar no Brasil. “A gente pensava que ia dar um Brasil bonito, né? Todo mundo falava. O Nino até disse: Nós vamos deixar a Itália, que é um país de primeiro mundo, para ir para lá, mas tem esse mecânico [Lula] que estão falando muito os jornais, estão apostando, o Brasil vai ser uma grande potência”, contou Ariete, lembrando da época que se mudaram para o seu país.


Nino é engenheiro de formação e atuou por muitos anos na Itália, mas quando veio para o Brasil já estava aposentado. Ouviam muito bem falar de Toledo no Paraná através de um primo, Amélio Dezem, e decidiram vir morar naquela, até então, pequena cidade no interior do estado. “Eu falei para o Nino: ‘Vamos morar 1 ano de aluguel para ver se a gente se acostuma no Brasil e tal’, e ele disse ‘Não vou morar de aluguel, nunca morei, e não é agora que vou morar’. Daí ele quis comprar, comprou uma casinha pequena, ali no Pancera [bairro de Toledo]. Aí, quando o meu primo [Amélio Dezem] fez o loteamento, já que aqui era tudo chácara em 2001, ele loteou tudo isso aqui, e essa casa que moramos hoje era uma casa velha que ficou no meio dos terrenos que ele ia lotear. Daí ele ligou para nós e falou: ‘Ariete, vocês não querem trocar a casa?’. Lógico que a gente pagou a diferença, né? Vendeu aquela pequena do Pancera que era nova e pegamos essa aqui, velha, mas em compensação três vezes maior terreno e tudo”, contou Ariete.


A chegada do casal em Toledo foi motivo de matéria de capa nos jornais | Foto: Arquivo Pessoal
A chegada do casal em Toledo foi motivo de matéria de capa nos jornais | Foto: Arquivo Pessoal

Uma pizzaria


O bairro cresceu ao redor deles, e o que ficava “no meio do mato” começou a estar dentro da área urbana. Passavam os finais de semana no sítio do primo Dezem, que tinha um forno a lenha. Como já tinha feito um curso de pizzaiola na Itália, Ariete se arriscava nas massas, e recebia muitos elogios. Daí surgiu a sugestão: criar uma pizzaria. “A Ariete faz uma pizza muito boa, o que vocês acham de montar uma pizzaria só para entregas ali na casa de vocês? A casa é tão grande que vocês nem vão usar toda”, enalteceu Ariete, falando sobre o que o Amélio Dezem disse para incentivá-los. Com ajuda, compraram um forno e contrataram seus primeiros pizzaiolos. Fizeram sua propaganda com folhetos em papel bonito pela cidade. Apenas faziam entregas, mas dali a pouco as pessoas começaram a pedir para sentar por ali na casa e comer perto do forno. “E daí duas, três pessoas chegavam ali: "Ah, em vez de levar, nós podemos comer aqui?". Mas eu não tinha preparado, a gente não tinha organizado, e eu peguei meus pratos, os que nós comíamos, os Duralex que eu tinha comprado no Big, e servia ali”, falou Ariete, rindo das memórias.


Começaram com duas mesas perto do forno. Depois compraram mais uma, e mais duas, até que todo o redor da casa estava cheio de mesas, desde a garagem até em volta da piscina. “Foi indo, a pizzaria saiu desse jeito. O pessoal gostou. A propaganda foi mais “boca a boca”. E estamos aqui há 22 anos. Foi bem natural, não foi nada projetado, nada programado”, contou Ariete. 


A pizzaria prosperou de forma orgânica, mas não foi sempre do jeito que vemos. Mais ou menos 6 anos atrás, Nino e Ariete já estavam ficando mais velhos, o ritmo de uma pizzaria era frenético demais para eles, e então surgiu a ideia do seu filho: “Eu queria montar uma hamburgueria com a minha ex namorada, né? Só que dou graças a essa moça, porque ela falou ‘não faz isso, teu pai já tem um nome na cidade, tem tudo’. Nosso estabelecimento era um exemplo, tem um produto bom, mas não é bem apresentado”, falou Angelo, sobre a época que assumiu a gerência da pizzaria. Assim que começou a tomar conta da casa, o garoto italiano começou a dar um “toque brasileiro” para o lugar: “Meu pai falou, ‘Cara, estrogonofe, nem ferrando, coisa absurda, prato de comida em cima da minha pizza não vai ter, de jeito nenhum’. Nisso passou um ano, pessoal, pedindo, pedindo, pedindo. Depois de um ano ele se rendeu e falou ‘Ah, tá, põe. Vamos pôr. Não tem o que fazer", comenta Angelo sobre as dificuldades de conciliar as tradições italianas tão enraizadas da família com o gosto brasileiro para pizzas.


Uma massa


Desde a primeira pizza, todos os ingredientes sempre foram pensados cuidadosamente. Ariete faz as massas das pizzas até hoje, e essa receita é famosa na cidade, e secreta: todos adoram comer na Pizzaria do Nino pela qualidade da massa e dos ingredientes, mas ninguém nunca conseguiu descobrir o que faz ela ser tão diferente e especial. Quando questionada, Ariete diz: “Eu não faço assim por fazer, entendeu? Acho que é o carinho que a gente coloca sabe, eu peço sempre a Deus para abençoar, que seja um alimento bom, que as pessoas estejam felizes com esse alimento, né?”. A base da pizza, a massa, é feita com antecedência por ela mesma, em uma quantidade contada para cada dia. 


Pablo Schmitt tem 21 anos e trabalha na pizzaria desde os 15, mas frequenta o espaço desde muito pequeno, quando seus pais também trabalhavam ali. “Eu acompanhei minha mãe desde pequeno, quando sentava na mesa da cozinha do Nino pra fazer meus deveres até os meus 11 ou 12 anos, a partir daí eu já queria ficar sozinho em casa. Mas quando eu estava no Ensino Médio eu queria ter meu próprio dinheiro, e eles me acolheram, me ensinaram tudo”.


“Claro que foi mais fácil porque eu cresci vendo eles abrindo as massas e fazendo tudo, mas todos me ensinaram com muito carinho, porque também me viram crescer”, contou Pablo, sorrindo e lembrando da época. “Foi o melhor lugar que eu poderia ter trabalhado, foi o melhor primeiro emprego, e eu vou lá até hoje quando o Angelo precisa de um pizzaiolo reserva ou alguém fica doente”, salientou. A casa que virou pizzaria ainda era uma casa, que acolheu muitas pessoas. Nino, Ariete e Angelo sempre prezaram por fazer os funcionários se sentirem da família. Para eles, alimento é algo a ser feito com carinho e amor: “Cristo partiu o pão dizendo: ‘Tomai e comei’, né? Para mim, tem algo sagrado na farinha, no pão, tudo que se relaciona a fazer com farinha. Para mim tem algo muito especial, muito relacionado a Cristo. Então, eu peço sempre para ele me orientar para fazer um bom produto e que as pessoas que gastaram o dinheirinho, que suaram para ter ele, que elas saiam daqui satisfeitas, com um bom produto e que seja leve para o estômago, que nutra com saúde. É isso que faz a pizza especial”, enfatizou Ariete.


O forno fica perto da churrasqueira, na área que antes era da edícula da casa | Foto: Arquivo Pessoal
O forno fica perto da churrasqueira, na área que antes era da edícula da casa | Foto: Arquivo Pessoal

Uma família


Hoje em dia, a pizzaria, que é família, também serve de ponto de encontro para diversas outras famílias. Ali, casamentos são feitos ao redor da piscina, perto do pé de limão siciliano e das trepadeiras no muro. Aniversários são comemorados ao redor das mesas, com uma pizza ao centro e luzes brilhantes penduradas. Casais se encontram e desfrutam de um momento à dois na baixa luz do local, com toalhas vermelhas quadriculadas nas mesas. Sempre com um sorriso no rosto, os garçons e garçonetes atendem os clientes com o mesmo carinho com que são tratados pelos chefes. Adriane Pinheiro, mãe do Pablo, pizzaiolo, trabalhou mais de 15 anos na pizzaria: com seu filho pequeno, levava ele junto e ele sentava à mesa da cozinha da casa e fazia seus deveres de escola. Ela fez faculdade de Pedagogia e, mesmo depois de formada, foi difícil largar a pizzaria. “O Nino e a Ariete sempre me acolheram, eles sempre nos trataram como família. [...] Apesar de eu ter saído da pizzaria, a pizzaria ainda não saiu de mim, de vez em quando eu ainda vou lá fazer uns ‘bicos’. Raro, mas vou. Porque é difícil, depois de mais de 15 anos trabalhando ali, de ter sido acolhida como parte da família, de sair assim, dá saudades. É um lugar que eu amo, e a pizza é maravilhosa!”, contou Adriane, com gratidão por tudo que viveu ali.


Na Pizzaria Itália do Nino, uma família serve a outra, com muito amor e carinho. Quem conhece aqui, não quer comer em outro lugar, pois o melhor gosto, sempre é o do lar. Ariete, Nino e Angelo fizeram desse país e dessa cidade sua casa.


Pé de limão-siciliano que enfeita o jardim da pizzaria | Foto: Arquivo Pessoal
Pé de limão-siciliano que enfeita o jardim da pizzaria | Foto: Arquivo Pessoal

2 comentários


Me emocionei! Maria, você descreveu com tantos detalhes que tocou meu coração. É exatamente isso que a pizzaria representa para nós.

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Pablo Schmitt
Pablo Schmitt
10 de jul.

Que lindo texto Maria! Foi incrível e sempre será incrível fazer parte da família pizza do nino! É emocionante ler e saber mais sobre essa historia!


Parabéns por transmitir essa emoção, alegria, acolhimento, por esse texto! Parabéns!

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Produzido pelos acadêmicos do 5º período do curso de Jornalismo do Centro Universitário FAG, na disciplina de Webjornalismo, sob orientação do professor Alcemar Araújo.

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