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A arte como oxigênio

Não só de pão e água vivem os seres humanos, há coisas que somente a expressão pode acalentar.

Vitor Felipe Galvão declamando sua poesia no Sarau Trechos da Rua | Crédito da foto: Müsanthelo
Vitor Felipe Galvão declamando sua poesia no Sarau Trechos da Rua | Crédito da foto: Müsanthelo

Arte. Substantivo feminino cuja definição pelo dicionário oficial de Oxford é “a produção consciente de obras, formas ou objetos voltada para a concretização de um ideal de beleza e harmonia ou para a expressão da subjetividade humana". Mas , para além do dicionário, a arte é a própria humanidade, é a forma de expressão que nos diferencia de outras espécies. A capacidade de dar sentido e significado àquilo que em outro caso não possuiria relevância, torna o ser, humano.


Essa definição não compreende somente às obras que vemos em museus ou exposições de arte. A expressão ocorre pela palavra, pela dança, pelo simples movimento que possa ter um significado imbuído em si. Assim dizendo, não há arte sem o artista, ou, como narra a personagem Judith na peça Nachtland, escrita por Marius von Mayenburg: “uma obra de arte é apenas o que um artista diz. Se não há artista, há apenas silêncio”.


Apesar de rodeados e constantemente induzidos ao consumo de produtos e manifestações artísticas, foi identificado em um estudo realizado para o SESC, por Gizele Jordão, professora da ESPM, que apenas 10% da população brasileira consome arte com frequência. Um dos principais fatores que explica esse fenômeno é o quão custoso se tornou o consumo da arte. O show da banda de rock “Capital Inicial”, que ocorreu em Curitiba no dia 14 de junho, tinha um custo de ingresso de pelo menos 100 reais. Este valor, quando comparado ao salário mínimo de 2025 (R$ 1.518,00) e ao custo de vida na mesma cidade sendo em torno de dois à três mil individualmente, é notável que um curitibano médio teria que escolher entre a alimentação do mês ou um show de sua banda preferida. 


Mesmo quando há eventos gratuitos, abertos à todo o público, há uma diferença notável sobre a quantidade de público alcançado. Em Cascavel, o Sarau Trechos da Rua reúne escritores e poetas uma vez por mês no estacionamento do Teatro Municipal Serafin Filho, o evento é gratuito e ocorre sempre na última sexta-feira do mês, mas o público alcançado ainda diverge.


“A gente dá mais valor aquilo que é pago,  querendo ou não. Porque, a partir do momento que a gente começa a fazer o Sarau e organizar as coisas de graça, as coisas mais baratas, digamos assim, elas não são valorizadas”, comenta Douglas Alberto Corteza, poeta e fundador do Sarau Trechos da Rua. “A gente nunca levou o sarau para dentro do teatro. Só que, ao mesmo tempo, se a gente só fizesse o sarau dentro do teatro, não íamos conseguir alcançar a mesma galera que a gente alcança no estacionamento”, completa.

Porém, assim como por todo o globo, a história e todos os seus momentos de opressão aos povos nativos moldou a cultura local, bem como a interpretação desta. Com a globalização e a marginalização dos costumes e festividades da população geral, em decorrência da ascensão do capitalismo e a mercantilização da expressão artística, a valorização da arte está se tornando cada vez mais custosa. Victor Felipe Galvão, organizador do Sarau, afirma: “Eu acho que a gente vem muito dessa questão da colonização, né? O Brasil acabou se perdendo durante o tempo, durante todas essas coisas que foram acontecendo com ele e uma coisa principal foi essa questão de arte e essa questão social que foi implementada na gente, para gostarmos das coisas de fora, por ser mais nobre, por ser mais belo, por ser mais requintada. E a nossa arte, como samba, como cantar, como capoeira, foi tudo marginalizado, foi, tipo, tudo visto como uma cultura de pobre”.


A falta de incentivos públicos para eventos gratuitos que englobam diversas esferas da arte influenciam também diretamente na divulgação destes. Em Cascavel, além das apresentações teatrais e do nicho Hip-Hop que ganhou espaço recentemente, existem diversos movimentos que ainda não ganharam seu momento de protagonismo, e isso dificulta a descoberta de novos talentos, seja na música, na poesia ou até mesmo na pintura.


“O movimento em si tá muito associado com o Hip-Hop. Que é essa cultura de rua. O nome já diz: Trechos da rua. A gente tá na rua, as poesias são marginais, são desabafos, e todos nós temos uma forte influência do rap. E eu acho que se você acompanha, por exemplo, o nosso sarau, acompanha uma batalha, a partir dessas conexões, você vai encontrando vários artistas. Eu acho que fora disso, eu também não conseguiria nem imaginar por onde procurar. Como é que eu vou procurar um artista fora dessa esfera do Hip-Hop na cidade?”, Douglas comenta.

A desvalorização da arte não reverbera somente no artista, suas consequências atingem até mesmo a noção de comunidade que nós, como seres humanos, precisamos para viver com qualidade. Um estudo da Organização Mundial da Saúde destaca que o envolvimento em atividades artísticas em grupo (como artes coletivas e música) está fortemente ligado ao fortalecimento de laços sociais, construção de identidade grupal e redução da solidão em diferentes populações . Além disso, outro estudo realizado por pesquisadores da University College London (UCL) constatou que adultos acima dos 50 anos que realizavam atividades artísticas de pelo menos 100 horas por ano (aproximadamente duas horas por semana), possuíam um risco de mortalidade 31% menor durante um acompanhamento de 12 anos. 


Esses dados levantam uma questão importante: se a ciência confirma que arte nos faz bem, por que há tanta resistência sobre as diferentes formas de expressão? A resposta é simples: toda expressão de arte é política. Este fato se comprova na própria história, inclusive a que acompanhamos em tempo real. A utilização da arte como ferramenta política ocorreu como forma de manipulação das massas e também como resistência às injustiças sociais. Durante o período em que a Alemanha era comandada pelo partido nazista, a ideóloga da raça ariana e a vilanização dos judeus foi transmitida principalmente atravéz do cinema. Já nos anos 70, no Reino Unido e nos Estados Unidos, em meio a população revoltada com a crise econômica, o desemprego, a desilusão com a política e a insatisfação com os padrões sociais vigentes, surgiram os Punks, artistas que criaram um movimento que ia contra o conservadorismo e demonstrava a frustração sobre a sociedade de consumo e o conformismo.


No Brasil, a mais recente forma de protesto e luta contra a marginalização através da arte nas diversas comunidades periféricas do país é o rap. Seja improvisando nas batalhas ou escrevendo as próprias músicas, as rimas surgiram como um desabafo daqueles que não tinham suas vozes ouvidas e mesmo as pessoas de diferentes realidades encontram-se no ponto comum que gera a frustração e o ressentimento: a violência do estado. Douglas conta sobre a realidade encarada na própria cidade: “A gente vê pessoas de esferas diferentes, né? De círculos diferentes que, de certa forma, se deparam com aquela mesma realidade todo dia de uma forma diferente. Então, tem ali um o poeta que também é MC, que vem da periferia mesmo e lida com questões de violência policial e também tem a galera da assistência social que vai no Sarau e que sabe que isso realmente acontece”.


O incentivo à arte vai muito além da admiração sobre algo belo, incentivar arte, música e dança é se aproximar do próprio âmago e compreender a realidade a partir de várias perspectivas. Como afirma Victor Galvão. “(A arte) É uma forma de expressão, é como eu me sinto, é uma forma de se expressar através da arte, através da cultura. [...]  E a arte é a expressão do ser, tá ligado? É a sua própria expressão".


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Produzido pelos acadêmicos do 5º período do curso de Jornalismo do Centro Universitário FAG, na disciplina de Webjornalismo, sob orientação do professor Alcemar Araújo.

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