Por que ainda nascem flores?
- Maria Izabella Favaron Weimer
- 8 de jun.
- 4 min de leitura
Onde o silêncio carrega o peso do passado e o chão guarda lágrimas, a vida insiste em brotar entre as pedras

Quinta-feira ensolarada, céu de brigadeiro, daqueles dias que dá vontade de ficar lá fora. Porém, eu estava num humor que não combinava com o canto dos pássaros: ali onde botava os pés não era - e nem foi - um bom lugar para ter os pés.
Caminhei junto às outras pessoas, que estavam no ônibus comigo, em um silêncio inquietante. Chegamos a uma estação de trem, com uma larga rampa vinda da direção dos trilhos, porém, já não passavam mais trens ali; havia apenas um vagão parado ao lado do fim da rampa, aberto e cheio de flores na escada que dava acesso a ele. Em sua volta, velas acesas em plena luz da manhã e, à sua direita, havia pendurado um grande pedaço de tecido escrito “paz”, em inglês. Eu não estava em um lugar feliz para passar o dia, eu estava num campo de concentração na Alemanha.
Não parece ser um lugar muito confortável para se visitar enquanto você está num programa de intercâmbio, mas, como bem me disse a responsável pelo passeio, a qual não recordo ao certo o nome: “Se queremos aprender sobre paz, temos também que aprender sobre a guerra.” O dia teve um ar estranho para mim, o sol estava alto e a primavera gritava na natureza alemã. A grama estava repleta de pequenas flores amarelas e brancas; elas nasciam até no meio das pedras, com uma grande força. Após a estação de trem, onde as vítimas da Segunda Guerra Mundial chegavam, após semanas de transporte em condições esdrúxulas, fomos até a real entrada do campo de concentração, o Bergen-Belsen.

A estrada até lá são 5 quilômetros - caminho que, obviamente, era feito a pé pelos que chegavam naqueles vagões que vimos. O mais espantoso? Em torno daquela rodovia, havia uma vila, bem antiga. Todas aquelas casas, e as pessoas que viviam ali, olhavam aqueles que vinham caminhando em situação de exaustão e sabiam para onde eles estavam sendo levados - e não faziam nada. O mais puro da concepção de pobreza de alma me surgia na mente. Aquela cena, das casas, me assusta até hoje. Ainda tenho pesadelos com isso. Passamos a entrada do campo.
Hoje, não se vê nada mais que a fundação dos espaços que ali existiam. O exército nacional-socialista derrubou tudo após o fim da guerra. A história é pútrida, as fotos, piores ainda. Passei por cada um dos locais em extremo silêncio: as alas, latrinas, casas de desinfecção. Toda a grama colorida pelas pequenas flores.
Cada história e cada relato que nosso guia contava parecia me deixar mais desconfortável ainda. Em contraponto, logo ao lado de toda a estrutura, uma piscina. Sim, uma área de lazer, onde os oficiais da SS, a polícia do Estado da época, moravam com suas famílias. Uma piscina logo ao lado do espaço onde centenas de pessoas morriam todos os dias. Eu sentia meu corpo balançar, buscando me acalmar da ansiedade que tudo isso me trazia.
Não tirava muitas fotos. Me parecia errado. Fomos ao museu da história do Bergen-Belsen: vi ali registros que eu preferia apagar da minha memória — ou melhor, apagar da história. Relatos de pessoas que vivenciaram tudo aquilo, a história daqueles que perderam a vida ali. Me entristecia pensar que todos aqueles podiam ter vivido seus sonhos, ter grandes carreiras - mas não puderam.
O Bergen-Belsen foi o campo de concentração onde Anne Frank morreu. No local, foi levantada uma lápide simbólica em sua homenagem, mas não se sabe onde o corpo dela está. No memorial, ficam as “covas”, que serviam para colocar os corpos daqueles que não suportaram. À frente de cada montanha de terra que cobre os buracos, uma placa indicando o número estimado de pessoas ali: mil, cinco mil, dez mil - números impactantes. Eu passei por tudo aquilo num estado de completo choque. A cor do mármore das lápides contrastava com as cores deixadas pelas flores no chão. Nunca tinha sentido aquilo: uma vergonha misturada com tristeza.

No ônibus de volta, as lágrimas não vieram. Parecia uma situação tão irreal para ter acontecido de verdade. Voltei conversando com meu amigo, Pedro Gutbier.
“É estranho pisar lá e saber, pelas fotos, que aquilo ali era um campo de concentração, que ali, onde eu pisava, tinha gente morta. Eles conseguiram pegar aquele clima pesado e transformar num ambiente pacífico, como é hoje. É estranho”, disse ele, no mesmo choque.
O ser humano foi capaz daquilo - e isso me assusta. As lágrimas vieram depois, e em grande quantidade. O consolo não foi fácil, mas a motivação para que isso não acontecesse nunca mais foi maior. Como ainda disse meu amigo Pedro, tentando conter meu choro: “Pensar que o ser humano pode fazer isso com outros humanos é bizarro”. O mundo precisa de paz, e nós devemos promovê-la.
Que texto forte! Parabéns Maria.
parabéns pelo texto!
Texto maravilhoso Maria!
Parabéns!
Não consigo nem imaginar como deve ser estar lá, mas entendo o sentimento de angústia. Ótimo texto Maria! 👏