top of page
Foto do escritorJúlia Mourão

O Segundo Sol

A vida e a busca pela verdadeira essência de Marta Elizabete

Marta não assiste nada que lhe traga coisas ruins, seja filmes de terror ou jornais. O mantra da sua vida é “No meu mundo só tem coisas boas”. Vegetariana, é dedicada a seguir uma alimentação saudável, sem prejudicar qualquer animal. Afinal, ela preza por aquilo que a faz bem e que, de alguma maneira, agregue à sua alma.

Datas não são o seu forte, uma vez que não se apega a elas. A dona dos olhos escuros repletos de ternura é uma amante da arte em todas as suas formas de manifestação, que se estendem desde as acentuadas nuances de uma pintura ao mundo fantasioso e cogitativo do teatro. Suas músicas favoritas são aquelas que falam da vida ou do amor, sabendo apreciar uma boa música popular brasileira, sem deixar de lado as clássicas, orquestradas ou xamânicas. Se o mundo fosse uma paleta de cores, Marta seria a harmonia entre milhares de tons.

Em sua singular essência, Marta Elizabete Fabrício vive intimamente conectada àquilo que transformou a sua vida desde que era pequena: a espiritualidade. A loja que ela tem, em sociedade com sua filha Ana Carolina, exprime muito sobre si. O ambiente é aconchegante, cheio de objetos místicos e esotéricos que chamam a atenção de quem passa por ali, e estão relacionados às crenças mais distintas entre si. Objetos estes que, assim como Marta, despertam a nossa curiosidade e nos instigam a conhecê-los um pouco mais.

Como se fosse o toque final para que a Cia da Magia estivesse completa, a presença de Marta traz uma energia vital para o lugar e para aqueles que ali estão. E foi justamente naquele espaço que fiquei por horas a fio com ela e com as atendentes da loja, mergulhando de cabeça em cada detalhe da sua caminhada.

O dia em Cascavel, solo paranaense, estava extremamente frio, a temperatura beirava os dez graus. Chovia do lado de fora e a visibilidade estava muito baixa, a neblina beijava o asfalto molhado. Era uma quarta-feira e, nesse dia da semana, Marta costuma fazer leitura de cartas de tarot.

Contrastando com o clima, um sorriso caloroso brincava em seus lábios, e não demorou muito para que nós estivéssemos sentadas uma ao lado da outra – ambas contentes por nos encontrarmos mais uma vez. As duas atendentes que também estavam no lugar cumpriam seus papéis de maneira confortável, deixando claro que a presença da mais velha era, de fato, acolhedora, destoando de grande parte dos ambientes de trabalho.

Marta é luz. Gabriela Oliveira Alberti, 22 anos, que trabalha na Cia da Magia, enxerga a mais velha como a personificação do Sol.

“Ela carrega consigo uma energia muito amarela de felicidade”, a atendente comenta.

Tornou-se extremamente comum escutar sobre sua positividade e alegria. A filha de Marta Elizabete, Ana Carolina Faedo, de 30 anos, brinca ao dizer que sua mãe é tão otimista e alto astral que, por vezes, é difícil entender como ela consegue enxergar pontos positivos mesmo em uma situação que exala o contrário. “Normalmente o que você mais ama é também o que mais te irrita”, ela diz, fitando Marta com um sorriso largo. Outra integrante da equipe da Cia da Magia, Hillary Mayer, 25 anos, conta que a energia de Marta toma conta do lugar, especialmente quando ela pede, com toda a sua agitação costumeira: “Hillary, me grava dançando!”.

Uma marca registrada da mulher, hoje com 60 anos, é a busca incessante pelo autoconhecimento e, com isso, incentiva as pessoas ao seu redor a procurar pelo mesmo. Hillary diz que seu convívio com Marta a tornou uma pessoa mais ligada à espiritualidade. “Um dos momentos mais significativos foi quando ela fez a leitura de tarot para mim pela primeira vez. Pegou bastante em assuntos que não tinha como ela saber. Acho que ela me tornou um pouco mais iluminada do que eu já era”, conta a paulistana.

Gabriela, por sua vez, conta que depois que começou a trabalhar na loja muita coisa mudou em seu interior. “Depois que eu conheci a Marta eu me tornei uma pessoa mais positiva, até porque, quando acontece alguma coisa que não é legal, é para ela que eu corro. Outra coisa que aprendi com ela foi a confiar mais em mim mesma, na minha essência”, continua a jovem. Marta conta que todos a procuravam onde ela costumava trabalhar e muitas pessoas dizem que suas palavras fizeram a diferença.


Anos de erros e acertos...

No entanto, a vida de Marta nem sempre foi repleta de positividade e alegria. Foram longos anos construindo a sua realidade de hoje por meio de erros e acertos. Filha de um caminhoneiro e uma costureira, Marta nasceu em Francisco Beltrão, no Paraná, e conta que sua infância foi maravilhosa, levavam uma vida simples e moravam em uma boa casa.

Eram três irmãos, sendo ela a mais velha e mais travessa. Mudou-se para Curitiba, capital do estado, no início de sua adolescência, por volta dos 12 anos de idade. Seu currículo é extenso. Começou como professora particular de matemática enquanto ainda estava na escola. Em seguida, tornou-se programadora e analista de sistemas após se decepcionar com a faculdade de psicologia, fazendo bom proveito de seu gosto pela matemática e apostando em algo novo: a computação, que ainda estava em seus anos iniciais no Brasil.

Em certo momento, Marta se dedicou à costura também, confeccionando até mesmo os seus próprios vestidos.  Depois de casada e mãe de dois filhos, prestou para concursos públicos, trabalhou ainda como analista de sistemas na Secretaria de Saúde do Estado. Foi transferida para Cascavel a seu pedido, contrariando a sua vontade, visto que seu marido gostaria de se mudar.

Marta odiou a cidade. Filha da costureira do corpo de ballet do Teatro Guaíra de Curitiba, ela cresceu nesse ambiente expansivo e que tanto apreciava. Assim, quando se deu conta de que estava em uma cidade que não tinha teatro ou cinema, sentiu-se imediatamente frustrada e logo a infelicidade a atingiu. Isso, entretanto, não impediu que a jovem mulher seguisse a sua vida. Dedicou-se a ser mãe e a criar os seus filhos Marlon e Ana Carolina.

Reprimindo a sua expressividade inata, Marta era “mãe, dona de casa e esposa submissa”. Sob o mesmo teto de um marido ciumento e inflexível, uma série de limitações a impossibilitaram de ser a pessoa alegre e comunicativa que sempre foi. E, pensando em seus filhos, deixou as agressões verbais debaixo do tapete.

Em meio a nossa conversa, Marta conta sobre a época em que estudou em um colégio católico de irmãs, no segundo grau. O brilho presente em seu olhar denunciava o misto de emoções que a tomavam ao passo que proferia cada palavra. Sua mãe a colocou nesse colégio, exclusivamente para garotas,  porque estava preocupada, afinal, Marta era “uma menina diferente e esquisita”, levando em conta os padrões exigidos pela sociedade da época.

O esperado de uma garota, até então, era que se tornasse uma exímia mãe, esposa e dona de casa. Porém, Marta tinha sonhos que iam muito além. Ela não gostava das mesmas coisas que outras meninas da sua idade gostavam, era quieta e interessada por literatura e desenho, além de ter conhecido seu marido muito cedo. Frequentar aquele colégio, entretanto, não foi de todo mal, afinal, foi naquele lugar em que Marta conheceu a espiritualidade.

“Enquanto as minhas colegas estavam brincando no pátio, jogando conversa fora e namorando… Sabe onde as irmãs me encontravam? Na capela. Eu não conseguia me enturmar com aquelas meninas, para mim, elas falavam tanta asneira. Elas eram vazias. E assim eu ia para a capela”.

Foi então que Marta começou a perceber que existia algo a mais. Os seus sentidos passaram a estar mais aflorados e, com isso, frequentemente sentia arrepios e um frio na barriga incontrolável. Todavia, ela não recebeu nenhum apoio externo para seguir com essa descoberta e jornada de autoconhecimento.

Quando tentou conversar com o seu marido, na época namorado, precisou lidar com suas expressões e comentários desgostosos. Sendo assim, disposta a não deixar de lado as suas convicções, Marta passou a frequentar às escondidas uma livraria, onde lia obras de autoajuda. “Esses livros não eram bem vistos, na época”, comenta.

Um autor que marcou a sua trajetória com a espiritualidade foi Lobsang Rampa, bastante polêmico para o seu tempo. Seus livros visavam o autoconhecimento através de métodos incomuns para muitos, como a auto-hipnose e o estado alfa. Certa vez, Marta, já casada, levou seus livros para casa e, quando seu marido os encontrou, achou que ela estava ficando maluca.

Depois desse episódio, surgiu a autocensura: Marta se calou. E isso se intensificou quando passaram a viver em Cascavel. A sensação que apertava o seu peito era de que o mundo exterior a reprimia e, com isso, somado aos pensamentos autodepreciativos, seu foco passou a ser mãe, dona de casa e esposa. “Era o mundo que eu resolvi ter”, diz após um longo suspiro.

A cidade que Marta detestava tornou-se, posteriormente, palco de uma descoberta que mudou o rumo da sua vida: as terapias holísticas. E seu principal motivo por trás disso era o desejo de salvar seu casamento. Ela conta que, na época, sua própria família a apontou como a culpada dos infortúnios de seu matrimônio. “Marta, comece a olhar para ele diferente!”, sua mãe aconselhava.

Ao desabafar com sua avó, a resposta recebida foi: “Minha filha, é assim mesmo. Mulher tem que se sujeitar ao marido”. Nesse cenário, Marta Elizabete viu as terapias como uma oportunidade de mudar a si mesma, uma vez que divórcio não era uma opção aceitável para sua família. Assim, a constelação familiar e a meditação passaram a fazer parte de sua rotina.


Uma mulher de personalidade e espírito livre

Marta, fiel ao seu espírito livre e curioso, começou a se interessar por outras religiões. Apesar de sua família ser estritamente católica, ela passou a frequentar centros religiosos de outras crenças, como a umbanda, quimbanda, budismo, evangelismo e espiritismo. Isso, porém, era feito sem que seu marido soubesse, o que gerou desconforto visto que ele não sabia por onde sua esposa andava.

Conforme foi adquirindo mais e mais conhecimento a respeito da espiritualidade, Marta começou a entender que o problema não estava em si. Dessa forma, em vez de salvar o seu casamento, ele desandou de vez. Entrar em contato com a sua essência mais pura através das terapias holísticas lhe mostrou que tudo o que Marta precisava era ser ela mesma. 

Tamanha afinidade com o esoterismo a levou a se tornar terapeuta holística. Atualmente, Marta é proprietária do Centro de Terapias Gotas de Luz, onde aplica cursos, realiza seus atendimentos e organiza eventos, como a Fogueira do Sagrado Ser – sob a lua cheia e o calor do fogo, são deixados para trás aquilo que não nos serve mais.

Algumas das terapias aplicadas por Marta são constelação sistêmica familiar, regressão, cura reconectiva, tarot sistêmico e reiki.

“Desde pequena eu sentia que era diferente. Eu tenho um sexto sentido,  o que as pessoas chamam de mediunidade. Mas como isso não podia ser falado na minha família, eu neguei e passei a me considerar apenas esquisita, não médium”, conta a terapeuta.

Marta revela que sua irmã, até pouco tempo atrás, costumava apresentá-la para as pessoas intitulando-a de louca.

Não fazem dez anos que Marta se permitiu aceitar a sua própria essência e ser ela mesma, sem impedimentos. Ana Carolina Faedo conta que nem sempre a sua mãe foi a pessoa alegre e audaciosa que é hoje, afinal, passou boa parte de sua vida lidando com o julgamento. “Quando eu descobri que podia ser eu mesma, ninguém mais me segurou”, Marta conta com os olhos carregados, amparando o brilho do infinito. “Algo me transformou tanto, que não tinha como as pessoas me dizerem o contrário”, continua ela.

Os laços se estreitaram entre Marta e Ana Carolina, esta que vivia um período de descontentamento com sua profissão, quando as duas passaram a ser colegas de trabalho no Gotas de Luz, com a mãe focada nas terapias e a filha na gestão e contabilidade do espaço.

Um dos primeiros vínculos que Marta criou ao chegar na capital do oeste paranaense foi com o antigo dono da Cia da Magia, César. “Meu Deus, eu conheci um bruxo!”, pensou, animada pelo contato. Marta diz ter profetizado que futuramente a loja seria sua: “Vamos na loja da mamãe?”, convidava sua caçula.

E, naquele ambiente, ela se sentia confortável e distante do mundo lá fora, que a julgava continuamente. Após um longo período sem visitar a loja, César a procurou para vender o estabelecimento. De primeira, ela não pôde aceitar. Porém, em uma segunda tentativa, ele a pediu:  “Compre a sua loja, se não irei fechá-la”.

Com um aperto enorme em seu coração, temendo perder o seu cantinho de sossego, recorreu à Ana Carolina. A reação de sua filha foi inusitada: os olhos levemente puxados se inundaram, refletindo a emoção que ambas transbordavam. O impasse era a questão financeira. Marta, então, diz à mais nova que estaria nas mãos do Universo e, se fosse para a loja de fato ser delas, seria.

As duas buscaram auxílio com a família e conquistaram diariamente aquilo que era preciso. O choque maior veio quando, por um acaso, em uma caixinha onde Marta guardava dinheiro sem muito se preocupar, havia o necessário para que o sonho se tornasse realidade. “Nunca desconfie do Universo”, ela diz tomada pela emoção.

Em certo momento da nossa conversa, Marta relembra uma situação da sua vida que se tornou comum, enquanto ainda morava em Curitiba. Nas Ruínas de São Francisco de Paula, próximo ao Alto da Glória, ela esperava os moradores de rua chegarem para lhes fazer companhia e conversar. Nesse período, Marta trabalhava em um consultório, cujos profissionais recebiam amostras grátis de medicamentos.

E, ainda que fosse contra a lei, Marta lia a bula de todos os remédios e os levava em uma sacola até o tal ponto de encontro. “Se eu via que alguém estava meio resfriado, eu lia a bula e procurava por um medicamento que poderia fornecer a ele”, conta com um sorriso brincalhão e nostálgico dançando em seu rosto. Sua visão de mundo é extraordinária. Marta enxerga a vida através de diferentes lentes. Em seu âmago, há uma necessidade insaciável de conhecer o desconhecido.

Momentos conturbados surgiram, eventualmente. Marta chegou a cogitar o suicídio em algumas ocasiões, principalmente quando se tratava de seu casamento abalado. Ela relembra as vezes que as pessoas chamavam a sua atenção: “Marta se comporte!”, “Marta, shhh, fale mais baixo”, “Marta, você está perturbando, quieta!”. Inevitavelmente, pensou que o problema estava única e exclusivamente em si.

Com isso, Marta começou a sofrer recaídas, que se intensificaram na vida de casada. Com um sorriso pequeno e os olhos levemente marejados, ela me diz que seus filhos e a espiritualidade a impediram de seguir em frente com as ideias de cessar a sua vida. Nesse processo, viagens astrais – desassociação da mente para com o plano material para alcançar outras dimensões – também foram esclarecedoras para si.

Outro ponto importante que Marta destaca foi a rebeldia de seu filho mais velho, durante a adolescência, que cresceu em um ambiente onde era comum o pai gritar com a mãe. Como tentativa de aliviar o incômodo, o mais novo recorreu às drogas. Marta, como mãe, não gostou de maneira alguma de ver o filho em tal situação, no entanto, confessa que, ao focar integralmente em amparar o filho, esqueceu de suas preocupações.

Rindo alto, ela narra o excêntrico episódio onde seu filho foi detido e ela optou por ensiná-lo uma lição de uma maneira inusitada: fazendo-o acreditar que passaria um bom tempo na delegacia. Quando ela foi buscá-lo, porém, chegou pedindo para o delegado, pelo amor de Deus, que ficasse com o garoto porque não aguentava mais. O homem, então, assumiu comicamente o papel de psicólogo de Marta naquele dia.


Sensibilidade de outros mundos

Marta, entretanto, revela que o momento determinante de sua história com a espiritualidade foi quando decidiu fazer um curso de cura reconectiva, em São Paulo. Em uma palestra sobre a técnica, ela descreve a sensação que a tomou por inteiro: uma intensa vontade de chorar, sem qualquer motivo aparente.

Atrás do palestrante, amigo de longa data, seus olhos captaram imagens que iam além do mundo material e que, porventura, não lhes eram desconhecidas, visto que em suas projeções astrais já as tinha visto. A partir desse acontecimento, não havia dúvidas do quão extenso e extraordinário é o Universo.

Levaram décadas de copiosas provações para que um sentimento caloroso de acolhimento enfim chegasse à Marta Elizabete Fabrício. E ele veio quando sua mãe finalmente reconheceu a sua singularidade, após tanto negá-la. Em, 2018, com o lançamento de seu livro “A pele da flor, o cheiro do amor”, Marta teve a certeza de que sua mãe tinha orgulho de si e, quando a enxergou despida de qualquer imposição, vislumbrou a filha forte e destemida que havia criado.

Com seu jeito excêntrico e singular, Marta conquistou a admiração de todos ao seu redor. As linhas que compõem sua história estão em sua pele, enquanto seu doce sorriso mostra que cada capítulo valeu a pena. No cosmos da vida, Marta, de fato, é o próprio Sol.

46 visualizações4 comentários

4 Comments


Ana Cecília
Ana Cecília
Jun 22

Adorei conhecer a história da Marta!

Like

maoliveiramourao
Jun 21

Linda história de vida! Bela reportagem! 👏👏👏

Like

dudanklok
Jun 21

Texto incrível, Jú nunca decepciona!!! 😍👏

Like

Júlia Oliveira Mourão
Júlia Oliveira Mourão
Jun 20

Marta, de fato, é a luz em pessoa! 💜

Like
bottom of page