Edson Borges de Morais: a voz que fez história na comunicação do Paraná ao longo de décadas
- Aline Chimello Marobin
- 14 de jul.
- 9 min de leitura
Mais do que uma carreira no rádio e na TV, Edson construiu uma vida guiada pela ética, amizade e pela potência de uma voz que emociona e marca gerações

Quem ouve Edson Morais reconhece na hora: sua voz firme, segura e vibrante se tornou marca registrada nas ondas do rádio e na tela da TV. É uma daquelas vozes que trazem credibilidade, que conduzem a notícia com emoção, mas também com responsabilidade. Ao longo de décadas, ela ecoou em transmissões esportivas, coberturas de tragédias e histórias que marcaram gerações.
Com mais de cinco décadas de trajetória, Edson Morais carrega no timbre de sua voz a autoridade de quem viu o jornalismo se transformar.
Nascido em Garanhuns (PE), no dia 2 de julho de 1954, Edson é filho único, adotado e criado no interior, em uma casa simples, de chão batido. Em 1956, ainda criança, com 2 anos de idade, mudou-se com a família para o Paraná e se estabeleceu em Nova Aurora, onde viveu uma infância marcada pelo trabalho duro no campo, mas também pelo afeto familiar. “Cresci numa realidade muito pobre”, lembra. Ainda assim, guarda com nitidez imagens de ternura e aprendizado.
“Tenho uma visão muito clara, como se fosse hoje, de quando eu era criança, tomando café sentado à mesa cedo com meus pais, e ele me ensinando a como ser, antes de ir pra escola”, destaca o comunicador.
A relação com o pai, um homem simples do sertão pernambucano, moldou seus valores e sua fé, que se tornaria uma âncora em sua vida.
Um dos momentos mais marcantes dessa infância veio aos 9 anos, quando enfrentou uma doença grave nos rins: nefrite. “Recordo nitidamente desse dia. Meu pai e eu no hospital, e o médico disse pra ele que eu tinha 15 dias de vida”.
Inconformado com o diagnóstico, o pai seguiu procurando uma saída. “Depois de alguns dias, voltamos ao hospital. E ali, uma enfermeira chegou para o meu pai e perguntou: ‘Como está o moleque?’. E meu pai, naquela ignorância divina, respondeu: ‘Ele vai morrer’. A enfermeira continuou dizendo: ‘Não vai morrer, não. Chega em casa e dá limonada pra ele’”.
Edson nunca esqueceu a cena que veio depois. “Lembro como se fosse hoje do meu pai voltando para casa comigo, preocupado. Chegando em casa, ele não me deu limonada, ele me deu um balde de limonada pelo resto dos dias. E eu curei”.
Ao se recuperar, o pai voltou ao hospital para agradecer - mas ninguém conhecia a tal enfermeira. “Provavelmente foi um anjo”, declara.
Desde pequeno, Edson já demonstrava vocação para os microfones. “Quando eu era criança, brincava de ser locutor”, lembra. Para ele, aquilo já era sinal de um dom em formação. “Quando uma criança de 7 anos brinca de ser locutor, é porque existe uma tendência, um talento que começa a se revelar - e foi exatamente o meu caso”, afirma.
Na época, o rádio era o principal meio de informação e entretenimento. “Todo mundo ouvia rádio, mas nem todos gostavam. Eu gostava. Me encantei com o rádio. E desde cedo, soube que era aquilo que eu queria”.
Edson acredita que cada pessoa nasce com um talento, mas nem sempre tem a chance de exercê-lo. “Às vezes, alguém passa a vida desempenhando uma função que não está ligada ao seu dom, e talvez por isso não tenha o sucesso que teria se estivesse realizando sua vocação”.
E não foi apenas brincadeira. Aos 15 anos, já trabalhava como locutor de corneta, circulando por Nova Aurora com anúncios de lojas. A voz firme começava a chamar atenção. Aos 19, mudou-se para Cascavel em busca de trabalho. Foi mecânico, entre outras funções, mas o sonho do rádio seguia vivo.
Foi na antiga rodoviária da cidade que pegou seu primeiro microfone oficial, anunciando embarques e desembarques como um “narrador de ônibus”. Dali, com seu talento e voz inconfundível, recebeu a oportunidade de entrar na Rádio Colméia em 1973, como plantonista. Em apenas três meses, já era o locutor oficial.
Seu primeiro passo no jornalismo coincidiu com um período de alto rigor técnico e censura. Segundo Edson, o jornalismo daquela época era de grande profissionalismo. “Tecnologicamente era mais difícil, mas gratificante pela intensidade.” Ele acredita que, apesar da censura imposta durante a ditadura militar, hoje há mais censura do que antes, especialmente nas redes sociais.
Com o tempo, o rádio lhe abriu outras portas: programas musicais, reportagens esportivas e, em 1978, finalmente a grande paixão: se tornar narrador esportivo. Edson guarda com carinho a lembrança de ter narrado a Copa do Mundo de 1976, no México - um marco em sua carreira e, como ele próprio define, o “ápice” para qualquer comunicador esportivo.
A partir de 1979, com a fundação da TV Tarobá em Cascavel, ele passou a fazer parte de uma nova fase da imprensa no Paraná, levando sua paixão pela narração e pelo jornalismo à televisão. Ali, dividiu por 20 anos a bancada com o colega e amigo José Luiz Lemos, hoje jornalista do Portal VoxNet em Guaíra.
Essa parceria, que começou diante das câmeras, se transformou em um laço para a vida inteira. “Eu tenho uma amizade com o Edson até hoje. Frequento a casa dele até hoje. A gente dividiu a bancada do Jornal Tarobá durante 20 anos. Criamos uma amizade muito boa, com os filhos, as esposas... fomos pescar juntos muitas vezes”, relembra José Luiz.
Ele recorda de momentos como o domingo da morte de Ayrton Senna. “A gente estava lá na casa dele assistindo à Fórmula 1. Foi um momento marcante. O Edson é um dos melhores amigos que eu tenho, se não for o melhor. Nossa amizade é muito grande, talvez até de vidas passadas”.
Edson, por sua vez, conta que nunca enfrentou impasses nos bastidores. “Sempre tive um relacionamento muito harmônico com os colegas. Nunca houve conflito”. Essa postura, aliada à sua ética, fez dele não só um profissional respeitado, mas também uma referência
A tragédia como motor da notícia
Ao longo de sua carreira, Edson presenciou eventos que abalaram o mundo. Um dos mais marcantes foi o ataque às Torres Gêmeas, em 2001. “No primeiro avião, achamos que era um acidente. No segundo, entendemos que era terrorismo”, declara. Segundo ele, a cobertura não durou um dia, mas meses - com a imprensa buscando entender as causas e consequências da tragédia.
“Depois da tragédia, vieram os porquês: quem? como? por quê? E nisso, o jornalismo mostrou sua potência. É como um polvo: com tentáculos investigativos, opinativos e informativos que se unem para formar um todo”.
Mas Edson lamenta que, muitas vezes, o que mais mobiliza a atenção pública é o sofrimento.
“O fogo impacta mais do que as flores. Isso está no ser humano. A gente não gosta de violência, mas se entretém com ela. É uma atração inconsciente pelo espetacular, pelo trágico”.
Esse olhar também se refletiu em coberturas locais que o marcaram: a queda das passarelas nas Sete Quedas, o sequestro em Marechal Cândido Rondon que durou cinco dias, o assalto a banco com reféns em Goioerê - onde uma freira se ofereceu no lugar de uma vítima —, e o episódio da família Bali, em Nova Aurora, que se rebelou contra forças policiais por causa de um conflito agrário. “Infelizmente, são sempre os fatos mais trágicos que ficam na memória”, reflete o jornalista.
Uma voz que se tornou assinatura
Essa voz foi trilha sonora de gerações. Inês Chimello, hoje com 62 anos, é uma delas.
“A voz do Edson é inconfundível. Lembro de ouvir ele no rádio ainda quando era menina, e cresci acompanhando ele. Até hoje, no horário das 19h, ligo a TV para acompanhar o Jornal Tarobá, com ele na apresentação”, conta.
É a emoção que conduz, mas é a responsabilidade que ancora. Ao longo do tempo, sua entonação e ritmo se tornaram uma assinatura, especialmente nas transmissões esportivas, nas quais sua empolgação contagiava torcedores e telespectadores.
Uma visão crítica e reflexiva
Apesar de toda sua vivência, Edson confessa que poucas coisas o surpreendem hoje nas atitudes humanas. “O ser humano até aprende lições, mas não as guarda”.
Ele cita as guerras mundiais como exemplo claro. “Se tivéssemos aprendido com as duas guerras, não estaríamos hoje vivendo a ameaça de uma terceira. Existem armamentos capazes de destruir o planeta cem vezes. Mas por quê? Uma vez já seria trágico o suficiente”.
Para Edson, o jornalismo também deve ser um espaço de reflexão sobre quem somos e como vivemos. Com um olhar filosófico, ele questiona os rumos da humanidade, da política e da própria mídia.
Ao relembrar o Reino do Butão - país que mede sua riqueza pela felicidade da população -, sugere uma reflexão profunda sobre os modelos de governo:
“nenhum regime é perfeito. Democracia, socialismo, ditadura... todos têm falhas. O ideal seria unir o melhor de cada um. Como no Butão, onde existe um Ministério da Felicidade e o rei visita as aldeias todo mês. Mas isso não serve para cá. No Ocidente, falta empatia”.
Segundo ele, a humanidade perdeu o senso de propósito.
Edson recorda a história de um senhor de 70 anos que plantou uma árvore que só daria frutos em 50 anos. Quando disseram que ele jamais comeria os frutos, o homem respondeu: “mas alguém vai comer, como eu comi os frutos de outro que plantou”.
“Esse tipo de consciência é raro. A gente vive o agora, sem pensar no depois”, comenta.
Essa visão crítica também se estende à forma como lidamos com temas delicados, como o racismo. Edson defende que o debate precisa ser mais profundo e menos inflamado. “A forma como se discute o racismo hoje é rasa. Precisamos pautar, exemplificar e dialogar - não alimentar retaliações”, afirma.
Ele compartilha vivências pessoais que moldaram sua percepção sobre o tema. Foi adotado por um homem branco, de olhos azuis. “Cresci com ele dizendo que tal negro era ‘um negro bom’. Na ignorância divina dele, não havia maldade. Ele me amava”, conta.
Também lembra com carinho do apelido “Zé Neguinho”, dado por seu melhor amigo de infância, o mesmo com quem dividia o único pão do dia.
Críticas à mídia atual e às redes sociais
Edson é firme ao dizer que o jornalismo atual perdeu parte da seriedade que existia em outras épocas. “Na minha época, era mais sério. Hoje é muito tendencioso”, diz, com a convicção de quem acompanhou a evolução - e as distorções - da profissão ao longo das décadas.
Para ele, muitos profissionais deixaram de lado a imparcialidade, algo que considera fundamental. “Ser jornalista exige ética, retidão e compromisso com a verdade”, reforça.
A rapidez das redes sociais, apesar de reconhecida como um avanço tecnológico, também é alvo de sua crítica. “A velocidade é fantástica, mas as redes viraram redes de intriga”.
Segundo Edson, o ambiente digital tem alimentado polarizações, desinformação e uma busca incessante por audiência. “Às vezes, me assusta pensar no rumo que a internet tomou. Em alguns momentos, acredito que ela já aponta caminhos para o que pode vir a ser o anticristo”, comenta, revelando o peso de sua visão espiritual sobre os rumos da sociedade.
A fé, aliás, é uma âncora em sua vida. “Eu acredito muito em Deus. Já tive provas incontestáveis de sua existência. E é essa fé que me ajuda a manter o equilíbrio, inclusive como jornalista”, revela.
Edson lembra com amargura de uma imagem que nunca saiu de sua mente: a de um menino caído, fraco, enquanto um urubu o observava, à espera da morte.
“Se eu fosse o fotógrafo, largava a câmera e salvava a criança. Isso é humanidade”, afirma, criticando uma certa frieza que, segundo ele, tomou conta de parte do jornalismo.
Ele também lamenta o foco excessivo na audiência e no espetáculo. “Hoje o que dá ibope são as grandes guerras: Ucrânia, Israel... mas há mais de 14 conflitos acontecendo no mundo”, diz. Para Edson, o jornalismo atual se rendeu ao que vende, esquecendo-se do que realmente importa.
“O problema não está na profissão em si, mas na forma como muitos a exercem. Tem jornalista que anuncia alguém de quem não gosta, e deixa isso transparecer. Eu nunca fiz isso. Sempre respeitei o público e a informação”, conclui.
Para ele, o bom jornalismo exige algo que ainda está em falta em muitas redações: seriedade e ética.
O conselho aos novos jornalistas
A quem está começando na profissão, Edson aconselha:
“Seja correto, reto, e isso vai te levar à imparcialidade”. Para ele, a honestidade deve ser um princípio essencial, mesmo que impossível de atingir em sua totalidade. “Talvez só Jesus tenha sido 100% honesto, porque não era apenas humano. Mas nós podemos tentar”.
Ele reforça que o jornalismo deve ser guiado pelo coração e pela consciência, e não apenas por audiência. “Fale com a voz do coração e com uma visão de amplitude”, afirma.
Edson também acredita que a formação de caráter começa em casa. A relação com seu pai, homem simples do campo, moldou seus valores. “Os ensinamentos do meu pai me fizeram ter uma percepção do que é o bem e o mal, do caminho certo e do errado”.
Hoje, com 71 anos, Edson tem histórias intermináveis na sua carreira e continua firme fazendo história: na apresentação do Jornal Tarobá, como comentarista esportivo do programa Tarobá Esporte e como locutor na rádio CBN.
Edson não apenas vive o jornalismo. Ele honra. E sua voz, que já narrou gols, guerras e tragédias, continua sendo o eco de um tempo em que comunicar era, acima de tudo, um ato de respeito.
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