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O peso de uma promessa: as canetas emagrecedoras e o culto ao corpo perfeito

Medicamentos pensados para tratar o diabetes viraram febre nas redes como “milagre” estético, mas o que está em risco vai muito além da balança


Ensaios clínicos apontam que pessoas podem perder até 21% da massa corporal com as doses de Ozempic | Foto: Getty Imagens
Ensaios clínicos apontam que pessoas podem perder até 21% da massa corporal com as doses de Ozempic | Foto: Getty Imagens

Imagine uma caneta que, em vez de tinta, carrega a promessa de um corpo mais magro. Uma aplicação e lá se vão os quilos indesejados. Parece coisa de outro mundo, mas é apenas o veneno da vez - divulgado por influenciadores e celebridades como se fosse um remédio milagroso. As doses de Ozempic, Saxenda, Wegovy e Mounjaro chegaram ao consumidor comum de forma rápida. Inicialmente, foram desenvolvidas para tratar o diabetes tipo 2, mas o efeito colateral acabou se tornando o principal atrativo: a perda de peso.

As substâncias presentes nessas canetas atuam como um hormônio que regula o apetite e os níveis de açúcar no sangue. Estudos indicam perdas de até 17% do peso corporal em menos de um ano e meio. Para quem convive com a obesidade, o resultado é impressionante.

De repente, as canetas viraram estrelas no Instagram. Vídeos de “antes e depois”, famosos exibindo silhuetas transformadas e depoimentos absurdos: “nunca mais senti fome!”. Isso incentivou uma corrida desenfreada por esses medicamentos, mesmo entre pessoas sem sobrepeso, transformando-os em uma espécie de “atalho” para o emagrecimento estético. Segundo a própria Anvisa, 45% dos usuários utilizam essas canetas sem prescrição médica, sendo que 56% sequer têm sobrepeso. Ou seja, gente saudável que não quer esperar os efeitos da academia ou de uma alimentação equilibrada.

As consequências podem surgir em forma de náuseas, vômitos, perda de massa muscular, desidratação e distúrbios alimentares. O perigo se intensifica quando esses medicamentos são adquiridos por meios não regulamentados, como farmácias online sem controle de prescrição ou até mesmo pelo mercado paralelo. Além dos danos físicos, há um impacto silencioso: o psicológico.

A obsessão por um corpo magro, muitas vezes moldado por padrões irreais e filtros digitais, tem alimentado a ideia de que qualquer sacrifício vale a pena.

Jovens e adolescentes são especialmente vulneráveis a essa pressão, e o uso indiscriminado das canetas emagrecedoras se torna mais um capítulo no perigoso livro da medicalização da estética - onde o bem-estar fica em segundo plano.

Outro ponto preocupante é o impacto no bolso. Com preços que ultrapassam R$ 1.700 por mês, muitas pessoas comprometem parte significativa da renda para manter o uso contínuo das canetas. A dependência e o peso financeiro, em alguns casos, levam até à aquisição por meios ilegais. Em 2024, mais de 8 mil unidades de Ozempic foram roubadas ou desviadas no Brasil, evidenciando o valor e a cobiça em torno desses medicamentos.

Diante desse cenário alarmante, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determinou que medicamentos como Ozempic e Saxenda só poderão ser vendidos com receita médica em duas vias, sendo uma delas retida pela farmácia. A medida busca garantir que o uso seja restrito a quem realmente precisa, sob acompanhamento profissional.

Embora essa regulação possa parecer uma burocracia desnecessária para alguns, ela é importante para proteger a saúde pública. Não se trata de restringir o acesso ao tratamento, mas de assegurar que o uso seja seguro. Afinal, a obesidade é uma doença séria, que exige abordagem multidisciplinar — e não uma simples injeção milagrosa.

As canetas emagrecedoras representam, sim, um avanço da ciência,  mas seu uso banalizado escancara uma ferida social: a de que o valor de uma pessoa ainda é medido por padrões estéticos inalcançáveis. Não é o medicamento em si que representa o risco, mas o modo como ele vem sendo consumido, promovido e desejado.

Quando o desejo de emagrecer atropela o cuidado com a saúde, a informação científica e os limites do corpo, estamos diante de uma urgência coletiva.

É preciso resgatar o protagonismo da saúde integral - física, mental e emocional - e romper com a lógica perversa que transforma sofrimento em beleza e saúde em aparência. Não é sobre emagrecer. É sobre o que estamos dispostos a perder para caber em um ideal que nunca foi real.


5 Comments


👏👏👏

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Que texto necessário! Parabéns.

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A influência do meio social na autoestima das pessoas pode fazer com que elas tomem atitudes equivocadas e irreversíveis! Ótimo tema.

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Parabéns pelo texto!

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Texto necessário

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Produzido pelos acadêmicos do 5º período do curso de Jornalismo do Centro Universitário FAG, na disciplina de Webjornalismo, sob orientação do professor Alcemar Araújo.

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