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Silêncio que expõe

Exposição sem som, mas cheia de consequências irreversíveis


Exposição não é da pele, é da alma | Foto: Salehiipegah/Pinterest
Exposição não é da pele, é da alma | Foto: Salehiipegah/Pinterest

Não houve gritos. Nenhuma sirene. Nenhum aviso. Só silêncio.


Mas, curiosamente, era um silêncio barulhento. Um silêncio que ensurdece, que invade o peito e aperta. O tipo de silêncio que carrega dor, vergonha e injustiça - e que pesa mais do que qualquer palavra dita.


Foi por meio de uma mensagem. Um toque na tela. Uma atitude covarde.


Sem consentimento, sem respeito, sem noção do estrago que causaria. Em segundos, a imagem percorreu grupos, pulou de tela em tela, atravessou fronteiras invisíveis e foi acompanhada por risos cruéis, julgamentos implacáveis e, talvez, uma falsa sensação de impunidade.


Ela soube rápido. Como tudo, hoje em dia. Bastou desbloquear o celular, e o mundo virou de cabeça para baixo.


O rosto dela, um misto de susto, vergonha e incredulidade: “ainda dói lembrar. Aquela dor profunda, daquelas que a gente não consegue expressar em palavras, mas que se alojam no peito, sufocando”.


“Por que comigo? O que eu fiz de errado? Será que alguém vai acreditar que eu não quis?” Era apenas isso que ela conseguia pensar.


Não era só uma foto. Era o íntimo invadido, a confiança rompida, a dignidade exposta como se fosse um objeto qualquer, colocado à venda na prateleira cruel chamada internet.


Era um corpo, mas também uma vida. Uma história. Um silêncio forçado.


Mas essa não foi a única vez.


A primeira vez aconteceu quando ela tinha apenas 11 anos. Uma idade marcada pela ingenuidade, quando ainda acreditamos que o mundo é seguro, que as pessoas são boas e que as coisas ruins só acontecem com os outros.


Quando a imagem vazou naquela primeira vez, ela ficou desnorteada, perdida num turbilhão de emoções que ainda não sabia nomear.


“Isso não pode estar acontecendo. Deve ser um engano… Eu realmente não consegui acreditar que minha amiga tinha tirado aquela foto minha, sem eu ver”.


Tentou se convencer de que aquilo havia sido um erro, um acaso cruel e isolado, que não voltaria a acontecer.


Ela buscou refúgio na esperança, tentando voltar a confiar, a sorrir e a existir em paz.


Porém, a vida, de forma cruel e impiedosa, mostrou que essa esperança era frágil demais.


Dois anos depois, aos 13 anos, tudo aconteceu de novo.


Mais uma vez, o silêncio barulhento, a mensagem covarde, a exposição sem fim.


“Não de novo. Por que de novo? Será que vou conseguir suportar? Será que alguém vai me ajudar?”


A ingenuidade, que já começava a ruir, sofreu um golpe quase fatal.


Dessa vez, a dor foi ainda maior. Porque a esperança de que aquilo nunca mais se repetiria foi esmagada pela dura realidade.


Ela tentou se proteger novamente, afastando-se das redes sociais, dos amigos, dos lugares onde antes se sentia segura.


Cada olhar nos corredores da escola, cada cochicho entre colegas, cada dedo apontado era como uma nova ferida aberta em sua alma.


Ela carregava o peso da vergonha - não por algo que tivesse feito, mas pelo que fizeram com ela.


E ninguém pediu desculpas. Ninguém tentou desfazer o estrago.


A imagem seguiu seu caminho, levando consigo o respeito e a paz que ela havia tentado preservar.


Foi então que ela entendeu, com uma tristeza imensa, que o mundo virtual pode ser ainda mais violento do que o mundo real.


Ali, o julgamento é imediato, severo e, muitas vezes, cruel. A defesa quase nunca acontece.


E o silêncio daqueles que viram e nada fizeram... Ah, esse silêncio grita mais alto do que qualquer ofensa.


Ela chorou. Muito. Mas sempre sozinha.


Porque o medo do julgamento, da rejeição, do preconceito era maior do que a vontade de gritar por ajuda.


“Se eu gritar, será que vão me ouvir? Ou vão me culpar ainda mais?”


A vergonha que lhe foi imposta parecia estar grudada à sua pele - um carimbo invisível e injusto.


Ela pensou em desaparecer. Mudar de cidade. Mudar de nome.


“Quem eu era antes disso? Será que ainda posso ser?”


Mas, felizmente, teve quem a segurasse pela mão. Pessoas que enxergaram além do episódio, que viram a jovem ferida — mas não destruída.


Com muito esforço, aos poucos, ela foi se levantando.


A cicatriz ainda dói. Ainda traz medo.


Mas também trouxe força.


Uma força que nasceu da dor, da superação, da luta diária para seguir em frente - mesmo quando tudo parecia impossível.


Ela ainda hesita em confiar. Ainda desconfia dos elogios. E evita espelhos.


Mas ela segue.


E, só por isso, já venceu.


Porque resistir, depois de tentarem calar uma mulher, é o maior grito que ela pode dar.


É transformar o silêncio em palavra - uma palavra que denuncia a violência, a injustiça e o silêncio cúmplice.


É mostrar que, mesmo na dor, existe a possibilidade de renascer.


De ser ouvida. De ser respeitada. De ser livre.


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Produzido pelos acadêmicos do 5º período do curso de Jornalismo do Centro Universitário FAG, na disciplina de Webjornalismo, sob orientação do professor Alcemar Araújo.

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