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Ciclo do pneu no Paraná: a engrenagem que sustenta a economia circular do setor de transporte

Como a destinação correta e a recapagem estruturada criam uma cadeia que reduz custos, movimenta serviços e fortalece práticas de economia circular no Estado


Pneus de caminhão são projetados para suportar mais de quatro toneladas por eixo | Foto: Gabrielli Schunski
Pneus de caminhão são projetados para suportar mais de quatro toneladas por eixo | Foto: Gabrielli Schunski

No pátio de uma transportadora, em Cascavel, no Oeste do Paraná, os motoristas inspecionam os pneus antes de cada viagem. São mais de 400 conjuntos de carretas que, diariamente, passam pela inspeção das equipes de manutenção e dos próprios condutores. À primeira vista, uma rotina comum. Mas ali começa um ciclo que tem mudado o modo como o estado lida com resíduos e ensinado o país a rodar de forma mais sustentável.

Pneus estão entre os resíduos mais desafiadores do mundo. Um único pneu pode levar até 600 anos para se decompor, liberando metais e substâncias tóxicas no solo. Durante décadas, toneladas desse material foram queimadas ou abandonadas em terrenos baldios, um problema de saúde pública e ambiental.

Nos últimos 15 anos, o Paraná tem estado na linha de frente dessa transformação. Amparado pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) e pela Resolução nº 416/2009 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), o estado se tornou um elo no ecossistema que conecta empresas, recapadoras e órgãos ambientais. E esse movimento reflete um compromisso mais amplo: um estudo do Centro de Liderança Pública (CLP), de 2024, aponta o Paraná entre os quatro estados que mais reciclam resíduos no país, atrás apenas de Roraima. 

Segundo dados da Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (Reciclanip), entidade gestora do programa nacional de logística reversa de pneus, o Brasil destinou corretamente  418 mil toneladas de pneus inservíveis em 2023. O Paraná é destaque nesse cenário, com 131 pontos de coleta do material. Em cidades como Cascavel, o ciclo do pneu é completo, contemplando a recapagem e o reaproveitamento.


O ponto de partida


Para as empresas paranaenses do setor de transporte, a gestão de pneus deixou de ser apenas rotina de manutenção e se tornou estratégia comercial: reduz custos operacionais, amplia a vida útil da frota e gera demanda contínua para fornecedores locais. Cada pneu dos conjuntos roda, em média, de 60 a 80 mil quilômetros antes da primeira recapagem,  processo que substitui a banda de rodagem desgastada por uma nova.

“Dependendo de como é feito o uso e manutenção, após a primeira recapagem, ele pode durar mais 40 a 60 mil quilômetros”, relata Lincoln Gomes de Souza, coordenador de manutenção da Ghelere Transportes. 

A iniciativa de recapagem, que surgiu com o intuito de reduzir custos, aumentou a conscientização dos colaboradores: “conseguimos maior engajamento dos motoristas em manter a frota em condições ideais”, descreve o profissional.

Os dados do Ibama reforçam a importância dessa cadeia: entre 2011 e 2022, 4,7 milhões de toneladas de pneus foram recolhidas para reciclagem no Brasil. No Paraná, apenas em 2021, iniciativas coordenadas recolheram mais de 17 mil toneladas, segundo a Reciclanip.


Rodando em conjunto


A Reciclanip mantém no Paraná 131 pontos de descarte de pneus inservíveis. Além do impacto ambiental, essa estrutura sustenta uma cadeia de serviços: oficinas, recapadoras, borracharias e empresas trabalham de forma contínua para atender as demandas do transporte, mantendo um circuito econômico ativo no Estado.

Entre essas empresas, está a Amazônia Pneus, responsável por cuidar da frota da Ghelere. A empresa está dentro de todo o ciclo do pneu, que começa com a venda do material novo: “nós destinamos aproximadamente 200 pneus por mês, baseado em uma média de 2 mil pneus recapados por mês”, explica Haroldo Nunoi, gerente geral da empresa. 

A pesquisadora em Ciências Ambientais Jocimara de Oliveira, que mapeou gargalos e oportunidades na microrregião de Cascavel, lembra que ainda há desafios.

“Os poucos pontos de coleta, a falta de estrutura e de logística para levar esses pneus até as recicladoras, a pouca fiscalização e, principalmente, a falta de conscientização das pessoas sobre o descarte correto tornam a situação mais crítica”, pontua.

Recomeço da jornada


A recapagem de pneus surgiu no início do século XX e foi amplamente adotada após a Segunda Guerra Mundial devido à escassez de borracha. No Brasil, é média de vezes que um pneu de caminhão é recapado está entre 1,3 e 1,8 vezes de acordo com a Associação Brasileira do Segmento de Reformas de Pneus (ABR). 

Na prática, ela começa com o rastreamento de cada pneu, em seguida, vem o processo padrão, que envolve  raspagem, conserto, cimentação, aplicação de banda nova, envelopamento, vulcanização em autoclave e inspeção. 

Haroldo explica que a carcaça deve estar em boas condições para que o procedimento seja realizado. “A viabilidade da recapagem depende de fatores como: qualidade da carcaça do pneu original, condições de uso e manutenção preventiva e tipo de estrada percorrida”.


Encerramento do ciclo


Quando não é mais possível fazer uma nova restauração, outras medidas são tomadas, como trituração, coprocessamento e asfalto-borracha.  Quando não tem destino correto, eles acabam indo para terrenos baldios, margens de estradas, rios e até são queimados irregularmente. Isso aumenta a poluição, o risco de incêndios, e favorece criadouros de doenças.

Jocimara destaca que a trituração é uma das medidas mais eficazes para o uso de pneus inservíveis.

“Proporciona maior durabilidade do pavimento, o asfalto borracha melhora a vida útil da pavimentação, reduz trincas e fissuras, porque o polímero da borracha melhora a flexibilidade do asfalto. Isso gera economia ao poder público, pois reduz a necessidade de manutenção frequente e a trituração transforma um resíduo volumoso em matéria-prima de granulometria menor e fácil transporte/armazenamento”. 

A rota de reaproveitamento escolhida depende de análise técnica e de licenciamento ambiental, papel do Instituto Água e Terra no Paraná. 

O reaproveitamento dos pneus cria oportunidades de negócio em outras frentes. Empresas que atuam com trituração, coprocessamento e asfalto-borracha fazem parte de um mercado em expansão no Paraná, fomentado por obras públicas e pela demanda constante de reciclagem. Esse movimento fortalece uma rede comercial que une empreendedores, cooperativas, prefeituras e órgãos ambientais em um fluxo contínuo de serviços.

O compromisso com a sustentabilidade e economia circular do Paraná não se limita a regras: ela também está  nas estradas. É prática diária que começa no pátio das empresas, passa pelas mãos dos motoristas, impulsiona empresas, se renova a cada quilômetro rodado transformando a economia do estado.


1 comentário


Que tema fantástico, Gabrielli. Tem muitos assuntos relevantes que, por vezes, passam batido pelas pessoas. Dar visibilidade a essas pautas é crucial. Parabéns pela reportagem!

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Produzido pelos acadêmicos do 5º período do curso de Jornalismo do Centro Universitário FAG, na disciplina de Webjornalismo, sob orientação do professor Alcemar Araújo.

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