Mensagem final: não foi lida a tempo
- Emanuele de Borba Moreira
- 17 de mai.
- 3 min de leitura
Atualizado: 19 de mai.
Ficção baseada em realidades que sangram asfalto, destroem famílias e continuam invisíveis

Estava a poucas quadras do meu apartamento quando lembrei que ainda não havia enviado à editora a matéria sobre a campanha do Maio Amarelo. A Transitar, órgão responsável pelo trânsito no município de Cascavel, havia promovido mais uma ação de conscientização no Centro da cidade naquela tarde, e eu não podia deixar o material pendente.
Estacionei. Peguei o celular. Escrevi a mensagem. Anexei o arquivo. Deixei o aparelho sobre o banco do carro.
Foi então que olhei para frente.
E o tempo, por alguns segundos, deixou de correr.
A caminhonete cruzou a via como um míssil desgovernado e atingiu o sedan em cheio. O barulho da colisão preencheu os ouvidos e silenciou o resto. O carro foi lançado contra a calçada e depois contra um muro. Lembro de ver um ursinho de pelúcia voando pela janela estilhaçada - uma imagem que me fez voltar ao presente.
Disquei 193 com os dedos tremendo.
Desci correndo. Um rapaz, do lado de fora da caminhonete, repetia em estado de pânico:
Eu não vi... eu só respondi umas mensagens... era só isso... eu juro que não vi o carro...
No banco de trás do sedan, uma menina pequena ainda estava presa à cadeirinha. Os cabelos encaracolados caíam sobre os olhos assustados. Poucos arranhões, mas um susto que levaria anos para sair do corpo.
As sirenes chegaram rápido, mas nunca rápido o suficiente. O tenente Vieira, do Corpo de Bombeiros, falou à imprensa com a voz firme:
Quando chegamos, o motorista do sedan já estava em óbito. A passageira teve traumatismo craniano e foi encaminhada em estado grave ao Hospital Universitário do Oeste do Paraná (Huop). A criança está bem, com escoriações leves. A cadeirinha a protegeu.
Do outro lado, o jovem da caminhonete - 22 anos, luxações no tornozelo e contusões nos joelhos. E um olhar em ruínas.
Na manhã seguinte, a mensagem que recebi do Hospital Universitário gelou minhas mãos: a mãe da criança não resistiu.
Seu nome era Luiza. Tinha cinco anos. Voltava do aniversário comemorado com os avós.
Abri o computador para redigir a nota para o jornal do meio-dia. Mas minhas mãos não obedeceram. Fechei os olhos e me vi de novo no asfalto. O choro confuso da menina. O olhar perdido, esperando a mãe responder. O pai imóvel, como se apenas dormisse.
Respirei fundo. Três vezes.
E escrevi:
“Luiza perdeu os pais no mesmo dia em que completou cinco anos”.
Mas a frase não bastava.
Porque, mesmo que essa história seja fruto da ficção, ela não está longe da realidade. As ruas de Cascavel estão repletas de histórias verdadeiras que doem muito mais. O sangue que escorre no asfalto é real. Os órfãos existem. A dor tem nome, sobrenome, endereço.

Em fevereiro deste ano, Matheus Ramos Barreto, de 24 anos, foi morto por um motorista embriagado. Deixou uma esposa e uma filha pequena, de quatro anos. A avó da menina disse em entrevista:
Quando ela pedir pelo pai, quem vai estar no lugar dele?
No primeiro trimestre de 2025, Cascavel registrou 2.219 infrações por uso do celular ao volante. No mesmo período, 306 pessoas ficaram feridas. Cinco morreram.
O tema do Maio Amarelo deste ano é “Mobilidade Humana, Responsabilidade Humana”. Palavras importantes, mas que ainda não seguram o volante. Enquanto o celular continuar vencendo a atenção, enquanto a pressa for maior que a prudência, enquanto uma mensagem parecer mais urgente que a vida - vamos continuar enterrando famílias inteiras.
E toda vez que uma criança for deixada sozinha, não vai ser apenas por um acidente.
Vai ser por uma escolha.
O trânsito é muito perigoso, pode destruir famílias. Ótima reflexão.
Que texto, forte Manu, parabéns pela escolha do tema e pelas reflexões.
Emanuele, seu texto é um soco no estômago - do jeito que o bom jornalismo, às vezes, precisa ser. Você usa a ficção com propósito, responsabilidade e profundidade, dando voz a uma tragédia cotidiana que tantas vezes passa despercebida. A escolha narrativa foi precisa, impactante e necessária. Há empatia, indignação e compromisso com a vida nas entrelinhas. Parabéns por transformar dados frios em histórias que humanizam e alertam. Que sua escrita siga sendo instrumento de consciência e transformação.
Parabéns pelo o texto, é uma pauta muito necessária!
uau! Que pauta necessária, no trânsito, o sentido é a vida!