Educar na gaiola: o voo contido de quem ensina para libertar
- Thabata Lima François
- 14 de mai.
- 4 min de leitura
Atualizado: 19 de mai.
Entre despertadores, olhares brilhantes e salas superlotadas, insistimos na luta diária por esperança em um sistema que sufoca, mas não silencia

Às 6h em ponto, o despertador toca.
Abro os olhos a contragosto – parece que a noite nem passou; mal fechei os olhos, e esse som ensurdecedor já me chama para iniciar um novo dia.
Abro as janelas.
O céu está cinza hoje – talvez chova. Que bom, tomara. Assim, menos alunos na sala… Eles sentem vontade de faltar assim que uma gota cai no asfalto.
Eu também gostaria de ficar na cama, mas sou a professora.
Enquanto faço o café, penso em como vai ser o dia. Se houver poucas crianças na sala, talvez eu consiga fazer uma atividade diferente, talvez dê tempo de olhar com calma para cada um, ouvir as dúvidas e questionamentos que residem dentro daquelas cabecinhas maravilhosas.
Sim, elas são maravilhosas, mas são muitas.
Saio de casa apressada, preciso recolher meus pequenos na fila, não posso me atrasar. A qualquer vislumbre meu na porta de entrada, o coro começa. “Oi, prof!” “Bom dia, prof.” E esse é definitivamente o som que mais escuto na vida.
A minha vida. A vida deles. Elas se entrelaçam de maneira irreversível durante as horas que passamos juntos.
Encaro os olhos brilhantes e vejo neles aquilo que busco a cada respiração: a ânsia por conhecer, aprender coisas novas, descobrir o mundo e seus detalhes.
Ver a vida pelos olhos de uma criança é algo que pode transformar quem você é para sempre. A inocência e a coragem que acompanham cada passo se tornam uma injeção de ânimo e esperança para o que está por vir.
Mas a esperança é um sentimento engraçado. Ao mesmo tempo que a sinto em meu peito sem reservas, também me pego a procurá-la.
Esses olhos diminutos anseiam por uma atenção que eu não consigo oferecer. A rotina exige que eu faça inúmeras coisas ao mesmo tempo, e as perguntas, uma atrás da outra, se sucedem sem parar.
Mas quando olho em volta e tem 30 bracinhos levantados - os poucos que eu consigo contar -, preciso decidir em qual carteira ir, qual mão segurar para guiar o lápis na direção correta, qual choro acalentar, qual dúvida sanar… E, no meio disso tudo, me sinto sozinha.
São muitas histórias, muitos corações que batem cada um em uma frequência única, muitos pais que depositam na escola pública a esperança de oferecer aos filhos algo que eles mesmos nunca tiveram: a possibilidade de escolha.
Esse peso todo repousa sobre meus ombros, e sustentá-lo é uma tarefa difícil. Sei que poderia realizar meu trabalho de forma muito mais satisfatória, se não fossem as circunstâncias.
A nossa sociedade deseja que os passarinhos fiquem presos na gaiola. Eles prejudicam o principal meio de se aprender a voar: a educação.
E a gaiola não se limita, ela se expande. Me envolve e revela o quão pequena sou, diante de um sistema que insiste em colocar muito mais alunos do que o ideal em uma sala de aula.
Uma sala que não tem espaço suficiente, nem para os sonhos, nem para os questionamentos, nem para a vida que nós, professores e alunos, esperamos construir através do conhecimento.
Mas é um fato: como diz Rubem Alves,
Sem o educador, o sonho da escola não se realiza.
A realidade à qual nós estamos inseridos nos adoece. Nos transforma em pessoas que precisam buscar a esperança com todas as forças. E que, mesmo tentando, às vezes não a encontramos.
O amor que eu sinto em dar aula vai escapando de mim, feito areia escorrendo pelos meus dedos. Me apavoro por pensar que um dia não mais terei esse sentimento que dá propósito aos meus dias, que faz com que eu seja quem eu sou. Me agarro a essa coisa fina e instável, pois não existe um mundo onde esse não seja o meu lugar, mesmo que doa muito pertencer a essa espiral de falta, que nunca chega ao fim.
Até a lei está contra nós, as pessoas que deveriam representar a população e escolher o bem de todos pensam apenas no próprio bem.
Salas de aula superlotadas não formam indivíduos críticos capazes de questionar o sistema, mas pessoas que se acostumam com a realidade da gaiola. Uma realidade que prende, que sufoca e mina as chances de voar alto e para longe.
O foco dos que detêm o poder não é mais a transmissão de conhecimento como ferramenta de libertação e transformação. Eles querem o controle: precarizar a educação a tal ponto que ela não possa mais ser a salvação daqueles que ainda ousam buscar o céu através dela.
Essa história não é nova, nós - os professores - sempre tivemos que ser um símbolo de resistência. Aqueles que precisam ir contra tudo e todos apenas para sobreviver. Não existe outra opção. Escolhi esse caminho ciente de que encontraria inúmeros desafios, mas não esperava assistir sonhos se perdendo aos poucos, todos os dias.
Mas o caos nunca vem sozinho. Esses sonhos que se despedem cedem lugar para que novos floresçam, não importa o quanto tentem destruir o que nós construímos sem descanso.
Eu posso ser uma sonhadora, mas não sou a única.
O verdadeiro poder reside no conhecimento. Enquanto houver pessoas que lutam por isso, jamais seremos vencidos.
Educar é um ato de coragem. Parabéns pelo texto, Thabata! :)
Thabata, seu texto é visceral, honesto e profundamente necessário. Você transforma o cotidiano da sala de aula em matéria literária e denúncia social, com uma escrita que emociona sem perder a crítica afiada. Cada parágrafo revela a alma de quem educa com o coração, mesmo quando o sistema insiste em esmagar esse afeto. É um retrato potente da resistência silenciosa (e incansável) que move a educação pública no Brasil. Obrigado por criar espaço para a voz de tantos educadores e por lembrar que, apesar do cansaço, ainda somos feitos de esperança. Que sua escrita siga inspirando e inquietando.
Parabéns pelo o texto, é muito necessário falar sobre esse assunto!
Necessário falar sobre esse assunto! Excelente artigo.
Parabéns pelo texto amiga! Que escrita envolvente e tocante, um assunto de extrema importância.