Fotojornalismo de guerra: até onde vale a pena se arriscar por uma foto?
- Leonardo Pelegrini Moura
- 2 de jun.
- 6 min de leitura
Atualizado: 3 de jun.
Armados de câmeras que registram os horrores da guerra, os protagonistas de Guerra Civil estão a um flash da morte

O filme Guerra Civil é um retrato cru e sem escrúpulos de um grupo de fotojornalistas de guerra que atravessa uma versão distópica dos Estados Unidos.
Dirigido por Alex Garland, o elenco conta com o brasileiro Wagner Moura, que interpreta Joel, a renomada Kirsten Dunst, no papel de Lee Smith, Cailee Spaeny como Jessie e Stephen Henderson vivendo Sammy. O presidente americano, na atuação de Nick Offerman, ignora as leis e permanece na Casa Branca para um terceiro mandato. Os estados da Califórnia e do Texas se unem para criar as Forças Ocidentais (FOs) e restabelecer a ordem. Então, o grupo de fotógrafos se encarrega de entrevistar o presidente na capital antes que ele seja deposto pelas FOs. Para isso, os profissionais atravessam um país caótico, tomado pela guerra, destruição e preconceito.
Lee é uma fotógrafa de guerra calejada, com trabalhos famosos e reconhecidos mundialmente, aos custos de traumas, pesadelos, vícios e amargura. Joel, também com anos de experiência, prefere esconder as cicatrizes de guerra por trás de piadas e do vício em cigarro e álcool. Jessie, por sua vez, é uma fotógrafa jovem e inexperiente, que idolatra Lee e se inspira em seu trabalho. Após ser resgatada de uma confusão por Lee, Jessie a pediu para acompanhar o grupo de fotógrafos na missão. A mais experiente, ciente dos riscos e traumas inerentes à profissão, revogou a companhia da jovem. Contudo, impetuosa, Jessie, com a permissão de Joel e Sammy, apareceu no veículo do grupo no dia seguinte e os acompanhou, apesar da contestação de Lee.
Após alguns quilômetros de viagem, os profissionais abasteceram em um posto, atendidos com hostilidade por um trio de homens armados. Durante o abastecimento, Jessie, acompanhada de Lee e de um dos homens, foi até um galpão nos fundos. Ali, a jovem teve um tira-gosto do que seria sua jornada até a capital: dois homens, que foram torturados, estavam amarrados pelos braços. O sujeito armado alegou que eles eram saqueadores, mas um deles disse que tinha família. O dilema seguiu no ar, até que Lee pediu para o homem armado posar para uma foto entre os presos. Jessie ficou em choque com a cena e não fotografou. Quando voltaram para a estrada, a jovem se martirizou, culpada por não ter registrado o momento. Até que Lee sintetizou tudo aquilo que eles estavam fazendo: “depois que você começa a se fazer essas perguntas, você nunca mais para. Então não perguntamos. Nós registramos, para que outras pessoas perguntem”.
Em dado ponto da viagem, o grupo encontra um estacionamento para passar a noite, e Lee e Jessie foram fotografar um helicóptero caído, até que Jessie fez o questionamento:
“Você registraria eu sendo baleada?”
“O que você acha?” — respondeu Lee.
A todo momento, o filme faz questão de ponderar até onde vale a pena seguir nessa carreira. Lee se recriminava, pensando que, quando saía de um campo de batalha, os espólios fotográficos que trazia serviriam de alerta para que ninguém quisesse seguir naquele ramo. Mas lá estava ela, mentorando outra jovem a seguir seu caminho de ruínas, rancor e angústia.
Por outro lado, Joel não se arrependeu da decisão e aconselhou Jessie a não esperar pelo sono à noite, já que, se ele viesse, seria uma grata surpresa. Em sua atuação, Wagner Moura faz questão de manter o sotaque abrasileirado no inglês, do jeito que ele fala, pois representa uma grande população de brasileiros e imigrantes que conversam com uma entonação diferente.
No dia seguinte, os fotógrafos se jogaram direto na ação. Acompanhando um destacamento da resistência em uma operação, eles registraram cada disparo, ferimento e assassinato, tudo nos detalhes das lentes das câmeras, que os tornavam imunes no conflito. Por fim, as FOs renderam as tropas do governo e os executaram a sangue frio, tudo fotografado pelas lentes de Jessie.
Depois do conflito, os jornalistas pararam em um campo de refugiados em um estádio. Entre bebidas, cigarros e sorrisos compartilhados, os protagonistas tiveram um tempo para respirar e ficar longe de tamanha violência. Apesar das cenas imergirem o espectador em relaxamento e tranquilidade, a trilha sonora faz questão de ser inquietante e desconfortável, expondo que, naquele mundo, mesmo em um lugar seguro, não se pode baixar a guarda.
Durante a viagem, eles foram alcançados por uma dupla de fotógrafos amigos de Joel, Tony e A. Após piadas e xingamentos, Tony passou para o carro dos jornalistas, em movimento, no meio da estrada. Jessie fez a mesma coisa, e ficou no carro de A. O mesmo pisou fundo e se distanciou do carro dos fotógrafos, sumindo na estrada. Mais à frente, os jornalistas encontraram, num vilarejo, o carro da dupla largado na grama, vazio e com as portas escancaradas. Na sequência, viram Jessie e A mantidos reféns de dois soldados armados, que desovavam dezenas de corpos em uma vala comum. Sammy ficou para trás, e o resto dos fotógrafos se aproximou dos soldados para conversar, se valendo das credenciais de jornalistas.
A sequência é uma das cenas mais marcantes e chocantes do filme. Joel tentou convencer um dos soldados de que o grupo estava de passagem. O soldado, cínico, perguntou se A era amigo do grupo. Com a confirmação, o homem assassinou A a sangue frio. Joel insistiu que eram americanos, então o soldado perguntou que tipo de americanos. Jessie, Joel e Lee eram nascidos nos EUA, mas Tony, em prantos pelo amigo, ao alegar ser de Hong Kong, foi cruelmente baleado. Os ânimos se elevaram e o soldado apontou a arma para eles, mas Sammy chegou atropelando os antagonistas. Jessie caiu na vala de corpos e, em choque, lutou para se desvencilhar do toque gelado dos cadáveres. Joel a resgatou e eles fugiram. Um terceiro soldado surgiu e atirou, mas eles já estavam longe. A trilha sonora consistia em um ruído angustiante e crescente, abafando os gritos de desespero de Jessie e Joel, que se encaravam no carro e compartilhavam lágrimas de um trauma que custaria a sumir.
Depois de alguns quilômetros, Sammy revelou seu ferimento de bala, e a montagem seguinte é deslumbrante. Uma floresta em chamas, a fotografia de tirar o fôlego e uma música calma e reflexiva. Sammy teve a luz de seus olhos apagada em meio às brasas e à fuligem do incêndio. Ele se tornaria só mais um na extensa lista de óbitos daquele confronto.
Por fim, eles alcançaram um destacamento das FOs e partiram para a derrocada final, em Washington, D.C. Os fotojornalistas, armados de câmeras, munidos de seus cartões de memória e blindados com suas lentes, se embrenharam no caos. Lee estava abstraída, perdida naquela destruição, a fotografia embaçada quando se focava na mulher. Eles chegaram até o muro que cercava a Casa Branca, lado a lado com os soldados.
Os guardas do presidente forjaram uma fuga de carro, mas foram detidos pela resistência. Ao ver a situação, Lee recobrou os sentidos por um instante e percebeu, antes de todos, que o presidente não estava ali. Ela chamou Jessie e Joel e eles avançaram sozinhos até a Casa Branca, que estava vazia. Os soldados alcançaram os fotógrafos e reviraram a casa, impetuosos, trocando tiros com os últimos homens do governo tirano. Jessie acompanhava de perto os soldados, se arriscando além dos limites. Até que, em um corredor cheio de salas, durante a troca de tiros, a jovem assinou seu atestado de óbito: apareceu desprotegida no corredor, ficando estática para tirar uma foto. Lee se atirou na garota, a derrubando. Contudo, ainda em pé, Lee foi alvejada, cada bala que perfurava seu corpo sendo registrada pela câmera de Jessie.
Lee despencou por cima da garota que, de maneira fria, no puro instinto de fotógrafa, eternizou com sua câmera a morte da própria heroína, da referência que tinha como profissional.
No fim, foi Jessie quem registrou, a sangue frio, a morte da renomada Lee Smith, contrariando a conversa que tiveram no meio do filme, quando a jovem perguntou se seria fotografada pela mulher se estivesse no leito de morte.
Joel nem reagiu à morte da amiga. Apenas seguiu o exército, focado na missão.
Jessie, ainda em choque, seguiu seus passos, e quando olhou para trás, a fotografia do filme a registrou da mesma maneira que registrara Lee no começo do embate na capital: embaçada, distorcida, dando a entender que ali o ciclo se repetiria.
Os soldados capturaram o presidente. Prestes a matá-lo, acataram o pedido de Joel para esperar. O homem perguntou as palavras finais do diplomata, que implorou para ser poupado. Joel afirmou que aquilo era suficiente, já que demonstrava muito do caráter do presidente. Na sequência, ele foi morto com um tiro no peito. Toda a ação foi registrada pelas lentes de Jessie.
O filme se encerra com a foto, mas deixa o seguinte questionamento: a que custo?
Excelente texto Murilo, ainda não vi este filme mais me interessei em assistir.
Assisti esse filme no cinema. Simplesmente MARAVILHOSO! Recomendo muito. Você arrasou na resenha, Leo. Parecia que eu estava assistindo o filme novamente conforme ia lendo. Incrível. Parabéns.
Fiquei com vontade de ver o filme. Muito Legal!
👏👏👏👏 adoro esse filme
texto muito bom!