Exu e a cultura Afro-Brasileira: uma história de resistência
- Guilherme Lopes
- 13 de mai.
- 4 min de leitura
Considerado a força primordial da criação do mundo, Exu é o movimento que possibilita a manifestação do Universo

Nas encruzilhadas onde o sagrado e o profano se encontram, reside uma figura envolta em mistério e reverência: Exu. Bem distante dos estereótipos que o cercam, quem foi, verdadeiramente, essa entidade central nas religiões de matriz africana?
O primeiro do xirê dos orixás, o mensageiro, senhor dos caminhos. Não há um consenso a respeito da tradução literal do nome Èṣù (a grafia mais comum em iorubá), mas suas interpretações ajudaram a compreender melhor a complexidade que envolveu essa figura mística. Para alguns estudiosos, o nome teve ligação com a ideia de movimento constante e da onipresença que marcaram a natureza da entidade. Outros entenderam que o nome se relacionava ao fato de Exu ser o detentor dos conhecimentos e mistérios - especialmente, ligados à comunicação e à interação entre os mundos.
Para o Babaláwo Roberto Fernandes, talvez essa relação com o conhecimento tenha sido o principal motivo de Exu ter sido o primeiro e o último orixá a ser alimentado nos ritos realizados nos terreiros das religiões de matriz africana.
“Isso iria acontecer de acordo com a liturgia que se estivesse praticando. No Candomblé, por exemplo, normalmente era muito ligada à questão de Exu trafegar em qualquer lugar, pois ele era uma energia livre para estar em qualquer momento e local. Por isso, considerava-se a ‘satisfação e o culto a Exu primeiramente’, para que ele pudesse trazer tranquilidade para o culto”, relatou.
Ainda segundo ele, as casas tradicionais costumavam alimentar Exu no início e no fim de cada rito ou culto, com o objetivo de garantir que sua mensagem fosse bem recebida.
“Porque a energia de Exu era a que colaborava e corroborava tudo e qualquer função que se estivesse realizando”, explicou o Babaláwo.
Roberto explicou que essa entidade era a guardiã da verdade. Era ela quem levava nossos pedidos de forma mais rápida e concisa, ressaltando a importância dessa divindade para qualquer rito de matriz africana. Roberto afirmou que Exu ocupava um lugar central nos rituais e na compreensão da espiritualidade como caminho de conexão e transformação.
Senhor dos caminhos
Mais do que mensagens, a figura de Exu carrega consigo a dualidade do seu espírito. Alguns dos seus itans (termo semelhante a mitos e lendas) ajudam a compreender melhor os mistérios que envolvem essa entidade. Um dos itans mais conhecidos narra como Exu, usando um chapéu metade preto e metade vermelho, passou entre dois amigos fazendeiros que viam apenas um dos lados da cor. Ao se encontrarem novamente, cada um jurava ter visto uma cor diferente, o que levou a uma grande discussão e à ruptura da amizade. Exu, então, revelou sua artimanha, mostrando como a percepção limitada e a falta de diálogo podem gerar conflitos. Esse mito ilustra o papel de Exu como o orixá que ensina que a comunicação não pode ser falha, e ressalta a importância de considerar diferentes perspectivas.
Em algumas tradições, Exu é considerado a força primordial da criação do mundo. Ele representa o movimento que possibilita a manifestação do Universo, sendo o elo entre Òrun (mundo espiritual) e Ayé (mundo terrestre).
A dualidade presente na figura de Exu é um dos fatores que ajudam a explicar a confusão frequentemente feita em torno de sua imagem. Segundo afirmou o pai de santo Beto de Ògún,
“Exu não se encaixa na certeza de bom ou mau; ele não é o diabo, principalmente pelo simples fato de essa figura não existir na tradição africana. O diabo, na verdade, é o ser humano que faz e corrobora o mal ao seu semelhante. Exu é o guardião da verdade. Cabe a você saber fazer seus pedidos a Exu”.
Dualidade e ambiguidade não representam falhas no caráter do orixá, mas sim elementos que ajudam a compreender seu papel no universo das religiões afro-brasileiras. Ele personifica a complexidade da vida, onde bem e mal, ordem e caos, claro e obscuro coexistem e se influenciam mutuamente.
Para compreender essa entidade, é necessário aceitar essa realidade multifacetada e reconhecer sua importância como força dinâmica e essencial para o equilíbrio do cosmos.
O culto na encruzilhada
Um dos símbolos que fazem referência a Exu são as encruzilhadas, que, literalmente, representam um ponto onde dois ou mais caminhos se cruzam - simbolizando momentos de escolha. Exu pode testar e influenciar decisões, revelando as consequências e a responsabilidade de cada escolha. Sendo ele o guardião dos portais e das passagens entre os mundos, a encruzilhada torna-se um portal físico, onde diferentes caminhos se encontram, refletindo sua função cósmica.
Mas, por que a imagem de Exu é, tantas vezes, associada ao mal ou ao diabo?
Para Pai Beto, o sincretismo religioso forçado é um dos motivos.
“A falta de compreensão e a ignorância diante da complexidade da teologia e da filosofia por trás da figura de Exu não foram compreendidas pelos colonizadores, e isso acabou sendo replicado por novas denominações pentecostais, que ajudaram a perpetuar uma visão negativa a respeito do que desconhecem”, afirmou.
Ele explicou que, nas religiões de matriz africana, não existe a figura do diabo - uma invenção cristã.
Outro ponto importante destacado por ele é o racismo religioso. Pelo fato de ser uma tradição africana, essas religiões passaram a ser vistas como inferiores ou malignas justamente por estarem ligadas, em sua origem, aos povos escravizados. Pai Beto ressaltou a importância de combater o racismo como parte do processo de restaurar a verdadeira compreensão de Exu e de garantir a liberdade religiosa, bem como o respeito à diversidade cultural e espiritual no Brasil.
Mas a dúvida persiste: como desmistificar uma figura tão complexa?
Segundo o Babaláwo, é fundamental fornecer informações precisas e contextualizadas sobre Exu, sempre com base nas tradições e nos saberes das religiões de matriz africana. Promover o diálogo aberto e respeitoso entre diferentes crenças, adotar uma abordagem integrada e contínua - tudo isso é essencial para desafiar a imagem negativa imposta ao orixá pelo racismo religioso.
Diante disso, devemos olhar para essa divindade como um companheiro fiel, que trafega conosco em todos os caminhos - e aprender a enxergá-lo com bons olhos, sempre.
👏👏👏
Adorei o texto! Muito importante mostrar quem é Exu de verdade e como ele faz parte da nossa cultura. É bom ver esse tipo de conteúdo que valoriza as raízes afro-brasileiras e combate os preconceitos. Parabéns por trazer esse conhecimento de forma tão clara e respeitosa!
Parabéns Guilherme por transferir de forma clara e didática para todos compreenderem quem é Exu.
Texto perfeito!!!
Suas palavras de fácil entendimento, faz com que se quebre ou desfaça todo essa imagem de ruindade assemelhada a Exu.
Exu é caminho, é vida.
Muito bom !!