Além das luzes das cidades
- Daniela Dalmoro
- 10 de mai.
- 4 min de leitura
Atualizado: 12 de mai.
Quando o coração parte antes do corpo, a vida inteira cabe na mala

“E quem você amava agora adora quando você vem embora, e chora
quando lembra de casa, mas se não lembrar, se perde no ar e vai partir
sem bilhete de volta, melhor se apressar, o trem vai passar, certeza não há,
caminhos são tantos, teu velho orgulhoso, tua mãe aos prantos!”
(Um outro lugar - Terra Celta)
Partir nunca é fácil, ainda mais quando o destino não é apenas outra cidade, mas outro país, com outro idioma, com outra cultura. Partir exige coragem, mas também exige desapego, fé e, principalmente, amor-próprio, deixando para trás uma parte da vida para buscar algo que ainda nem se sabe exatamente o que é, mas sente dentro de si que é o caminho certo para se encontrar e realizar seus sonhos.
Existem partidas que começam muito antes da mala ser fechada. Começam no peito, quando o coração resolve ir antes do corpo, atravessando mares e cidades que nem sabe direito onde vão dar. A vida inteira se espreme em camadas pequenas dentro de uma mala, junto com a coragem, o medo e uma vontade quase infantil de descobrir o que existe além das luzes das montanhas.
Senti isso aos 29 anos. Uma urgência, um chamado antigo, daqueles que a gente guarda sem perceber. Desde pequena, entre as luzes observadas nas montanhas da minha pequena cidade e o brilho distante das luzes das cidades maiores, eu já sonhava com o dia em que eu, Débora Dalmoro, seria parte do mundo. E foi assim que, anos depois, decidi escutar aquele sussurro antigo do destino. Atravessei o oceano e fui morar na Irlanda.
Vi as portas se abrirem e decidi atravessá-las. As oportunidades apareceram, e eu só abracei. Tenho uma família ótima que me ajudou nessa nova etapa da minha vida. Aliás, essa decisão foi tomada logo após minha irmã mais velha, Daiane, retornar de seu intercâmbio. No Brasil, deixei minha filha de 15 anos. Ela é meu mundo, minha pequena Lari. O significado de seu nome já diz tudo. Fortaleza. Ela é nossa fortaleza. Mesmo de longe estamos sempre conectados conversando diariamente, eles são meus pontos de referência para a vida.

Tem um silêncio que só quem vive longe de casa conhece, o silêncio de não pertencer a lugar nenhum. A pergunta ecoava dentro da minha cabeça. “Se algo acontecer comigo aqui, em quanto tempo alguém vai sentir minha falta?”. Foi um período muito difícil, me sentindo carente e invisível, mas, ironicamente, foi nesse mesmo lugar que encontrei amizades sinceras, laços criados na dor e no acolhimento mútuo. É nesses silêncios que muitas vezes nascem os laços mais fortes, entre desconhecidos, como eu. Carregamos a saudade da família na mala e esperança nos olhos. Amizades feitas na vulnerabilidade, no abraço silencioso de quem entende os medos e a solidão do outro.

Longe de casa, eu pude me encontrar além dos papéis que sempre me definiram. Deixei de ser "a filha", "a irmã", "a mãe", e passei a ser apenas Débora, aquela que sonha, que erra, que sente medo e coragem ao mesmo tempo. Nesse espaço livre de expectativas, me permito florescer e brilhar, igual as luzes das cidades que eu observava quando pequena.
Mas nem toda liberdade é indolor, foi muito difícil deixar minha filha, meus pais, minha irmã, eles são meus pilares. Às vezes me pergunto, será que fui egoísta? Será que pensei só em mim? Foi uma carga muito grande dentro de mim. As datas comemorativas chegam, e eu não estou, e isso dói. A ausência dos abraços diários, dos beijos. Há buracos que o tempo não preenche, apenas suaviza. Minha família ficou rezando do outro lado do oceano, mandando amor em forma de preces, confiança de que Deus e Nossa Senhora de Aparecida cuidavam de mim que, mesmo longe, sempre era lembrada por eles.
A Débora que embarcou no avião era diferente da que vive hoje, livre pelo mundo. Antes, eu tinha crenças muito fechadas. Era cabeça dura, agora sou o oposto: tenho o coração e a mente abertos, me permito sentir, mudar de ideia, viver emoções. Me tornei uma Débora evoluída. Eu sei que cada jornada é única, mas acredito que todos deveriam viver algo assim, ao menos uma vez na vida.
Vem, só vem, não espere o momento certo, ele não existe. Apenas vá, viva com intensidade, com amor, porque quando você se permite, o mundo se abre, e em um ano, você pode viver o que viveria em dez, é mágico e transformador.
Crônica inspirada em relatos de Débora Dalmoro.
Muito delicado o seu texto, Dani. Parabéns
Que crônica linda, parabéns!
Lindo texto Dani!
Amassou Dani, história muito bacana e texto impecável meus parabéns
Parabéns pelo texto, Dani!