Entre quedas e conquistas: a vida artística de quem nunca desistiu
- Leonardo de Oliveira

- 12 de jul.
- 5 min de leitura
De um começo escondido da família, aos palcos internacionais. Conheça a história de um bailarino que fez da dor o combustível para continuar

O espelho reflete mais do que o corpo suado, nele se vê o tempo, as manhãs em que ele acordou duvidando de si, mas mesmo assim dançou. No camarim abafado, entre aquecimentos e respirações aceleradas ele diz, com uma voz tão baixa, mas firme:
"O rio só atinge seus objetivos porque ele aprendeu a contornar obstáculos".
Ao abrir as aspas para vozes ecoadas, é quase inesquecível não falar da cultura brasileira, e, para isso, ninguém melhor do que Genilson Gomes para dizer isso com propriedade. O homem que, aos 14 anos, quando viu pela primeira vez um grupo de bailarinos se apresentando em seu colégio, sentiu que algo se acendia por dentro. Era ali, o início de um fogo estranho, uma nova curiosidade e, há quem diz, uma espécie de fé. “A maneira como os meninos se movimentavam era intensa e leve ao mesmo tempo. Era diferente de tudo que eu fazia na ginástica. Foi ali que a dança me escolheu”, conta.
Antes disso, ele já experimentava o universo artístico: a pintura de telas, ginástica, esportes e de modo geral a cultura em si já lhe fascinava. Mas era a música misturada ao corpo que lhe encantava de forma visceral. Ao dar o seu primeiro passo em uma sala de dança, todo aquele encanto virou desafio: “Tudo era difícil. Eu era alto, desengonçado, e entre mais de dez meninas experientes, era impossível não se sentir fora de lugar”.

Mesmo com o incômodo, ele ficou, por três meses, escondido da família. Até que a verdade veio, e, com ela, o susto. A mãe foi categórica: não. “Ela queria que eu estudasse, arranjasse um emprego de ‘verdade’, ajudasse em casa”. O pai, por outro lado, surpreendeu: “Se é sério e você se dedica, continue.”, Genilson continuou, deu ouvidos ao pai e visão ao seu sonho, porque quando se tem 14 anos e uma vontade latejando os ossos, parar parece mais doloroso do que seguir.
Hoje, ele completa um pouco mais de 18 anos de estrada, ou melhor dizendo, de palcos. O jovem carrega no corpo as cicatrizes da persistência, da coordenação, força, musculatura e o conhecimento técnico, que ele assume ter conquistado com suor e teimosia.
“Minha vontade sempre foi maior que meu medo”, diz.
E foi assim que ele cruzou fronteiras: do Brasil à Argentina, da Argentina à chance de dançar em Nova York.

“Minha primeira viagem internacional foi a trabalho, e sozinho. Fui disputar uma vaga para a final de um dos maiores concursos do mundo, o Valentina Koslova International Ballet Competition. Era só eu, meu corpo, e minha fé.” O bailarino, que ficou em segundo lugar na América do Sul, ganhou bolsas de estudo no Canadá e na Argentina, junto a grandiosas oportunidades, ele conheceu a dor de ver essas chances escaparem pelas mãos, por não ter como se manter fora do país. “Foi uma das maiores dores da minha vida. Mas ao mesmo tempo, ali eu entendi o tamanho que eu já tinha conquistado e o tamanho do que eu era”.
Ser bailarino no Brasil é quase um ato de resistência. A arte é desacreditada e os talentos mais brilhantes, formados a duras penas em projetos sociais, acabam buscando reconhecimento fora.
“Seria bom se existissem tantas companhias de dança quanto existem de times de futebol”, diz.
Porque hoje, quase todo bailarino que é bom, está indo embora.
Genilson pensou em desistir, e foram incontáveis vezes, a falta de oportunidades, de recursos financeiros e atrelada a isso, aquela dúvida que permeava-o e mais doía, essa dor é a mesma que tira o sono de milhares de artistas no país: Como viver disso? Como pagar as contas? Mas, à medida que o tempo passou, entendeu que viver da arte exige não só coragem, mas atualização constante, entrega total.
A dança, para o bailarino sonhador, nunca foi só profissão, serviu como cura, espelho e foi a resposta quando tudo parecia em silêncio. Relembra com emoção do primeiro espetáculo em que foi solista, e o quanto aquilo o mudou, afirma que foi ali que percebeu a capacidade de carregar uma história sozinho em uma cena tão difícil.

E mesmo assim, ele nunca esteve de fato solitário, porque atrás das cortinas vermelhas, das pernas de coxia, as palmas fervorosas, os figurinos, cada passo preciso, há uma rede invisível de gente que vibrou por ele. Amigos, colegas, até mesmo os que duvidaram. E claro, sua mãe, aquela que um dia disse "não", mas hoje prestigia suas apresentações, apoia as decisões e o aplaude de pé.
Ao longo dos anos, sofreu piadas, olhares atravessados, rótulos não cabíveis e o preconceito por ser um homem exercendo uma arte estereotipada como “feminina". Hoje, ele é mais que bailarino, é o mestre das sapatilhas, professor, e a pouco tempo, tornou-se dono da escola onde tudo começou. E é no olhar das crianças, que repetem os mesmos movimentos que ele um dia tropeçou, que reencontra o menino escondido, o medo inicial, o desejo puro.

Seu maior sonho? Dançar até onde o corpo permitir, e depois seguir em sala de aula, ensinando a próxima geração a não desistir. “Quero que meus alunos sejam competentes no que escolherem para suas vidas. Que vivam com paixão, com coragem”.
E aos que desejam seguir a dança, deixa um conselho que é quase um sussurro de quem viveu intensamente cada obstáculo:
“A leveza da dança esconde um trabalho intenso. Não é fácil. Mas quem entrega tudo, recebe em dobro. Repita. Caia. Recomece. Só conquista quem se entrega por inteiro”.
E ao se despedir, entre o barulho das sapatilhas e o cheiro do suor de sala de ensaio, ele sorri, não de quem chegou ao fim, mas de quem sabe que seu segundo ato, o mais importante, só está começando.



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