Entre desejo e o desgaste: os riscos da romantização do OnlyFans
- Gabrielli Schunski

- 26 de abr.
- 4 min de leitura
Atualizado: 29 de abr.
Depois da fama digital e da superexposição, ex-criadores contam como lidam com os rastros deixados pela plataforma

Na vitrine digital, o brilho das cifras e da pele à mostra seduz. Perfis impecáveis prometem liberdade, independência financeira e autonomia. O OnlyFans virou sinônimo de empoderamento moderno, um palco. Mas, onde há espetáculo, também existem bastidores.
Por trás das imagens editadas, dos vídeos sugestivos e das legendas confiantes, existem pessoas reais lidando com dilemas invisíveis: ansiedade, assédio, instabilidade financeira e uma constante luta por validação.
A plataforma, que nasceu como espaço para criadores independentes, virou um símbolo de ascensão rápida - e, com isso, passou a ser romantizada. Dinheiro fácil é um dos principais atrativos do novo “modelo de negócio”, que, em 2023, tinha mais de 4,1 milhões de criadores de conteúdo cadastrados.
Essa foi a proposta que seduziu Pedro (nome fictício), que, durante a pandemia em 2020, estava equilibrando as contas e decidiu dar uma chance para a plataforma. “Eu conhecia a plataforma meio por cima, mas não sabia como funcionava. De início, eu e minha esposa não começamos com o OnlyFans, a gente começou com o Câmera Privê. E, após algum tempo, a gente migrou. Quem trabalha com conteúdo adulto nunca fica somente em uma plataforma, sempre tem várias para diversificar os ganhos, né?”, declara o rapaz, que hoje atua em um emprego formal.
As expectativas de ganho eram altas. A ideia de criar conteúdo foi sugerida por uma conhecida do casal e, logo no começo, os novos criadores faturaram quase R$ 14 mil. “Acredito que o retorno foi até interessante, porém, é aquela coisa, né? Você ganha de um lado e perde muito do outro também”, analisa Pedro.
Quase 500 km de distância dali, Clayton (nome fictício) também experimentava a adrenalina de posar para as câmeras. Cada flash era uma explosão diferente de liberdade - ou era o que pensava sentir. O início de sua curta carreira na plataforma foi motivado pela exposição e pelo sabor das emoções. “Fui movido pela safadeza mesmo, ganhar dinheiro era um adendo”, diz o homem, se deliciando com as lembranças.
Pedidos, pressão e flexibilização dos limites
A princípio, tudo parecia simples: gravar vídeos, atrair assinantes e transformar a intimidade em fonte de renda. Mas, com o tempo, as exigências da audiência se tornam maiores e os limites, mais flexíveis. “Tem os pedidos inusitados e, quando a gente depende dos clientes para poder ter uma grana, para conseguir ter retorno financeiro, a gente acaba cedendo a algumas coisas que até não faríamos. Você fica ali meio que refém da necessidade de fazer aquilo para poder ter um retorno financeiro”, relata Pedro, com um olhar distante.
O glamour exibido por criadores de conteúdo nas plataformas esconde um mercado que depende da performance constante e da sexualização como estratégia de sobrevivência. “No começo é divertido, mas depois você começa a se sentir cobrado por algo que nem sempre quer oferecer”, explica Clayton.
A pressão para manter relevância e engajamento frequentemente leva os criadores a ultrapassarem seus próprios limites - físicos, emocionais e éticos. “O trabalho consome a sua energia. As pessoas acham que você é um objeto e te tratam de forma ruim, pensam que, se estão pagando, você tem que fazer”, relembra Pedro.
A psicóloga Rafaela Matos explica que a romantização do conteúdo adulto nas redes sociais ignora os efeitos emocionais profundos vivenciados por muitos criadores. “Pode ter muitos impactos, principalmente devido à exposição do corpo. Lidar com os comentários e começar a se sentir como um objeto de uso pode ter muitas consequências”, aponta.
Segundo a profissional, a idealização do OnlyFans como rota fácil para a independência financeira ignora a complexidade emocional que envolve esse tipo de trabalho. “Muitas pessoas escolhem esse caminho por conta do dinheiro e podem, até mesmo, desviar de outra rota, como a faculdade ou outro tipo de trabalho”, explica Rafaela.
Além dos efeitos psicológicos, há o peso do estigma social. Mesmo que o conteúdo seja produzido dentro de um contexto consensual e remunerado, o julgamento externo continua sendo implacável. Pedro relembra dos julgamentos e maus olhados. “A gente sente o julgamento, observa os maus olhares e tudo mais. Entre os amigos, tinha brincadeirinhas - de mau gosto, claro”.
O desafio de seguir em frente
Seguir em frente também é um desafio. Apaixonado e determinado a enfrentar os preconceitos, Clayton deixou a plataforma. “Chegou um momento em que aquilo já não fazia mais sentido. Eu queria ser visto de outra forma, construir algo fora das câmeras e me sentir amado por quem sou. Mas as marcas da exposição permanecem, mesmo quando você desliga a luz do quarto”, confessa.
A memória da exposição e dos rastros digitais - tudo permanece orbitando como um passado que insiste em não ser apagado.
Pedro, por sua vez, encara a experiência com um olhar ambíguo. “Se pudesse voltar, eu não tomaria essa decisão, faria diferente e não teria entrado na plataforma.” Hoje, com a rotina reestruturada e um emprego formal, ele diz que prefere não falar abertamente sobre essa fase da vida. “Acho que foi um momento meio escuro, um momento difícil na minha vida”.
Para Rafaela, o desafio não está apenas em deixar a plataforma, mas em reconstruir a autoestima e as relações sociais depois da exposição. “A pessoa vai construir a própria visão sobre o corpo a partir do olhar do outro, e não a partir do próprio olhar. Às vezes, algo que você nem achava um defeito, as pessoas começam a apontar e você passa a enxergar mais aquilo. É um processo lidar com mais essa situação”, destaca a psicóloga.
No entanto, para muitos, o OnlyFans continua sendo uma das poucas alternativas em meio à precarização do trabalho, ao desemprego e às lacunas de oportunidades. O problema não está na existência da plataforma, mas no culto cego à promessa de sucesso instantâneo - um sucesso que, muitas vezes, cobra caro.
No grande palco digital, onde o brilho da exposição promete libertação, poucos enxergam o custo real dos bastidores. O OnlyFans, assim como tantas outras vitrines, não é um vilão nem um salvador - é um reflexo das brechas deixadas por uma sociedade desigual, na qual o corpo vira moeda e a validação se mede em curtidas.
Entre o desejo e o desgaste, o que permanece são as marcas invisíveis, aquelas que não aparecem na tela, mas continuam pulsando fora das câmeras.
Enquanto a sociedade seguir romantizando o sucesso instantâneo sem olhar para as estruturas que o sustentam, histórias como a de Pedro e Clayton continuarão a se repetir - não como exceções, mas como sintomas de algo muito maior.




Totalmente necessário esse tema, está de parabéns Gabi
Ótima escrita Gabi. Parabéns!!!
Parabéns pelo texto Gabi!!
Parabéns, adorei!
Muito bom. É importante refletir sobre isso!