top of page

Entre acordes: o ritmo que acalma, o som que cura

Atualizado: 20 de jun.

Musicoterapia enquanto ciência e seus impactos na saúde mental


Quando corações batem na mesma frequência | Foto: Emanuele Moreira 
Quando corações batem na mesma frequência | Foto: Emanuele Moreira 

A música faz parte do nosso dia a dia, somos seres musicais por natureza. Estudos apontam que canções se fazem presente desde a época paleolítica, momento histórico em que os primeiros humanos modernos já utilizavam, por exemplo, flautas feitas de ossos de animais e pedras para produzir um estilo de música. Esses instrumentos simples  desempenhavam papéis centrais em atividades grupais, como a caça e a agricultura. Muitos historiadores apontam ainda seu uso no caráter religioso e ritualístico em agradecimento aos deuses ou como forma de pedidos por proteção.

Muito além disso, registros antigos apontam ainda a aplicação da música no âmbito da saúde. No Egito Antigo, por exemplo, médicos-sacerdotes incluíam a terapia do canto como parte de sua prática médica diante doenças espirituais e físicas. Alguns papiros indicam que a música era vista como uma forma de cura. Na Grécia Antiga, período responsável pelo surgimento dos primeiros conceitos de notas musicais, as melodias eram consideradas fundamentais para o equilíbrio do corpo e também da alma. Filósofos discutiam sobre a arte como fator essencial à saúde da população; Pitágoras, por exemplo, apontou os sons e ritmos como poder curativo.

Com o desenvolvimento progressivo da humanidade e, principalmente, com a chegada da modernidade, a música foi um dos fatores que evoluiu de maneira ampla e contínua. Ela passou a fazer parte do dia a dia da população de maneira orgânica e mais acessível, como forma de lazer, trabalho ou como um hobbie, por exemplo. Já na área científica, seu estudo foi desenvolvido e, atualmente, passou a ser uma especialidade com formação profissional própria no âmbito da saúde. 

A psicóloga Michelle Zago explica que a música é um instrumento poderoso na influência sobre a saúde mental.

“Pode ser uma forte aliada, inclusive em tratamentos de diversas doenças, não apenas de transtornos mentais, mas doenças do corpo também. Os efeitos da música como ferramenta terapêutica podem ser impressionantes nas nossas emoções”, diz.

Com o avanço desses estudos, uma área de tratamento terapêutico conquistou espaço. Musicoterapia é o nome dado a um tipo de terapia que utiliza a música e elementos sonoros como um recurso para melhorar a qualidade de vida das pessoas, ou até mesmo, como um tratamento complementar a outros já utilizados, auxiliando na saúde mental do indivíduo. As maneiras como podem ser incluídas são diversas, desde a análise de uma letra musical até a utilização da melodia para relaxamento.

“Há evidências de melhora significativa no desenvolvimento psicomotor e nas habilidades de fala e comunicação de quem faz este tipo de acompanhamento. Logo, a música tem sido muito utilizada nos tratamentos de transtorno do neurodesenvolvimento, em geral, como TEA (Transtorno do Espectro Autista), TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade), dislexia, entre vários outros. Como auxilia nos processos cognitivos e emocionais de forma geral, é importante para todos aqueles que têm o desenvolvimento considerado atípico”, relatou a profissional. 

Quando a música entra, os sentimentos saem


A arte que transcende o corpo e encontra a alma | Foto: Emanuele Moreira
A arte que transcende o corpo e encontra a alma | Foto: Emanuele Moreira

Muitos dos indivíduos modernos utilizam a música como forma de terapia até mesmo sem saber. Com a tendência humana de ouvir músicas que combinam com o estado emocional, é natural que quando se está feliz, se escute músicas alegres e mais agitadas, já quando se encontra triste, passe a ouvir músicas melancólicas, como forma de compreender os próprios sentimentos. 

“Nem sempre consigo falar o que estou sentindo. Tem momentos em que parece que trava, que nem eu sei direito o que se passa. E é aí que a música entra. Ela fala por mim. Quando minha cabeça tá cheia, quando tudo parece difícil, é a música que me ajuda a aguentar. Ela me acalma, me entende, me segura”, contou Thaisa Moreira, uma amante de músicas e festivais.

Michelle explica que expressar através da música aquilo que muitas vezes reprimimos é um movimento importante, porque direcionamos a energia para algum lugar, sem que ela nos consuma.

“E não podemos nos esquecer do poder de relaxamento que determinadas músicas apresentam. Elas são capazes de reduzir hormônios que geram stress e promover aumento do prazer e alívio emocional. Esses momentos são extremamente importantes para a melhoria da nossa qualidade de vida”, complementa a psicóloga. 

É comprovado cientificamente o efeito que a música causa no cérebro humano, atuando sobre o sistema límbico, que é associado aos sentimentos, emoções e ao resgate das memórias. “Além disso, ela pode fazer com que os hemisférios esquerdo e direito trabalhem simultaneamente, o que simbolicamente pode significar um equilíbrio das polaridades psíquicas. No entanto, cada efeito sonoro, cada música, vai atingir uma região ou outra do cérebro de acordo com o prazer que a pessoa sente ao ouvir. Então sempre vai depender da carga afetiva que cada som tem para cada indivíduo”, explicou Michelle.

Cada música carrega em si histórias e fortes sentimentos que são potencializados no meio em que vivemos, com poder de auxiliar na conexão pessoal com o que está sendo explorado. “Vale lembrar que nosso corpo sente a música: podemos observar, por exemplo, que nossos batimentos cardíacos tendem a acompanhar as batidas da música quando há intensidade. E a intensidade a que me refiro é, principalmente, na atenção que damos à música”, disse a profissional. 

Henrique Wagmaker compartilha do sentimento que borbulha no coração de milhares de pessoas.

“Aprendi a dar valor real para a música quando entendi o poder de mudança que ela possui sob nossos sentimentos. É meio que automático a transição de humor quando uma música toca, ou então a mudança da energia do corpo e ambiente. Para mim, a música significa um suporte para controlar emoções, energias e buscar refúgio”, compartilhou. 

Serotonina compartilhada, vida renovada


Em busca de amor, paz e liberdade | Foto: Emanuele Moreira
Em busca de amor, paz e liberdade | Foto: Emanuele Moreira

Em 1965, o primeiro grande festival de música foi realizado no Brasil e ficou conhecido como “Festival da Música Popular Brasileira” (ou “Festival de MPB”). O movimento hippie e o desejo de promover paz, amor e liberdade através da música foi o impulsor do desenvolvimento de shows no país. A partir de então, os festivais se estenderam a diversos estilos musicais, preenchendo as mais diferentes cidades brasileiras com cultura, diversidade e transcendendo fronteiras. 

Hoje, eles reúnem milhares de pessoas que, sem ao menos se conhecer, presenciam e compartilham do mesmo sentimento: um misto de amor, euforia, felicidade e compreensão. Em um local lotado de desconhecidos, um único gosto em comum faz com que, por um breve momento da vida, se conectem, mesmo que nunca mais se reencontrem. 

“Ir a um show não é só ver uma apresentação. É viver de perto algo que já me ajudou tantas vezes de longe. É chorar, sorrir, cantar junto, sentir que tudo aquilo fez parte da minha história. É um tipo de cura”, confidenciou Thaisa.

Já para Henrique, a vivência poderia ser resumida em energia.

“Significa viver experiências das quais eu gostaria que todo mundo pudesse viver e sentir. Cada show é uma bagagem, um sentimento e uma sensação. Ir a shows significa esperar que os próximos dias após o espetáculo sejam produtivos e energizantes. É como se a energia fosse recarregada”. 

Mas e o dinheiro gasto? Para Jéssica Rodrigues, é investimento. “Ir a um show me faz sair um pouco da realidade do dia a dia, muitas pessoas julgam: ‘Mas, você está gastando dinheiro com isso?’ Sim, eu estou gastando dinheiro com um momento incrível que certamente eu nunca esquecerei”, confidenciou. 

A psicóloga Michelle define o festival como o poder do coletivo manifestado.

“Ao se reunir com um grupo com o mesmo objetivo, de apreciar as mesmas músicas e até mesmo produzir, através do cantar, bater palmas ou batucar, pode gerar sentimentos de pertencimento, acolhimento e promover diversos estados mentais”.

              Thaisa em casa, mesmo que em outra cidade | Foto: Thaisa Moreira
              Thaisa em casa, mesmo que em outra cidade | Foto: Thaisa Moreira

“O que eu mais gosto em um show é poder me conectar com pessoas que sentem o mesmo que eu. Gente que entende o quanto aquele momento é especial. É incrível olhar para o lado e ver todo mundo sentindo junto. É como liberar tudo o que a gente guarda no dia a dia, na correria. Aquela empolgação, aquela alegria que às vezes a gente até esquece que existe. No show, tudo isso vem à tona. É um momento de viver de verdade”, lembra Thaisa. 


Avanço na música, avanço na saúde 


Podemos inserir as canções em nossa rotina de diversas formas. A maneira com que elas contribuem com a nossa saúde mental é impressionante e deve ser utilizada de maneira positiva. Independente se é possível ou não ir a um grande festival, o que importa é ouvir os acordes que acalmam, o som que cura. Em casa, na rua, talvez no trabalho, os ritmos acompanham a rotina turbulenta e tranquilizam pensamentos agitados. Quando a tristeza invadir, talvez um mar de letras melancólicas seja o responsável por ajudar a compreendê-la, levando-a com a maré; quando a felicidade transborda e parece não caber mais no peito, talvez sejam os ritmos frenéticos das melodias que irão tirá-los para dançar. 

Sem preconceitos ou limitações, os diversos estilos musicais existentes estão à disposição dos ouvintes. Não importa se está em alta ou não, se há quem critique ou não, ou o quão diferente possa ser, se as notas tocam a alma, é nesse momento em que a arte vira vida.




5 Comments


Arrasou Manu, a musica é apaixonante e isto esta muito bem contato por ti através deste deste texto, meus parabéns 👏👏

Like

👏👏

Like

Parabéns pela reportagem, amiga. A sua paixão pela música pulsa entre as linhas do seu texto. A forma como estrutura as informações é semelhante ao movimento diligente de um trem-bala rumo ao seu destino: você guia os passageiros (leitores) por lugares (universos) até então desconhecidos ao longo de uma viagem (matéria) cativante. Digo isso porque li seu texto sem perceber os segundos passarem. É incrível saber que a música tem poder curativo, além de ser uma ótima companhia em todos os momentos. Ansioso para conferir outras produções suas! ❤️

Edited
Like
Replying to

Obrigada! Fico feliz demais que tenha gostado e em saber que o meu intuito foi conquistado com sucesso ao escrever essa reportagem <3

Like

👏🏻👏🏻👏🏻

Like
  • Instagram
  • TikTok

Produzido pelos acadêmicos do 5º período do curso de Jornalismo do Centro Universitário FAG, na disciplina de Webjornalismo, sob orientação do professor Alcemar Araújo.

©2025 - Agência Abre Aspas - Todos os Direitos Reservados

bottom of page