A voz do jogo: como é ser narrador de e-sports
- Kauã Felipe
- há 4 dias
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Atualizado: há 2 dias
Os narradores chegam ao mundo dos esportes eletrônicos em busca de espaço e reconhecimento

Narrar uma história é uma das mais belas artes que um esporte pode ter. Qualquer que seja a modalidade, há sempre uma voz no fundo contextualizando quem vê o espetáculo de tudo o que ele precisa saber. Explorar a realidade daqueles que vivem atrás do microfone e viver momentos marcantes através deles parecia algo que apenas os mais populares e clássicos esportes poderiam oferecer. No entanto, uma nova onda de narradores mergulharam em um novo universo que promete trazer toda a emoção para o mundo digital: os esportes eletrônicos.
“Eu lembro bem, muito bem. Eram 11 mil pessoas gritando na sua cabeça, vibrando com cada jogada e torcendo como loucos. Eu nunca vi algo parecido na minha vida”, relata Diniz Albieri.
Há 10 anos, ele trabalha com narração profissional e todo o fim de semana prepara a voz para narrar histórias incríveis e jogos decisivos. Entre eles, o dia 7 de setembro de 2024 foi um dia mais que especial. Ele conta que se emocionou quando ouviu o ginásio inteiro dizer o seu bordão. Você pode pensar que estou falando de qualquer esporte tradicional, ou de qualquer narrador esportivo. Engana-se aquele que ainda desconhece a força e o tamanho de uma nova forma de esporte que cresce a cada ano e cativa os jovens. Eles são os esportes eletônicos. A propósito, Diniz prefere ser chamado de “Gruntar”, seu nickname (apelido de jogo).
O pontapé inicial dos esportes eletrônicos
“Ele (o apelido) surgiu ainda na época do DoTa (risos…)”, conta Gruntar.
DoTa, febre nos anos 2000, é um MOBA, modo de jogo onde duas equipes de cinco jogadores se enfrentam em um mapa fechado. Nesse modo, o objetivo das duas é destruir a estrutura-mãe da base inimiga. Defense of the Ancients, nome completo do jogo, foi primeiramente lançado como uma modificação para o Warcraft 3.
Com o tempo, o jogo começou a ficar extremamente popular em vários países da Ásia, Europa e nos Estados Unidos. Com cada vez mais jogadores, vários campeonatos começaram a surgir, oferecendo premiações em dinheiro e, assim, dando início ao esporte eletrônico, como algo amador e que não passava de um hobby daqueles que jogavam. Apesar da febre global, o DoTa não se popularizou em grande escala no Brasil por conta de um fortíssimo concorrente: o clássico Counter Strike 1.6, febre nas lan-houses e um dos grandes responsáveis pelo surgimento das primeiras organizações de esportes eletrônicos nacionais. Foi com o Counter Strike que o Brasil ganhou seu primeiro título mundial nos esportes eletrônicos, quando a Made In Brazil (MIBR) venceu a Eletronic Esports World Cup em 2006. A premiação do torneio já era grande para a época: US$42 mil.
Raul “Raules” Meirelles, comentarista e ex-jogador profissional, destaca que os jogos DoTa e CS foram os responsáveis pelo tamanho que têm os jogos eletrônicos hoje em dia.
“Era bem difícil para a gente. Quando a galera ia antigamente era todo mundo sem recursos. Fizeram vaquinha para poder ir jogar lá fora, tinham equipamentos muito defasados comparados aos oponentes de outros cantos do mundo e a maioria das viagens e condições de estadia nos locais eram brutais e, mesmo assim, conseguimos fazer história”, conta.
Os anos passaram e vários jogos se popularizaram. Várias lendas e vários jogadores passaram por eles e marcaram seu tempo. E todos ajudaram no impulsionamento das modalidades. No primeiro mundial de League of Legends, realizado em 2011 na Suécia, pouco mais de 7.500 pessoas online e 150 presencialmente viram a vitória da equipe britânica Fnatic sobre a francesa All The Authority no começo da era dos campeonatos mundiais. Pouco esperavam que, doze anos depois, em 2023, mais de 6 milhões de pessoas viriam, simultaneamente, à vitória da sul-coreana T1 jogando em casa contra a chinesa Weibo Gaming na final do mesmo campeonato.
Os prêmios também cresceram com o tempo. No The International, campeonato mundial de DoTa 2, a premiação chega a casa dos US$40 milhões. Mais do que um sucesso de público, os e-sports se tornaram um fenômeno comercial e publicitário, fazendo o espaço ficar atrativo para cada vez mais equipes entrarem. A produtora de jogos e organizadora de campeonatos, Riot Games, pede R$15 milhões para que uma equipe participe da Liga das Américas - Sul, por exemplo.

“Eu lembro bem que quando eu comecei a jogar, eu pulava o muro da lan house pra entrar sem pagar e jogar com a galera ali” diz em tom irônico André “Manajj” Rocha, que fez parte de uma das maiores formações da história do e-sports, contando com títulos do Intel Masters 2013 e 2014.
Ele ficou por 5 anos na CNB, uma organização que participou dos primórdios do cenário competitivo e que hoje foca em desenvolver talentos para o cenário profissional de diversos jogos
“Acho que hoje em dia é mais fácil chegar lá, é mais prático. [Jogadores] recebem cifras milionárias e eu ganhava um salário mínimo”, desabafa “Manajj”, retratando a discrepância entre as épocas.
Apesar de tempos mais fartos para o esporte eletrônico, a diferença de salários entre regiões é grande, fazendo o Brasil perder suas maiores estrelas para organizações internacionais, que oferecem, além do ganho financeiro, tecnologias e profissionais dedicados para cada jogador
“Lá na Coreia (do Sul), tem um preparador e dois técnicos para cada jogador, coisa que aqui ainda é muito distante”, ressalta André.
O começo e consagração de Gruntar
A história dos narradores também se confunde com a dos próprios esportes eletrônicos. A figura do Caster, que é como os narradores são chamados no meio, também teve que lutar para conquistar espaço. Diniz Albieri, o Gruntar, começou narrando o Circuito Desafiante, uma “segunda divisão” do competitivo nacional de League of Legends.
“Era um estúdio apertado, sem ar-condicionado e com só um ventilador para mim e o comentarista. Toda hora caia a internet, a gente às vezes tinha que improvisar quase 40 minutos sem imagens para entreter o espectador”, lembra Gruntar, que chegou a transmitir jogos até às 3 horas da madrugada.
Com o passar dos anos, Diniz subiu para a equipe principal de transmissão da categoria, onde permanece até hoje.
Gruntar teve a maior realização de sua vida pelo que era considerado “brincadeira de criança”. Onze mil pessoas compareceram ao Ginásio do Mineirinho, em Belo Horizonte, onde viram a grande vitória da Pain Gaming sobre a Vivo Keyd Stars. A história era incrível: A Pain vinha de 5 vice-campeonatos seguidos e um grito de campeão entalado, querendo sair. A chegada do atirador Alexandre “TitaN” Lima e do suporte coreano Choi “Kuri” Won-Yeong garantiu aos tradicionais mais uma taça, a quarta em sua história. A equipe também atingiu o feito histórico quando, com mais 1 milhão de espectadores simultâneos, venceu a mexicana Rainbow 7 e se classificou para a fase suíça do Campeonato Mundial de League of Legends, após 8 anos de ausência das equipes brasileiras.
“São momentos que eu me orgulho muito de ter feito parte e que para sempre vão estar guardados com muito carinho e alegria na memória”, diz Gruntar, que tem a foto desse dia histórico guardada em sua prateleira.
Kauã que texto incrível, eu gostei demais pois narração de jogos sempre me encantaram de certa forma, sou muito fã deste trabalho realizado por narradores de e-sports, pois além de assistir gosto de jogar, meus parabéns meu nobre trabalho bem feito esta sua reportagem!
Muito interessante! adorei
Kauã, que trabalho incrível! O seu texto é envolvente, bem estruturado e mostra um domínio admirável sobre o universo dos e-sports. Você fez mais do que uma reportagem: construiu uma narrativa apaixonada e informativa, que valoriza uma geração de profissionais que vêm conquistando, com talento e persistência, o seu espaço. A escolha das fontes, o resgate histórico dos jogos, a construção dos personagens e o ritmo da escrita tornam a leitura leve e ao mesmo tempo impactante. É jornalismo com pegada, com propósito — e, acima de tudo, com escuta. Você não só falou sobre os narradores, como deu voz a eles. Isso é precioso. Parabéns pelo olhar atento, pela pesquisa e pelo respeito ao tema.
Muito bom! Parabéns!
Parabéns pelo texto Kauã!👏