top of page

A voz do jogo: como é ser narrador de e-sports

Atualizado: há 2 dias

Os narradores chegam ao mundo dos esportes eletrônicos em busca de espaço e reconhecimento


A profissão vem sendo cada vez mais reconhecida no mundo digital | Foto: Freepik (via DailyMail)
A profissão vem sendo cada vez mais reconhecida no mundo digital | Foto: Freepik (via DailyMail)

Narrar uma história é uma das mais belas artes que um esporte pode ter. Qualquer que seja a modalidade, há sempre uma voz no fundo contextualizando quem vê o espetáculo de tudo o que ele precisa saber. Explorar a realidade daqueles que vivem atrás do microfone e viver momentos marcantes através deles parecia algo que apenas os mais populares e clássicos esportes poderiam oferecer. No entanto, uma nova onda de narradores mergulharam em um novo universo que promete trazer toda a emoção para o mundo digital: os esportes eletrônicos.

“Eu lembro bem, muito bem. Eram 11 mil pessoas gritando na sua cabeça, vibrando com cada jogada e torcendo como loucos. Eu nunca vi algo parecido na minha vida”, relata Diniz Albieri. 

Há 10 anos, ele trabalha com narração profissional e todo o fim de semana prepara a voz para narrar histórias incríveis e jogos decisivos. Entre eles, o dia 7 de setembro de 2024 foi um dia mais que especial. Ele conta que se emocionou quando ouviu o ginásio inteiro dizer o seu bordão. Você pode pensar que estou falando de qualquer esporte tradicional, ou de qualquer narrador esportivo. Engana-se aquele que ainda desconhece a força e o tamanho de uma nova forma de esporte que cresce a cada ano e cativa os jovens. Eles são os esportes eletônicos. A propósito, Diniz prefere ser chamado de “Gruntar”, seu nickname (apelido de jogo). 


O pontapé inicial dos esportes eletrônicos


“Ele (o apelido) surgiu ainda na época do DoTa (risos…)”, conta Gruntar.

DoTa, febre nos anos 2000, é um MOBA, modo de jogo onde duas equipes de cinco jogadores se enfrentam em um mapa fechado. Nesse modo, o objetivo das duas é destruir a estrutura-mãe da base inimiga. Defense of the Ancients, nome completo do jogo, foi primeiramente lançado como uma modificação para o Warcraft 3

Com o tempo, o jogo começou a ficar extremamente popular em vários países da Ásia, Europa e nos Estados Unidos. Com cada vez mais jogadores, vários campeonatos começaram a surgir, oferecendo premiações em dinheiro e, assim, dando início ao esporte eletrônico, como algo amador e que não passava de um hobby daqueles que jogavam. Apesar da febre global, o DoTa não se popularizou em grande escala no Brasil por conta de um fortíssimo concorrente: o clássico Counter Strike 1.6, febre nas lan-houses e um dos grandes responsáveis pelo surgimento das primeiras organizações de esportes eletrônicos nacionais. Foi com o Counter Strike que o Brasil ganhou seu primeiro título mundial nos esportes eletrônicos, quando a Made In Brazil (MIBR) venceu a Eletronic Esports World Cup em 2006. A premiação do torneio já era grande para a época: US$42 mil

Raul “Raules” Meirelles, comentarista e ex-jogador profissional, destaca que os jogos DoTa e CS foram os responsáveis pelo tamanho que têm os jogos eletrônicos hoje em dia.

“Era bem difícil para a gente. Quando a galera ia antigamente era todo mundo sem recursos. Fizeram vaquinha para poder ir jogar lá fora, tinham equipamentos muito defasados comparados aos oponentes de outros cantos do mundo e a maioria das viagens e condições de estadia nos locais eram brutais e, mesmo assim, conseguimos fazer história”, conta. 

Os anos passaram e vários jogos se popularizaram. Várias lendas e vários jogadores passaram por eles e marcaram seu tempo. E todos ajudaram no impulsionamento das modalidades. No primeiro mundial de League of Legends, realizado em 2011 na Suécia, pouco mais de 7.500 pessoas online e 150 presencialmente viram a vitória da equipe britânica Fnatic sobre a francesa All The Authority no começo da era dos campeonatos mundiais. Pouco esperavam que, doze anos depois, em 2023, mais de 6 milhões de pessoas viriam, simultaneamente, à vitória da sul-coreana T1 jogando em casa contra a chinesa Weibo Gaming na final do mesmo campeonato. 

Os prêmios também cresceram com o tempo. No The International, campeonato mundial de DoTa 2, a premiação chega a casa dos US$40 milhões. Mais do que um sucesso de público, os e-sports se tornaram um fenômeno comercial e publicitário, fazendo o espaço ficar atrativo para cada vez mais equipes entrarem. A produtora de jogos e organizadora de campeonatos, Riot Games, pede R$15 milhões para que uma equipe participe da Liga das Américas - Sul, por exemplo.


Abertura da final do Campeonato Brasileiro de League of Legends de 2024, realizada em Belo Horizonte | Foto: Bruno Alvares, Cesar Galeão & Leonardo Sang/Riot Games, via Globo Esporte
Abertura da final do Campeonato Brasileiro de League of Legends de 2024, realizada em Belo Horizonte | Foto: Bruno Alvares, Cesar Galeão & Leonardo Sang/Riot Games, via Globo Esporte
“Eu lembro bem que quando eu comecei a jogar, eu pulava o muro da lan house pra entrar sem pagar e jogar com a galera ali” diz em tom irônico André “Manajj” Rocha, que fez parte de uma das maiores formações da história do e-sports, contando com títulos do Intel Masters 2013 e 2014.

Ele ficou por 5 anos na CNB, uma organização que participou dos primórdios do cenário competitivo e que hoje foca em desenvolver talentos para o cenário profissional de diversos jogos 

“Acho que hoje em dia é mais fácil chegar lá, é mais prático. [Jogadores] recebem cifras milionárias e eu ganhava um salário mínimo”, desabafa “Manajj”, retratando a discrepância entre as épocas.

Apesar de tempos mais fartos para o esporte eletrônico, a diferença de salários entre regiões é grande, fazendo o Brasil perder suas maiores estrelas para organizações internacionais, que oferecem, além do ganho financeiro, tecnologias e profissionais dedicados para cada jogador

“Lá na Coreia (do Sul), tem um preparador e dois técnicos para cada jogador, coisa que aqui ainda é muito distante”, ressalta André.

O começo e consagração de Gruntar


A história dos narradores também se confunde com a dos próprios esportes eletrônicos. A figura do Caster, que é como os narradores são chamados no meio, também teve que lutar para conquistar espaço. Diniz Albieri, o Gruntar, começou narrando o Circuito Desafiante, uma “segunda divisão” do competitivo nacional de League of Legends. 

“Era um estúdio apertado, sem ar-condicionado e com só um ventilador para mim e o comentarista. Toda hora caia a internet, a gente às vezes tinha que improvisar quase 40 minutos sem imagens para entreter o espectador”, lembra Gruntar, que chegou a transmitir jogos até às 3 horas da madrugada.

Com o passar dos anos, Diniz subiu para a equipe principal de transmissão da categoria, onde permanece até hoje. 

Gruntar teve a maior realização de sua vida pelo que era considerado “brincadeira de criança”. Onze mil pessoas compareceram ao Ginásio do Mineirinho, em Belo Horizonte, onde viram a grande vitória da Pain Gaming sobre a Vivo Keyd Stars. A história era incrível: A Pain vinha de 5 vice-campeonatos seguidos e um grito de campeão entalado, querendo sair. A chegada do atirador Alexandre “TitaN” Lima e do suporte coreano Choi “Kuri” Won-Yeong garantiu aos tradicionais mais uma taça, a quarta em sua história. A equipe também atingiu o feito histórico quando, com mais 1 milhão de espectadores simultâneos, venceu a mexicana Rainbow 7 e se classificou para a fase suíça do Campeonato Mundial de League of Legends, após 8 anos de ausência das equipes brasileiras. 

“São momentos que eu me orgulho muito de ter feito parte e que para sempre vão estar guardados com muito carinho e alegria na memória”, diz Gruntar, que tem a foto desse dia histórico guardada em sua prateleira. 



6 Comments


Kauã que texto incrível, eu gostei demais pois narração de jogos sempre me encantaram de certa forma, sou muito fã deste trabalho realizado por narradores de e-sports, pois além de assistir gosto de jogar, meus parabéns meu nobre trabalho bem feito esta sua reportagem!

Like

Muito interessante! adorei

Like

Kauã, que trabalho incrível! O seu texto é envolvente, bem estruturado e mostra um domínio admirável sobre o universo dos e-sports. Você fez mais do que uma reportagem: construiu uma narrativa apaixonada e informativa, que valoriza uma geração de profissionais que vêm conquistando, com talento e persistência, o seu espaço. A escolha das fontes, o resgate histórico dos jogos, a construção dos personagens e o ritmo da escrita tornam a leitura leve e ao mesmo tempo impactante. É jornalismo com pegada, com propósito — e, acima de tudo, com escuta. Você não só falou sobre os narradores, como deu voz a eles. Isso é precioso. Parabéns pelo olhar atento, pela pesquisa e pelo respeito ao tema.

Like

Kah Camilo
Kah Camilo
há 3 dias

Muito bom! Parabéns!

Like

Parabéns pelo texto Kauã!👏

Like

Produzido pelos acadêmicos do 5º período do curso de Jornalismo do Centro Universitário FAG, na disciplina de Webjornalismo, sob orientação do professor Alcemar Araújo.

©2025 por Abre Aspas.

bottom of page