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Muito além do diagnóstico: a jornada de José Henrique e o poder do cuidado

Atualizado: 5 de mai.

Com amor, estímulo e acompanhamento especializado, crianças com Síndrome de Down podem alcançar uma vida plena e autônoma


José Henrique em mais uma sessão de fisioterapia com Anna Carolina Ficagna | Foto: Emanuele Moreira 
José Henrique em mais uma sessão de fisioterapia com Anna Carolina Ficagna | Foto: Emanuele Moreira 

José Henrique Dalzochio Moreira nasceu em 2 de março de 2024, em Cascavel, no Oeste do Paraná. Foi registrado no cartório da cidade como o segundo filho de Milena Dalzochio e Daniel de Borba Moreira.

A gravidez foi uma surpresa, mas logo a novidade foi abraçada por toda a família. Após a descoberta, começaram os preparativos para receber o pequeno e, com eles, o acompanhamento médico padrão da mãe e do bebê.

Durante as consultas de rotina, uma alteração em um exame chamou a atenção dos médicos, como conta Milena.

“Durante a gestação, tivemos uma alteração no exame de translucência nucal, em que o limite era de 2,5 mm, e o resultado do José foi de 5,2 mm. A médica ultrassonografista nos alertou sobre a possibilidade de uma síndrome e indicou exames complementares para uma investigação mais aprofundada, caso tivéssemos interesse. Como a gravidez evoluiu bem, eu e meu esposo optamos por não investigar, pois, independentemente do resultado, nada mudaria”.

O diagnóstico da Síndrome de Down foi confirmado após o nascimento de José, por meio do exame de cariótipo - também chamado de cariograma -, que analisa os cromossomos de uma célula para identificar alterações numéricas ou estruturais.

De acordo com o Ministério da Saúde, a síndrome, também conhecida como trissomia do 21 (T21), é uma condição genética causada pela presença de três cromossomos no par 21, em vez de dois.

“Quando o José nasceu, logo percebi que ele apresentava características típicas da T21. Reconheci os traços mais comuns da síndrome. Vinte e seis dias depois, recebemos a confirmação pelo resultado do exame. Foi um misto de sensações: fiquei desesperada, culpada, perdida. Não sabia o que fazer”, recorda Milena.

Após a confirmação do diagnóstico, a família iniciou uma busca por informações e cuidados específicos.

“Aos poucos, fomos conhecendo pessoas que nos orientaram, nos encaminharam para as terapias necessárias e, principalmente, nos incentivaram a estudar sobre a síndrome”, completa a mãe.

Atualmente, a rotina de José inclui sessões de fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional. Além do acompanhamento pediátrico regular para sua idade, ele também precisa de cuidados especiais, com visitas mais frequentes a especialistas como oftalmologistas, otorrinolaringologistas e cardiologistas.

Milena destaca ainda a importância do acompanhamento com um pediatra especializado em Síndrome de Down - profissional que, infelizmente, ainda não está disponível em Cascavel.

José Henrique visitando a vovó | Foto: Milena Dalzochio
José Henrique visitando a vovó | Foto: Milena Dalzochio

A constância do trabalho em equipe: resultados e importância


A fisioterapeuta Anna Carolina Ficagna atende José duas vezes por semana. A profissional explica que crianças com SD podem começar a fisioterapia desde os primeiros dias de vida. Esse tipo de acompanhamento é essencial para contribuir no alcance da idade cronológica.

“Quando falamos de uma criança com Síndrome de Down, ela não necessariamente vai seguir o marco motor, ou seja, as atividades de posturas e movimentos, de acordo com a idade cronológica do bebê, então nós trabalhamos em cima dos marcos motores, para que a criança alcance uma maior autonomia, um desenvolvimento de acordo”, disse a profissional.

As atividades realizadas com os pacientes são específicas para cada um, priorizando um atendimento individual. Dessa forma, é possível analisar o que a criança consegue ou não fazer, quais são os focos de necessidades e por qual caminho é necessário seguir.

A profissional explica ainda que, além do desenvolvimento motor, o acompanhamento também influencia no desenvolvimento mental.

“Tem bebês que chegam na primeira sessão estranhando tudo, e quando chegam na oitava ou décima sessão já são outros bebês. Esse contato diário interfere diretamente na autonomia deles”, complementou.

Anna Carolina Ficagna explica ainda que, inicialmente, é necessário passar por uma avaliação para que se possa entender quais são as necessidades da criança.

“Uma das primeiras aquisições motoras do bebê é a sustentação de cabeça na posição prona, de barriga para baixo. Ele não fazia isso, então eu precisei iniciar desse ponto de sustentação cervical. Agora ele já conseguiu essa aquisição, já se interessa mais por brinquedos, já conseguiu vários marcos motores”, explicou a fisioterapeuta, destacando que “é trabalhoso, é lento o processo, mas é gradual. A gente percebe em cada sessão uma evolução dele, por mais pequena que seja, a gente vê essa evolução”.

A fisioterapia é apenas um dos diversos acompanhamentos recomendados, e, quanto mais alinhados eles estão, mais positivos serão os resultados. O Ministério da Saúde ressalta que os melhores resultados terapêuticos são obtidos a partir do momento em que a equipe profissional trabalha em conjunto, pois, dessa maneira, é possível discutir os avanços e novas propostas de tratamento. Além disso, ajustar o processo ao núcleo familiar aumenta a efetividade e o bem-estar.

A terapeuta ocupacional Renata Francine Ferreira, pós-graduada em Neuropediatria e Saúde Mental, explica que a terapia ocupacional é mais um desses processos fundamentais. É uma área que visa desenvolver habilidades e fortalecer as crianças, estimulando de maneira precoce habilidades primordiais para a vida diária e para a participação em atividades.

“A terapia ocupacional para crianças com Síndrome de Down pode começar logo após o nascimento, com o objetivo de desenvolver habilidades motoras, sensoriais e cognitivas. O pediatra, geralmente, já faz os encaminhamentos necessários para a terapia ser iniciada. Os planos terapêuticos são adaptados à faixa etária e ao desenvolvimento de cada criança, com foco nas necessidades específicas de cada uma”, esclareceu a terapeuta.

A profissional detalha ainda que a duração e a intensidade dependem das necessidades individuais.

“Em geral, a terapia pode continuar até que a criança atinja seus objetivos e desenvolva as habilidades necessárias para a vida diária, escolar, social”, disse.

Com a realização das sessões, é aberto um caminho para que as crianças descubram habilidades e potenciais. A terapeuta explica que, com abordagens personalizadas, elas podem se desenvolver, se expressar e viver de forma mais independente, autônoma e feliz.

“A acessibilidade da terapia ocupacional para crianças com Síndrome de Down é fundamental para seu desenvolvimento integral. No entanto, existem alguns desafios, como acesso limitado, custo elevado e listas de espera que podem atrasar o contato com o tratamento. Os primeiros anos de vida são cruciais na intervenção precoce e na evolução da criança”, concluiu Renata Francine.

Desigualdades e desafios de pessoas com Síndrome de Down no Brasil


Segundo o relatório de 2024 da Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, cerca de 18,5 milhões de brasileiros têm algum tipo de deficiência, ou seja, 9,1% da população. Desse número, 29% correspondem a uma deficiência intelectual. Os dados apontam ainda que 19,5% dessas pessoas estão incluídas na taxa de analfabetismo, 10,23% fazem parte da taxa de pobreza e 5,0% vivem em extrema pobreza (ou em outra condição, como situação de rua e abandono).

A partir da análise de todos os níveis de instrução, setores de atividade e regiões geográficas, a Secretaria conclui que pessoas com deficiência recebem 31,2% a menos do que o rendimento médio das pessoas sem deficiência. Além disso, fatores como sexo, raça e escolaridade agravam o cenário. Os dados apontam que mulheres com deficiência recebem 28% a menos do que homens com deficiência e 34% a menos do que mulheres sem deficiência.

O artigo 27 do Estatuto da Pessoa com Deficiência determina que o sistema educacional inclusivo é um direito em todos os níveis e contempla o aprendizado ao longo da vida, visando ao alcance máximo de desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem. Apesar disso, o Censo Escolar indica que 34% das escolas no Brasil não possuem qualquer recurso de acessibilidade.

No Brasil, a Federação Nacional das Apaes é uma organização social sem fins lucrativos que se tornou a maior rede de defesa e garantia de direitos das pessoas com deficiência intelectual e deficiência múltipla da América Latina. O movimento, conhecido como apaeano, foi fundado em 1954, no Rio de Janeiro, por um grupo pioneiro de pais e profissionais motivados pela urgência de garantir o direito à educação, à saúde e à vida comunitária para pessoas com deficiência intelectual. Em 2022, a rede alcançou mais de 23 milhões de atendimentos e atendeu mais de 1,6 milhão de pessoas em mais de 2.255 unidades espalhadas por todo o país.

José é uma das pessoas que fazem parte da Apae. Começou a frequentar o local em fevereiro de 2025, onde realiza estimulação pedagógica duas vezes por semana, no período da tarde. Além disso, recentemente, começou também a frequentar um dos Cmeis de Cascavel, onde tem aulas todas as manhãs.


Família: o pilar essencial de amor e confiança


A avó de José, Cladir de Borba Moreira, diz compreender que o neto tem privilégio ao possuir acesso aos médicos e cuidados de que precisa sem grandes empecilhos.

“Ele está se desenvolvendo bem, tem uma mãe muito ativa e atenta, que corre atrás, faz tudo que está ao alcance e é necessário para ele”, relatou a avó.

José é mais uma criança em meio a milhões no mundo, mas, para a família, ele é tudo. Sua história mostra que, com rede, respeito e acolhimento, a diferença não é limite: é potência. Dentro de seu lar, cada engatinhar, cada risada, cada semblante feliz enche de alegria o coração daqueles que acompanham a vida do pequeno e fazem de tudo para que seu futuro seja brilhante e eterno para todos que o conhecem e ainda irão conhecer.


Família esperando ansiosamente a chegada de José Henrique | Foto: Milena Dalzochio
Família esperando ansiosamente a chegada de José Henrique | Foto: Milena Dalzochio

A terapeuta Renata Francine conclui que já passou da hora de desmistificar preconceitos.

“Pessoas com Síndrome de Down são capazes de aprender, crescer e se desenvolver de maneira incrível. Com estímulos, apoio, recursos certos e muito amor, elas podem conquistar seus objetivos, construir relacionamentos significativos e viver uma vida plena e feliz. Cada uma delas é única, com talentos e habilidades especiais que merecem ser reconhecidos e valorizados. A participação da família é fundamental para o sucesso do tratamento, fornecendo suporte emocional, garantindo continuidade, promovendo comunicação eficaz e levando a resultados mais eficazes”.

Além de cuidados médicos e educação de qualidade, há algo de que não só crianças com Síndrome de Down precisam, mas todos os pequenos que vieram ao mundo: amor e acolhimento.

“Acredito que ele vai ser uma criança muito feliz e muito amada. O que queremos para todo ser humano, independentemente das suas diferenças, é que todos sejam amados”, completou a avó.




5 Comments


Adorei o texto! Linda família!

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Lindo texto manu!❤️

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Emanuele, que reportagem linda, necessária e cheia de humanidade. Você nos entrega informação e uma aula de sensibilidade, empatia e jornalismo social. A história do José Henrique, contada com tanto afeto e responsabilidade, ilumina caminhos possíveis para uma sociedade mais inclusiva - onde diferenças não são barreiras, mas pontes. A delicadeza com que você entrelaça dados, depoimentos e emoções transforma o texto em um manifesto pelo direito de todas as crianças viverem com dignidade, respeito e amor. Mais do que narrar uma trajetória, você dá voz a quem muitas vezes é invisibilizado. E faz isso com brilho, escuta e entrega. Parabéns por esse trabalho que toca, transforma e inspira.

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Muito bom. Parabéns pelo trabalho!

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🥹🥹

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Produzido pelos acadêmicos do 5º período do curso de Jornalismo do Centro Universitário FAG, na disciplina de Webjornalismo, sob orientação do professor Alcemar Araújo.

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