Pedidos que ajudam a moldar caminhos
- Kariny Camilo
- 5 de jul.
- 5 min de leitura
Comunicação de Luiz e Enzo não é tradicional, mas, com atitudes inspiradoras, eles revelam que a inclusão se faz com presença, persistência e voz ativa

“Você acha que Cascavel é uma cidade inclusiva?”. Com um gesto de apertar a mão, o primogênito respondia que “sim” para a pergunta da mãe.
Ele – Luiz Felipe Basso, 20 anos de idade – estava de um lado e acompanhava atentamente a conversa. Enquanto do outro, estava o caçula – Enzo Riccieri Basso, 17 anos – querendo participar do papo. Enzo também respondeu a pergunta, mas com um sinal um pouco diferente, assim como a sua resposta. Deu batidinhas na mão de Amanda, que queria dizer “mais ou menos”.
O assunto surgiu depois de um diálogo que passou por muitas camadas. Os dois irmãos têm distrofia muscular, por isso, utilizam cadeiras de rodas e não executam alguns movimentos. Assim, muita coisa precisa ser adaptada na rotina dos dois. A todo momento eu me questionava se o ambiente em que vivemos está acessível para atender as necessidades de todas as pessoas, mas, em poucos minutos de conversa, pude perceber que estava frente a frente com vozes que jamais ficariam caladas vivendo onde não há inclusão.
Apesar de não conseguirem falar da forma que a maioria das pessoas falam, eles não deixam de se comunicar. Uma pasta repleta de desenhos, palavras e frases está sempre à disposição dos dois, para que possam apontar o que querem dizer.
“Aqui não tem tudo, porque não é uma cópia do pensamento, mas ela é interpretativa. Na primeira página tem mais uma conversa inicial, eles se apresentando, o que mais gostam de fazer, onde trabalham, falando um pouco sobre eles. Aí tem uma página só de perguntas… A gente foi construindo conforme a necessidade, sabe”, explicou Amanda.

Além da pasta, cada um também tem um tablet. Nele, eles clicam nos ícones que representam o que querem falar, e a assistente virtual verbaliza a frase. Quando mencionei que queria conhecê-los melhor, a primeira coisa que o Enzo disse foi: “Eu amo viajar, conhecer culturas e pessoas”. Em seguida, começou a contar, repleto de orgulho:
“Participo de uma pesquisa da cura da distrofia”. Entre pausas, ele continuou mencionando que, desde 2016, a família participa de conferências médicas, onde os rumos dessas pesquisas vão sendo atualizados.
A mãe explicou que, como eles têm falta de produção de uma proteína, uma Universidade de Iowa City, nos Estados Unidos, está tentando encontrar uma proteína sintética para esse tipo de distrofia muscular.
Essa busca começou em 2008 e, hoje, os testes já estão sendo realizados em humanos. Contudo, eles ainda não participam desse processo. “A gente vai pra lá, aí eles fazem consulta, tiram sangue, fazem exames, entrevistas com enfermeiras, com fisioterapeutas…”, contou a mulher.
“Sou católico, sou acólito na igreja”
Nesse dia, o Enzo estava bem mais falante do que o Luiz. Enquanto me contava diversas coisas, disse: “Sou católico, sou acólito na igreja”. Nesse momento, só pelo olhar, ficou evidente que o assunto faz os dois rapazes vibrarem de alegria.
“O Luiz fazia catequese, aí a catequista perguntou quem queria ser coroinha. Ele pegou a pasta e falou que queria”.
Agora Amanda conta que, quando ficou sabendo disso, seu pensamento inicial foi de rejeição. “Eu com meu preconceito instalado pensei ‘como que ele vai ser coroinha?’, mas beleza”. Ele passou pelo processo de formação e, juntamente com a coordenadora da pastoral, começaram a pensar como ele conseguiria ajudar na celebração. “Ele poderia levar a caixinha, mas precisava de um outro coroinha que o ajudasse, que conduzisse ele, para fazer o serviço dele. Aí, esse coroinha que estaria conduzindo, também estaria fazendo um serviço, que era facilitar o do Luiz”.
Deu tudo certo! Ele passou a realizar a tarefa com excelência na Catedral Nossa Senhora Aparecida. Assim, também passou a ser exemplo para o irmão, que também não hesitou em dizer “eu quero” para a catequista quando já poderia se tornar um auxiliar na igreja.
Os dois permaneceram na função até atingirem a idade limite, mas, logo surgiu a pastoral dos acólitos – que executam tarefas mais elaboradas – e eles também quiseram participar. Hoje, eles são guardiões da palavra e levam a vela na procissão de entrada.

Com o passar do tempo, algumas alterações foram feitas. No início eles faziam o serviço completo, que incluía ficar ao lado do padre durante a leitura do evangelho. Depois passaram a participar apenas da procissão. Mas o irmão mais velho nunca deixou de protestar, sempre questionando o motivo de ser daquela forma.
“Eu falo pra eles que, só de estarem lá, já é uma participação. E também falo que, às vezes, o silêncio fala muito, a presença fala muito. Hoje eles aceitam. O Enzo é mais de boa. Já o Luiz, todo fim de semana quer servir. Ele fala ‘por que não?’, ‘por que demora tanto pra chegar minha vez?’, mas isso são regras que vêm da coordenação”, contava a mãe enquanto, mesmo quietos, eles faziam parte da conversa.
“Por isso que você tem que estar nos lugares, para pedir as coisas”
Curiosa para saber se a estrutura da Catedral sempre foi acessível para a participação dos dois, questionei se a rampa que leva até o altar sempre existiu.
“Foi o Luiz que pediu”, ela me respondeu antes que eu terminasse de perguntar.

Faz apenas três ou quatro anos que o recurso existe, antes tinha só escada e era impossível que eles subissem no presbitério. “Com a reforma, eles quebraram a escada e fizeram a rampa. Até então, eles participavam lá de baixo”.
A espera nem deveria ter existido, mas, graças a uma voz que não se cala, a estrutura foi reformulada. “O Luiz sempre pedia, aí quando foi feito ele agradeceu, fez uma fala lá na frente”, contou a mãe, com orgulho.
Não foi só lá que os pedidos geraram resultados. O salão de festas da igreja agora também conta com um elevador para acesso. Além disso, Amanda contou que, no colégio que Luiz estudava, não era possível acessar o ginásio de esportes com cadeira de rodas. Desde o sexto ano, o rapaz pedia uma rampa que levasse até o local. “Ele passou o ensino fundamental e o ensino médio inteiro sem entrar no ginásio”.
Luiz pediu muito pelo recurso e, quando ele saiu do colégio, a rampa ficou pronta. Uma demora tão grande que nem permitiu que ele desfrutasse da construção. “Pelo menos o Enzo usou a rampa”, disse a mãe.
Mas apesar das melhorias serem em passos lentos, a família ainda considera a cidade acessível, principalmente quando comparada a outras localidades. “É claro que, no geral, ainda existe um caminho a ser percorrido, mas olha, eles estão na faculdade!”. Os dois fizeram vestibular e estão estudando na Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). O Luiz está no curso de Administração e o Enzo, em Geografia. “Eu falo com uma amiga que mora nos Estados Unidos e ela fala que, o que a gente tem aqui, lá não existe. A gente tem bastante apoio”.
Muitas melhorias existentes hoje são os frutos das cobranças vindas de pessoas que, como o Luiz, não se calam. Essas vozes precisam ecoar e precisam estar presentes na sociedade, afinal, como a própria Amanda disse para o filho mais velho: “Você tem que estar nos lugares, para pedir as coisas”.
texto super necessário! você foi impecável em cada palava e na escolha de pauta. Sempre nos enchendo de orgulho!