Abandono infantil: a dor que Walter aprendeu a transformar em amor
- Joysse Bevilaqua
- 5 de jun.
- 5 min de leitura
Atualizado: 6 de jun.
Após sofrer com o abandono, cascavelense transforma dor em amor - um exemplo de esperança para outras crianças

A tarde era fria, o sol tímido nas calçadas, e as árvores balançavam com um vento leve. Em uma casa simples, paredes claras e um portão de ferro que range ao abrir, fui recebida por Luck, o animal de estimação. Walter, com 47 anos e um sorriso acolhedor, estava na porta. Me ofereceu café, pediu desculpas pela bagunça - mesmo com tudo em ordem - e, ao sentarmos no sofá marrom da sala, começou a abrir sua história como quem folheia um álbum de memórias.
Antes de começarmos, lhe perguntei: “Quem é Walter?”. Ele, então, respondeu: “meu nome é Walter Rocco, sou agenciador de frete, ajudo pessoas a realizarem suas mudanças. Tudo começou em 1977, na cidade de Goioerê. Eu ainda nem tinha completado um ano quando fui entregue à família que me adotou”.
Walter foi entregue para uma família adotiva ainda bebê. Foi com ela que passou toda a sua infância, cercado de carinho e muito afeto.
Apesar do acolhimento, carregava dentro de si uma esperança de que, algum dia, sua família biológica viria procurá-lo. A cada aniversário, a cada mudança de estação, ele esperava por esse reencontro que nunca acontecia.
Mas os anos foram passando, e Walter cresceu levando consigo as lembranças, as perguntas sem resposta e a ausência daqueles que nunca vieram.
Com sete anos de idade, ele descobriu uma verdade que mudou completamente seu olhar sobre o passado. Até então, acreditava que havia sido entregue à família acolhedora por sua mãe biológica. No entanto, foi nessa mesma idade que soube que quem havia lhe entregado para uma família adotiva tinha sido sua avó materna. Ao contar sobre sua história, Walter se emociona.
Essa revelação trouxe consigo inúmeros sentimentos. “Depois de muitos anos, fiquei sabendo que ela queria de volta, mas a família que me adotou não permitiu”, comentou com um tom de angústia.
A sua mãe, tomada pelo arrependimento, desejava voltar atrás da decisão da sua responsável e tê-lo de volta sob seus cuidados. Queria, talvez, recuperar o tempo perdido ou, quem sabe, refazer os laços que haviam sido rompidos tão cedo.
Estava em busca apenas de uma segunda chance - que seria quase impossível. Porém, a família adotiva que o acolheu não aceitou. Para eles, Walter já não era uma criança adotada, ele tinha se tornado um filho. Tinha crescido em um lar rodeado por carinho, construído um laço forte com essa nova família. Ele tinha conquistado um lugar no coração de cada um deles. “Me devolver para a família biológica, eu acho que seria como arrancar uma parte da própria família, a que me criou de verdade”.

Ao longo da conversa, Walter foi me mostrando alguns retratos antigos de sua infância. As fotos, um pouco amareladas, deixavam nítido que ele era um menino sorridente e de coração puro. Ao me mostrar uma foto de sua mãe biológica, ele contou um fato surpreendente que ocorreu em sua vida. Seu tom de voz havia mudado, como se aquele dia, aquele momento, tivesse feito o tempo parar:
“Após 40 anos, tive a oportunidade de conhecer a minha mãe de sangue, e posso dizer que foi bom”.
Seus olhos se fixaram na foto. Era impossível não sentir o peso daquela memória. Enquanto ele compartilhava sua história, foi como se, ao falar, relembrasse tudo de novo.
Mesmo com tudo isso, ele não fala com raiva. Ele parece ter transformado a dor do abandono e da rejeição em força. “Sobre a família que me adotou, sou muito grato por tudo. Sempre me trataram muito bem. Não foi culpa deles”. Walter conclui: “Nenhuma criança deveria se sentir descartável”. Com o silêncio tomando conta da sala onde estávamos.
Durante uma breve pausa, ele baixa seu olhar e conta que, ao observar seus filhos, é impossível não lembrar de si mesmo quando era criança. Com a voz rouca, diz: “Não desejo isso pra ninguém”. Ele acredita que, muitas vezes, o que uma criança mais precisa não é de presentes e promessas vazias, mas sim ser ouvida, receber carinho e ter alguém que diga: “Eu tô aqui para você”.

Ao final da conversa, Walter fez uma pausa. Seus olhos estavam cheios de lágrimas, mas com um sorriso tímido no rosto. Com a voz suave, agradeceu não apenas por ouvir, mas pela oportunidade de ter sua história transformada em palavras. Era evidente que, naquele momento, havia sido um espaço de reconhecimento, onde sua dor foi vista e sua trajetória, valorizada.
A realidade da adoção no Brasil: desafios e esperança
Muitos casos como esse são comuns no Brasil. Milhares de crianças vivem em abrigos esperando para que, um dia, uma família acolhedora possa adotá-las. Cerca de 4.700 crianças e adolescentes estão na fila, muitas delas com histórias como a de Walter Rocco. Mas o processo de adoção no país ainda é demorado e bastante burocrático, o que faz com que o número de crianças que crescem sem um lar aumente. Enquanto isso, aproximadamente 33 mil pessoas aguardam para adotar. Mas, como nos diz Walter, a realidade é que muitos preferem adotar bebês, deixando de lado as crianças que já têm uma certa idade ou que têm irmãos para adotar juntos - esquecendo que essa parte necessita de afeto e acolhimento tanto quanto as outras.
Minutos depois, ele afirma: “Como se o amor tivesse uma idade específica”, diz Walter. Com um semblante triste, complementa: “Mas o que fico mais indignado mesmo é saber que tem gente querendo adotar e criança querendo ser adotada, mas o encontro entre eles nunca acontece.” Além do mais, o processo de acolhimento é longo, cansativo e cheio de etapas. E enquanto os papéis demoram a andar, os aniversários vão passando dentro dos abrigos, as oportunidades e novas experiências vão ficando para trás. Muitas crianças completam a maioridade sem nunca terem sido chamadas de "filho" ou "filha" - uma dor irreparável na vida delas.

Para compreender melhor essa triste realidade, conversamos com Jan Carvalho, um conselheiro tutelar que atua na região de Tapejara há nove anos. Jan, com 47 anos, conhece cada história que passa por suas mãos. “De forma negativa, teve uma situação”, a fala dele ecoava, “em que a criança tinha familiares, pai e mãe, mas por eles não conseguirem entrar em um acordo, a juíza estabeleceu o acolhimento institucional da criança”. Após dizer essas palavras, um silêncio tomou conta do ambiente.
Com o olhar firme e acolhedor, aponta: “Procuro não julgar. Penso que há mães que, apesar de amarem seus filhos, falham em assumir a maternidade e a responsabilidade que ela exige”, ressalta o conselheiro.
Jan apontou que não é só de maneira negativa que é composto um conselho tutelar. “De forma positiva, houve uma situação em que seis crianças foram institucionalizadas e, após dois anos, aconteceu uma mudança extremamente drástica por parte da genitora e seu contexto familiar, e todos foram reintegrados”, completa, dizendo ainda que “atualmente, faz um ano e meio. É o tipo de atendimento que nos faz ter esperança”.
A mudança começa com pequenas ações, como escutar e dar uma chance a essas crianças e jovens. No fundo, a mensagem que fica de Walter Rocco e Jan Carvalho é:
o abandono não é apenas físico, mas emocional - e está na hora de reescrever essas histórias com empatia e determinação.
História muito emocionante!
Que história emocionante do Walter. Que bom que, mesmo com a dor do abandono, ele teve a felicidade de encontrar amor em uma nova família. Parabéns pelo texto, Joysse!
ótimo texto!
Parabéns pelo texto!
👏👏👏