Negligência médica: erros que duram a vida toda
- Emily Scheibe
- há 6 dias
- 4 min de leitura
Atualizado: há 5 dias
Histórias reais de quem sofreu na pele seus efeitos colateriais

Quanto pode custar um erro médico? Ou melhor: quantas vidas podem ser afetadas por uma única falha?
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 2,6 milhões de pessoas morrem todos os anos em decorrência de erros médicos evitáveis. No Brasil, dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que, só em 2023, foram registradas aproximadamente 565 mil ações judiciais relacionadas à saúde.
Esses números, no entanto, escondem histórias reais de sofrimento. Uma delas é a de Andriely Thais Bueno de Souza, 38 anos, ou simplesmente Andri, como prefere ser chamada. Desde 2017, ela carrega no corpo - e na mente - as consequências de um episódio de negligência médica.
Uma vida interrompida
Andriely nasceu com luxação congênita de quadril - condição em que a cabeça do fêmur nasce fora do encaixe da bacia. Ainda bebê, tentou tratamento, mas, aos 25 anos, em 2012, precisou se submeter a uma cirurgia para a colocação de uma prótese. A operação foi um sucesso: ela levou uma vida ativa, teve mais duas filhas, praticava esportes e trabalhava normalmente.
No final de 2017, entretanto, uma dor nos rins mudou tudo. Andri procurou uma UPA em Cianorte, no Paraná, onde o médico solicitou apenas um exame de sangue. Apesar do resultado alterado, ele desconsiderou os sintomas e a mandou para casa com medicação para cólica.
Cinco dias depois, Andriely acordou gritando de dor, sem conseguir andar. Uma ambulância a levou de volta à UPA. Descobriu-se que uma bactéria, inicialmente localizada no rim, havia se espalhado para o pulmão, o pâncreas e, principalmente, para a prótese.
Encaminhada ao ortopedista responsável pela cirurgia original, Dr. Pedro Paulo Verona Pércio, ela foi diagnosticada com sepse - infecção generalizada - e por pouco não perdeu a vida.
Vieram então meses de internações, cirurgias, medicamentos agressivos e um doloroso isolamento em um quarto sem janelas. A cirurgia na perna não podia ser fechada devido à infecção, e ela permaneceu assim por meses.
Uma luta sem fim
Depois de 21 dias de internação, Andriely recebeu alta, mas logo precisou voltar ao hospital. A família se mudou para Cascavel (PR) para facilitar o acompanhamento. O ciclo se repetiu: infecções, novas cirurgias, tratamentos agressivos. Em 2018, passou por mais duas internações prolongadas, ficando até 44 dias hospitalizada, parte do tempo na UTI.
Em 2019, quando parecia recuperada, uma tentativa de recolocação da prótese falhou: seu corpo já não tinha musculatura suficiente para sustentá-la. A infecção voltou. Nos anos seguintes, passou por enxertos ósseos, novas cirurgias e cerca de 50 procedimentos. Mas o psicológico, já tão fragilizado, chegou ao limite.
Hoje, Andri vive com o apoio de muletas e cadeira de rodas. Enfrenta crises de ansiedade, pânico e uma profunda saudade da vida que levava.
"O erro dele simplesmente acabou com a minha liberdade. A alegria que eu tinha em dançar, correr, não tenho mais. Matou uma alegria muito grande que eu tinha dentro de mim", conta, entre lágrimas. "Vivi sete anos sem ter vivido. Não vi minhas filhas crescerem".
Embora ainda sonhe em voltar a andar, teme enfrentar o sofrimento e a morosidade de um processo judicial. Mas deixa um alerta: "confiem no sexto sentido. Busquem a opinião de mais de um médico. Ninguém merece passar o que eu passei".
O olhar de quem esteve dentro do hospital
Para entender os bastidores do sistema de saúde, a reportagem ouviu Eritiana, que atuou como instrumentadora cirúrgica. Atualmente afastada da profissão, ela relata experiências que mostram como a negligência pode começar muito antes do erro final. "Durante meu estágio em obstetrícia, recebemos uma mãezinha em trabalho de parto, vinda de uma cidade vizinha. Era para ser um parto tranquilo, mas tudo se complicou por conta da maneira como o profissional de plantão conduziu o caso. Em vez de acolher, ele foi rude e impaciente, deixando a mulher ainda mais nervosa. Sem dilatação e com dores há horas, ela mal conseguia ajudar nas contrações. Só quando outro médico interveio - com empatia e orientação - o bebê nasceu. Mas já cianótico e precisando de atendimento urgente para sobreviver".
O episódio marcou profundamente Eritiana. Tanto que, desde então, decidiu que optaria por cesariana no futuro, temendo reviver algo parecido.
Segundo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Brasil, cerca de 1 em cada 4 mortes maternas está relacionada a falhas evitáveis no atendimento médico - seja por erro, negligência ou demora no diagnóstico. O Conselho Federal de Medicina (CFM) aponta ainda que as áreas de obstetrícia e cirurgia geral lideram as denúncias por erro médico.
Eritiana também destaca problemas estruturais.
“A gente vê muita coisa acontecendo por falta de preparo mesmo. Falta treinamento adequado para muita gente que tá ali na linha de frente. Além disso, os plantões são longos, exaustivos, e a remuneração, principalmente na rede pública, é baixa. Isso faz com que muitos profissionais tenham que trabalhar em dois, três lugares diferentes - e aí o risco de erro aumenta muito”.
Apesar das adversidades, ela recorda que, nas equipes em que trabalhou, havia abertura para diálogo diante de intercorrências. Ainda assim, o medo persiste.
"A maioria de nós carrega o receio de que a negligência que vemos atingir outras pessoas possa, um dia, atingir alguém que amamos".
A urgência da escolha e da escuta
Quando vidas estão em jogo, a escolha do profissional e do hospital importa. Buscar a melhor assistência possível é, acima de tudo, um ato de amor-próprio e responsabilidade coletiva. Histórias como a de Andriely, ou tantas outras que permanecem no anonimato, mostram que o erro médico não é apenas uma estatística: é uma dor que deixa marcas para sempre.
Um tema muito delicado…Parabéns Emily pelo seu texto e que casos como o da Adrielly não se repitam!
Parabéns, Emily! Histórias como a da Adriely precisam ser contadas.
Que texto Emily! Meus parabéns pela escrita e que casos como esse da Adriely não se repitam.
É muito pesado ler tudo isso reviver tudo isso e pensar que mesmo com vida me sinto morta... Sozinha.. tem dias que nem vontade de sair da cama eu tenho . É muito triste e cansativo tudo isso. Louvo a Deus pelo Dr Pedro ele salvou a minha vida
que delicado Emily, um assunto tão importante que faz com que fiquemos em alerta!