Moda e sustentabilidade: o futuro das roupas que vestem o mundo
- Vinícius do Nascimento

- 20 de jun.
- 6 min de leitura
Em tempos distintos, duas mulheres empreendem com o mesmo produto e mostram que vestir também é um ato de responsabilidade

A indústria da moda segue sendo uma das maiores poluidoras globais. Em 2024, suas emissões de dióxido de carbono (CO₂) na atmosfera ultrapassaram 2 bilhões e meio de toneladas, equivalente a mais de 650 mil estádios do Maracanã, contaminação superior à das empresas de aviação e transporte marítimo combinadas. A moda ainda conta com o agravante do descarte de 92 milhões de toneladas de resíduos, poluição hídrica e liberação de microplásticos e fibras sintéticas no oceano.
Partindo dessa realidade e indo contra o “fast fashion”, modelo de produção e consumo na indústria da moda caracterizado por velocidade, baixo custo, produção em massa e obsolescência programada, estão os ateliês e os brechós. Aliados da moda cíclica e da comercialização de roupas duráveis feitas com materiais de qualidade. Peças atemporais, reutilizáveis e com o mínimo de desperdício e contaminação ao meio ambiente. Ambos estão cada vez mais presentes no cotidiano e são aliados no combate às mudanças climáticas causadas por grandes empresas têxteis.
Thaís Fabrini, 31, estilista e proprietária de um ateliê situado na Rua Rio de Janeiro, no centro de Cascavel, formou-se em moda pela Unipar em 2018, mas já trabalha no mesmo desde a sua abertura em 2013, e desde então é a responsável por assinar cada peça produzida na loja. Como vegana, é adepta da filosofia “slow fashion”. Thaís explica o significado daquilo no qual trabalha desde antes de iniciar a graduação.
“Moda não é só vestir tendência, não é só vestir um conceito, é você se sentir bem com o que você está vestindo, entende? Então, a moda em si não é só fútil, não é só temporal e passageira, é como você gosta de se expressar e como você quer se traduzir para o mundo”.

Duas quadras, subindo a Avenida Carlos Gomes, não dá nem tempo de cansar e é possível encontrar o Brechó Erechim, em frente onde era a rodoviária da cidade. No fundo do estabelecimento, próximo a uma pilha de roupas recém-lavadas e prontas para serem penduradas nas araras, está Ivanir Pereira de Souza, 54, proprietária do estabelecimento.
“Eu consigo das pessoas que trazem aqui, vou atrás, vou para todo lado atrás. Fazemos a curadoria, o que tem que arrumar a gente arruma. Não são todas as roupas que vêm com alguma coisa, a maioria vem em perfeito estado. Lavamos, reparamos o que tem para reparar e colocamos à venda. Eu só não passo porque é muita roupa!”, finaliza Ivanir, rindo.
“Ser vegana e trabalhar com moda é como ir na contramão, sabendo que é uma das indústrias mais poluentes. Aqui temos uma reutilização das peças, trabalhamos com uma moda circular mais consciente”, pontua Thaís. “As fast fashion são empresas que produzem em grande escala, que vendem produtos por preços baixos, não valorizam a mão de obra, e isso não é nada bom para o meio ambiente, nem para as pessoas. Acaba que não condiz com a minha forma de ver o mundo”.
Muitas dessas marcas estão altamente presentes nos guarda-roupas dos brasileiros, sendo a Shein um dos exemplos mais notórios dessa atividade. Produzindo 16 milhões de toneladas de CO₂, conforme dados da Yale Climate Connections, no ano de 2023, o volume superou as emissões de marcas como Nike e H&M no mesmo ano. Enfrentando, também, críticas quanto à qualidade do trabalho nas fábricas localizadas em Guangzhou, no sul da China. De acordo com a BBC, seus funcionários trabalham 75 horas semanais, violando as leis trabalhistas chinesas que limitam a mesma jornada em 60 horas. Muitos funcionários afirmam trabalhar todos os dias do mês, possuindo somente um dia de folga, com jornadas de até 12 horas diárias e recebendo de 1 a 2 Yuan (cerca de R$ 1,50 na cotação atual) por peças produzidas, sujeitos a penalidades financeiras por erros na produção, fora os casos de trabalho infantil.

“Eu vim para cá em 2001, trabalhei no Minhocão por uns três anos e, em 2004, montei a loja. Quando eu trabalhava lá, eu falei: ‘eu tenho que fazer alguma coisa’, daí uma amiga me falou que seria uma boa ideia abrir um brechó”, diz Ivanir. A alta no número de brechós no Brasil reflete uma mudança nos hábitos de consumo da população e uma maior conscientização sobre sustentabilidade e vivência circular. Dados da revista IstoÉ mostram que, em 2023, o país contava com mais de 100 mil estabelecimentos ativos, sendo 78% de Microempreendedores Individuais (MEIs). O setor gerou mais de 340 mil vagas neste mesmo ano, tendo destaque o Paraná como a região com maior número de estabelecimentos no setor, de acordo com dados do Sebrae.
“Vendemos bem, os brechós estão em alta. É jovem, é pessoa de idade, é gente de todo jeito, porque aqui eu trabalho com bastante coisa”, inicia Ivanir, apontando para as araras lotadas de blazers e ternos. “Roupa masculina, feminina, para o público geral, roupas para trabalho, roupa para sair, roupa para quem gosta de ser diferente”, finaliza.

Os hábitos de consumo da Geração Z estão ligados à ascensão dos números das pesquisas. A mesma possui uma valorização das práticas sustentáveis e alternativas, impulsionando assim o crescimento do mercado de roupas “vintages” e fortalecendo a tendência “upcycling”. Cada vez mais presente nas passarelas, o upcycling é retratado no início do filme Cruella da Disney, lançado em 2021, quando a personagem Estella reforma um vestido de uma coleção antiga da antagonista da trama, a Baronesa, para chamar a atenção geral para o seu alter ego. Técnica cada vez mais valorizada no meio fashion, tornou-se o futuro mais limpo para as roupas que vestem o mundo.
Em síntese, entre a moda e a sustentabilidade ainda parece existir um abismo que se torna cada vez mais largo e profundo, mantendo ambas como opositoras. Entretanto, os dados citados anteriormente demonstram que a população brasileira se mantém firme no caminho para estreitar essa separação, adaptando-se ao consumo controlado e consciente. Objetivando um futuro onde o meio ambiente não esteja repleto de peças do dia a dia, fabricadas em massa, como as calças legging utilizadas na prática de esportes, que demoraram mais de 100 anos para se decompor. Um futuro onde os rios não sejam depósitos de resíduos, não estejam envenenados por microplásticos, corantes e produtos químicos, mas sim, sejam o berço de espécies nativas e fonte de água potável.

“Sempre dou preferência para marcas, tecidos e designers brasileiros, tudo o que eu conseguir utilizar de uma forma consciente. Vale muito mais a pena a gente valorizar algo aqui da nossa região, do nosso estado, do nosso país, entende? Valorizando a nossa cultura, as nossas pessoas, principalmente porque, por trás de uma única peça, passaram-se várias mãos para ser concluída! Desde a confecção do tecido em si, da mão de obra, da linha, do zíper, de cada botão, de todo o acabamento necessário para concluir uma roupa. Então, quantas pessoas passaram para que pudéssemos vestir cada peça de roupa que vestimos hoje?”, conclui Thaís.
O combate a esse modo de produção que destrói o ecossistema e aflige a dignidade de milhares de pessoas que trabalham dia após dia para ter o direito de viver minimamente é de suma importância, pois, caso ainda seja aceita a existência desse abismo, as inúmeras peças de roupas produzidas diariamente virão a ser símbolos da decadência humana.




Top seu texto meu amigo parabéns.
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