A vitrine da loja
- Emily Scheibe
- 3 de jun.
- 3 min de leitura
Atualizado: 3 de jun.

Julia Almeida Cordeiro. 20 anos. Se você cruzasse com ela na rua, talvez não imaginasse que, por trás da tela do celular que a acompanha por horas, existe uma jovem em constante estado de alerta emocional.
Julia, como tantas outras pessoas da sua geração, cresceu junto com o feed. Não aquele de notícias do jornal da manhã, mas o das redes sociais. Um feed colorido, vibrante e cheio de promessas e mentiras. Lá, tudo parece possível - menos ser imperfeito. O mundo mostrado nas redes é limpo, editado, com a luz certa e os ângulos bem pensados. É um mundo em que corpos são esculturais, rotinas são hiperprodutivas e sorrisos brilham como se a felicidade fosse uma conquista definitiva, e não uma construção diária.
“Mesmo sabendo que muito do que é postado é filtrado ou idealizado, é difícil não se comparar”, ela diz. A comparação, inclusive, não é mais entre vizinhos ou colegas de sala. Ela ganhou proporção global. A todo momento, jovens como a Julia olham para seus celulares e veem alguém - da mesma idade, muitas vezes - comprando um carro, passando na faculdade dos sonhos, se mudando para a Europa ou acordando às 5h da manhã para correr antes de um dia repleto de reuniões e conquistas.
E, em algum lugar entre a notificação e o scroll (rolar o feed), bate aquela sensação sutil de estar ficando para trás.
Julia sente isso. Já se comparou. Já sentiu que estava atrasada. Já achou que precisava fazer mais, ser mais, ter mais. E ela não está sozinha. A juventude atual vive um paradoxo: nunca foi tão fácil se conectar - e tão difícil se sentir suficiente. A vitrine da loja, como ela mesma define o Instagram, é uma exposição contínua das “partes mais bonitas”. Só que viver exige muito mais do que o que se vê na vitrine.
Mas nem tudo é distorção. Julia encontra, também, beleza no caos organizado da internet. Ela adora aprender - e não apenas o que vem dos livros. Gosta de dicas de receitas, de cuidados com o cabelo, de coisas simples e aleatórias. Aprende com vídeos curtos, com textos que circulam, com experiências compartilhadas. Tudo isso cria uma rede de conhecimento que escapa dos muros da escola tradicional. Há algo de mágico nessa possibilidade de aprender com quem nunca vimos pessoalmente, de rir com desconhecidos, de se identificar com uma história contada por alguém do outro lado do país. A internet, quando não nos cobra, nos acolhe. Quando não nos compara, nos inspira.
Esse aspecto, aliás, é um dos que mais transformaram a forma de aprender nas últimas décadas. Em tempos de pandemia, por exemplo, foi a tecnologia que manteve as aulas em funcionamento. Hoje, com milhares de conteúdos educativos circulando em redes como YouTube, TikTok e Instagram, muitos jovens conseguem complementar seus estudos e descobrir novas áreas de interesse. A internet, quando usada com consciência, se torna uma verdadeira aliada do conhecimento.
Mesmo assim, há espinhos. “O que eu não gosto é da forma como algumas pessoas usam a internet para propagar o ódio gratuito”, diz ela. E aqui, a fala ganha um peso especial.
Em meio a filtros e frases de efeito, há também comentários ácidos, julgamentos instantâneos, cancelamentos em massa. A liberdade de expressão, às vezes, vira arma.
É por isso que cresce a importância da regulamentação das redes. Hoje, muitos países discutem leis que possam tornar o ambiente digital mais seguro. Crimes como calúnia, difamação, discurso de ódio e vazamento de dados pessoais já são combatidos por meio de legislações específicas. No Brasil, o debate em torno do chamado “PL das Fake News” é um exemplo disso: a tentativa de responsabilizar plataformas e usuários por conteúdos nocivos e prejudiciais à sociedade.
Por outro lado, é também pelas redes que Julia se conecta ao que acredita. Aluna universitária, ela participa de projetos sociais com temas que vão do meio ambiente à proteção animal. Vê nas redes uma ponte entre sua formação e o mundo real - uma forma de mobilizar, conscientizar, estender o alcance da sala de aula. E talvez seja aí que mora a esperança: em jovens como ela, que compreendem os perigos do virtual, mas não desistem de usá-lo como ferramenta de transformação.
No fim, as redes sociais são apenas o reflexo do que colocamos nelas. Podem ser vitrines, mas também espelho. Podem nos aprisionar, mas também nos libertar. Tudo depende da lente com que olhamos - e da coragem de fechar o aplicativo de vez em quando, para viver o que não cabe em post nenhum.
Porque, como a Julia bem sabe, a vida real não tem filtro. Mas tem profundidade.
Bacana o Texto Emily parabéns.
É difícil ter equilíbrio emocional quando entramos nas redes sociais. Vira um misto de aprendizado, inspiração, com cobrança e comparação. São ferramentas maravilhosas, mas que exigem muita consciência. Parabéns pelo texto, Emily.
Lindo texto Emily!
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