A verdadeira virilidade
- Mikaella de Moura
- 18 de jun.
- 3 min de leitura
Atualizado: 20 de jun.
Fragilidades emocionais tornam homens alvos fáceis de discursos misóginos disfarçados de autossuperação

A vulnerabilidade é, segundo Brené Brown, a nossa medida mais precisa de coragem. Para ela, é preciso coragem para ser imperfeito, aceitar e abraçar as próprias fraquezas - e amá-las. Negar nossas fragilidades nos afasta do cuidado com a saúde mental. E é justamente nas crises emocionais silenciosas que muitos homens, imersos em colapsos de suas relações sociais e na solidão digital, tornam-se alvos fáceis de armadilhas promovidas por movimentos disfuncionais como Red Pill, MGTOW, Incels e Sigma. Neles, a virilidade é confundida com atitudes autoritárias, antidemocráticas e, muitas vezes, misóginas.
Segundo uma pesquisa da plataforma de gestão de saúde corporativa Orienteme, publicada pelo portal de notícias O Dia, as mulheres representam 71,1% dos atendimentos em consultórios de saúde mental, enquanto os homens correspondem a apenas 28,9%. Em outro levantamento, feito pelo Instituto IDEIA e divulgado pela revista GQ, da Globo, foi revelado que 80% dos homens brasileiros nunca fizeram terapia.
A psicóloga Ana Beatriz Tomazelli, em entrevista ao portal Vida Link, analisa esse comportamento e afirma que muitos homens se sentem pressionados a ocupar papéis de alta virilidade e força indiscriminada - o que os impede de se compreenderem e de serem compreendidos.
O resultado disso é visível: diante de frustrações afetivas - como um término de relacionamento -, muitos homens não sabem lidar com os próprios sentimentos e, emocionalmente fragilizados, tornam-se suscetíveis a discursos tradicionalistas e machistas. Embora a misoginia seja um problema antigo da sociedade, ela tem se renovado nos últimos anos, impulsionada por comunidades online, fóruns e redes sociais.
Um dos movimentos que se opõe às pautas progressistas de igualdade de gênero é o Red Pill - termo inspirado no filme Matrix, em que uma pílula vermelha revela uma suposta verdade oculta. Para os que se autodenominam “machos alfa”, mulheres feministas são vistas como controladoras, manipuladoras e dominadas por uma “energia masculina”. Contudo, ao tentarem controlar o comportamento feminino, esses homens acabam por revelar suas próprias inseguranças: minar a liberdade e a confiança de uma parceira é mais fácil do que encarar as próprias vulnerabilidades.
Essa narrativa de “despertar” contra o feminismo também se transformou em um mercado altamente lucrativo. Um dos nomes mais conhecidos da ideologia Red Pill no Brasil é Thiago Schutz. Formado em Engenharia Elétrica e em Publicidade e Propaganda, ele se apresenta como influenciador em masculinidade e relacionamentos. Seu discurso sobre desenvolvimento pessoal masculino é comercializado por meio de livros, palestras, cursos e mentorias individuais. Em seu site, a frase “Desperte agora ou nunca mais” salta aos olhos. Logo abaixo, títulos como “O fim do homem bonzinho” e “Do Instagram para a cama” revelam um posicionamento androcentrista e reducionista.
Em seu livro Pílulas de Realidade, Schutz afirma: “Não tem nada mais perigoso do que a falácia do homem desconstruído, para se encaixar nos ‘padrões’ da sociedade progressista”. Ele argumenta que isso retira a masculinidade do homem, tornando-o semelhante a uma mulher de tempos antigos: doce, meigo, que aceita tudo calado, que não cria problemas, que se aceita como ele é, que chora e expõe seus sentimentos. Curiosamente, mesmo reconhecendo essa realidade imposta às mulheres, Schutz retrata o homem como o sexo desprotegido e descartável. Para ele, a sociedade atual valoriza o feminino acima do masculino, e o movimento feminista não busca igualdade, mas dominação.
A propagação desses conteúdos alimenta uma cultura de rivalidade na qual ninguém vence. Discursos de ódio, disfarçados de opinião, circulam livremente pelas plataformas digitais, sob a vista grossa de uma indústria que lucra com o que começou como “simples conversas” em fóruns e hoje se consolidaram como movimentos ideológicos estruturados.
De repente, homens são “chaves” e mulheres, “cadeados”. Pessoas reduzidas a objetos. A ausência de alfabetização emocional nos afasta dos diálogos necessários - aqueles que rompem o silêncio sobre nossas vulnerabilidades e fazem ecoar nossos medos e inseguranças.
É urgente atualizar o conceito de masculinidade. A verdadeira virilidade está na capacidade do homem de encarar suas fragilidades - da mente e do coração. Afinal, o que nos torna humanos não é o poder de controlar o outro, mas a maturidade de cuidar de si.
Parabéns pelo texto Mikaella.
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