A última vez que te abracei: do início ao fim
- Amanda Dalla Costa
- 12 de jun.
- 6 min de leitura
Atualizado: 17 de jun.
História de um amor que bate muito além do coração - um amor que nem o tempo, nem a morte conseguiram calar

O ano era 2017. Eu ainda não sabia o que me aguardava. Mal podia imaginar que aquele seria o ponto de virada da minha vida - e que, a partir dali, nada mais seria como antes.
Foi em abril, em uma ida despretensiosa ao hospital, após passar mal. Não era nada grave, mas minha família preferiu não arriscar. Entre exames e longas horas de espera, comecei a sentir dores mais fortes na barriga e chamei um enfermeiro. Foi aí que você chegou. Ainda sem saber, mas sentindo no fundo algo inexplicável, eu conhecia ali o grande amor da minha vida.
Ele entrou no quarto e me atendeu com todo o cuidado - profissional, como sempre foi. Perguntou se eu precisava de algo mais. Trocamos olhares, e ele saiu. Mas algo dentro de mim já não era o mesmo. Eu, Matheus Rottava, ainda não sabia, mas aquele momento aparentemente banal se transformaria no encontro de duas almas.
E assim começou nossa história: eu e Diego Vieira. Diego Vieira e eu.
Naquele tempo, eu ainda não havia assumido minha sexualidade. Era uma jornada nova - para mim, para minha família, para tudo. Nunca havia me relacionado com outro homem, e o medo de ser julgado me fazia manter tudo em segredo. Mas, Diego, sempre paciente e afetuoso, entendeu meu silêncio sem nunca exigir pressa.
Após receber alta, começamos a conversar pelo Facebook. Horas e horas de mensagens que se tornaram o combustível do meu florescer.
Todos os dias, Diego me fazia um convite diferente: “vamos andar no lago?” E eu, receoso, sugeria lugares mais reservados, onde ninguém nos visse. Estávamos apaixonados - ainda que em segredo.
Nosso primeiro beijo aconteceu quando ele me levava para o colégio. Eu estava no último ano do Ensino Médio. Ele perguntou: “sua primeira aula é do quê?” E eu respondi: “não importa”. O que importava era estar ali, com ele, sentindo o abraço, o calor, o afeto. Foi em frente a uma farmácia, na Rua Paraná, em Cascavel. Nosso beijo. O primeiro como casal. O mundo podia não estar pronto - mas, ali, eu estava.
Para conseguir vê-lo mais vezes, contava aos meus pais que estava indo à casa de uma amiga. Por meses foi assim. Escondido de tudo e todos, mesmo com o medo e a incerteza, eu me sentia no melhor lugar do mundo. O Diego tinha esse dom: deixava qualquer um à vontade. Comigo, foi ainda mais. Naquele primeiro encontro, entendi o que era amar de verdade.
Nosso amor era intenso. Verdadeiro. Pulsava. E eu sentia a vontade crescente de gritar ao mundo: eu estou amando. Após um mês nos vendo com frequência, oficializamos nosso namoro - mas ainda em segredo. Decidimos esperar até eu completar 18 anos para contar aos meus pais.
Nesse tempo, vivemos tanto. Viajamos juntos, rimos, construímos memórias. Ele adorava o mar. E com o tempo, o mar virou nosso. A intensidade do nosso sentimento não cabia nas palavras. Era maior que tudo.

No dia 13 de abril de 2018, eu fiz 18 anos. A pressão para me assumir bateu forte. O medo era grande, mas a vontade de ser verdadeiro comigo mesmo e com o nosso amor falou mais alto. Sentei com meus pais e contei. A reação foi a esperada: choro, surpresa. Mas no meio de tudo isso, senti alívio. O amor entre mim e Diego não precisava mais viver nas sombras. Podíamos, enfim, ser.
Meus pais, apesar do susto, sempre se preocuparam comigo. “Dentro de casa, você está seguro. Mas e lá fora?”. No meio do caos, as coisas começaram a se acertar. Eu podia ser quem eu era - e estava com quem mais amava.
Vieram os anos de faculdade de Jornalismo, viagens, almoços em família, e momentos de uma felicidade quase impossível de descrever. Namoramos por quatro anos - mas, para mim, foi como viver uma vida inteira ao lado dele. Nossa rotina era corrida, ele com seus plantões, eu com os compromissos de repórter. Ainda assim, criamos rituais para não nos perdermos.
Todos os sábados, pela manhã, era nosso café fora de casa. Uma pausa na correria. Eu cozinhava durante a semana, mas o sábado era nosso. Também tínhamos outra regra: toda manhã, ao sair para trabalhar, eu o abraçava, dizia “bom dia, amor”, “te amo”, e dava um beijo antes de sair.
E como adorávamos viajar... Ir à praia era obrigação. Sentir o mar nos pés, o vento no rosto. Diego adorava aeroportos. Sempre dizia:
“Férias só são férias se tiver avião. Eu não vou viajar de carro”.
Eu já tinha tudo planejado para o nosso casamento. Sonhava com a música do casamento da Bella e do Edward, do filme Crepúsculo, tocando quando entrássemos. Ia ser lindo. E seria eterno. Até que, em um sábado chuvoso, tudo mudou. Iríamos sair, como sempre. Mas naquele dia, Diego disse:
“Amor, vamos ficar em casa. Quero ficar o dia inteiro só com você”.
Era raro ele pedir isso. Cedi. Passamos o dia entre filmes, cobertores e muito amor. Eu, deitado no peito dele, senti algo diferente. Estava gelado. Estranhei, mas seguimos. Cozinhei, comemos, assistimos a um filme de terror - ele amava.
No domingo, fomos à casa dos meus pais. Tudo normal.
Na segunda-feira, 9 de dezembro de 2024, mais uma manhã comum. Preparei o café, organizei as coisas, e fui ao quarto dar meu beijo de sempre. Abri a porta e brinquei:
“Nossa, amor, já tá acordado?”
Ele respondeu:
“Quero ir mais cedo para o hospital hoje”.
Abracei, beijei, disse “te amo”. Ele retribuiu. E eu fui trabalhar, sem saber que aquele seria nosso último “eu te amo”.
Na redação da TV, montei as pautas e fui para a rua. Pouco depois, uma mensagem no grupo avisava de um acidente entre Cascavel e Toledo, na BR. Um vazio me atravessou. Sabia que Diego pegava aquele trecho todos os dias. Respirei fundo e continuei.
Minutos depois, chegaram as imagens. Um Crossfox. Motorista morto no local.
Conferi a placa. Era ele. O Diego. Meu amor.
Ali, meu mundo parou.
A partir daquele momento, eu sentia um vazio tão grande dentro do meu peito. Era como se não existisse nada. Meu coração, meus órgãos - todos pararam junto com o Diego. Eu desaprendi a respirar. Fiquei ofegante e só conseguia repetir: não, não, o Diego não!”. Mas sim, era ele. Aquele dia ficou gravado na minha memória como um dia chuvoso. Um dia cinza em que perdi o grande amor da minha vida.
“Eu jamais imaginaria que teria que decidir qual caixão colocar o meu marido”.
Não fazia sentido seguir sem ele. E as nossas viagens? O mar? O café da manhã de todos os sábados? Tudo aquilo que construímos parecia ter se esfarelado. Foi um dia tão frio, por dentro, que consigo lembrar de cada detalhe.
Após contar à família, começaram os preparativos para o velório. E só de dizer “preparativos” me parece um absurdo.
“É até estranho falar isso. Preparativos para um velório? Eu estava com ele pela manhã, falei que o amava. E agora estou aqui, me despedindo dele. Isso não é humano”.
No velório, os olhares se voltavam todos para mim. Uma tristeza profunda pairava no ar. Mas aquele era um momento que precisava ser vivido. E eu sabia que precisava me despedir. Pedi à minha mãe: “quero me despedir dele, sozinho”.
Caminhei até o caixão. A sensação era indescritível. Era a última vez que eu veria meu marido ali, em matéria.
“Você ama sua mãe porque ela é sua mãe. Ama seu pai porque ele é seu pai. Ama seus irmãos porque são seus irmãos. Mas, quando você escolhe outra pessoa, totalmente diferente de você, para amar, o amor é diferente”.
Deitei no peito dele e fiquei ali até a hora de fecharem o caixão. Eu precisava me sentir seguro pela última vez, precisava sentir o peito dele junto ao meu pela última vez. Dei um beijo em sua testa. Abracei. E disse, pela última vez: “eu amo você”.
Apesar de estar rodeado de pessoas, nunca me senti tão sozinho. E ali começou a minha caminhada pelo luto - fase por fase.
Depois da partida do Diego, continuo fazendo algumas coisas que eram nossas. Ainda vou, todos os sábados pela manhã, tomar café. É um momento só meu - e dele também. Parece que ele está ali comigo de alguma forma. Sinto tanta falta dele.
O Diego foi o primeiro homem que eu amei. O primeiro com quem imaginei um futuro. Os quatro anos de casados que vivemos juntos foram os melhores da minha vida. Foi surreal. O Diego era surreal. Nosso amor era surreal.
E se eu tivesse a oportunidade de ficar mais dois minutos com o Diego, eu aproveitaria para deitar no peito dele, pensar em nós dois no mar, viajando juntos, tomando nosso café da manhã, imaginando o nosso casamento, e amando. Amando muito. Cada minuto.
“Porque se tem uma coisa que eu aprendi depois que o Diego se foi, é aproveitar cada minuto com a pessoa que você ama. Porque você nunca sabe quando vai ser a última vez”.

Parabéns pelo texto Amanda.
Que incrível o texto, Amanda. Arrasou!!
texto incrível! Você soube captar toda a sensibilidade dessa história tão linda.
Emocionante! Parabéns pelo texto, amiga!
Nossa! 🥺🥺🥺
Emocionante. Parabéns, Amanda 👏🏻