Violência política de gênero: até onde vão às armas para silenciar uma mulher?
- Evelyn Veit
- 25 de jun.
- 6 min de leitura
Em um sistema que as quer caladas, elas desafiam o silêncio com presença e resistência

Os episódios de violência política no Brasil são alarmantes, mas pouco falados, e, quando observamos os casos contra as mulheres, muitas vezes, essas situações são ainda mais veladas e deixadas de lado. A política, por si só, já é um ambiente hostil, onde os que gritam mais geralmente saem por cima. Os líderes e governantes sobem nas tribunas e palanques com uma postura imponente e ameaçadora e, em algumas situações, quase primata.
Os casos de violência contra as mulheres na política são tratados com tamanha naturalidade que nem mesmo os agressores se sentem constrangidos. Um exemplo que esteve na mídia por dias envolveu a Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, e senadores da República durante uma reunião da Comissão de Infraestrutura do Senado em 27 de maio. Ela foi convidada pela casa parlamentar para prestar informações sobre a criação de uma unidade de conservação marinha no litoral norte do Amapá, mas em um determinado momento, o senador Omar Aziz (PSD) disse que Marina “atrapalhava o desenvolvimento do país”. A discussão se intensificou fora dos microfones, abordando a demora no licenciamento para obras na região amazônica, por parte do Ministério do Meio Ambiente. Depois, o presidente da comissão, Marcos Rogério, interrompeu a ministra diversas vezes, e ela reagiu dizendo:
“O senhor gostaria que eu fosse uma mulher submissa. Eu não sou!”.
O bate-boca continuou durante a reunião, com ataques contínuos à Marina. Em outro momento, o senador Plínio Valério afirmou que ela não merecia respeito:
“Ao olhar para a senhora, estou vendo uma ministra, não estou falando com uma mulher… porque a mulher merece respeito e a ministra não, então quero separar. Por favor, não provoque”, finalizou o senador
Marina exigiu um pedido de desculpas pela fala do parlamentar, mas, sem resposta, retirou-se da sessão. O caso gerou indignação e solidariedade, com a ministra recebendo apoio tanto de aliados quanto da oposição. A fala do senador evidencia como os homens utilizam diversas formas para atacar, diminuir e perpetrar violência velada contra as mulheres
Ana Júlia Ribeiro: estudante, ativista, vereadora e deputada mais jovem da história de Curitiba e insultada por exigir a substituição de deputado por faltas no trabalho | Foto: Orlando Kissner e Assessoria Ana Júlia
Outro caso que chamou atenção foi o da deputada estadual do Paraná, Ana Júlia Ribeiro. A parlamentar do Partido dos Trabalhadores foi alvo de um ato misógino do deputado bolsonarista Ricardo Arruda (PL) após ela pedir sua substituição na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Alep (Assembleia Legislativa do Paraná), devido ao número excessivo de faltas sem justificativas e não recolocação do suplente.
Arruda faltou a quatro sessões seguidas da comissão, que é uma das mais importantes da casa parlamentar. E, para se “defender”, o membro do Partido Liberal atacou o trabalho e a aparência da parlamentar, dizendo que a deputada não conhecia o regimento e criticando as roupas usadas por ela na Assembleia.
Em entrevista realizada na Alep, de frente aos jornalistas e às câmeras, o deputado não se sentiu cometendo um crime ao dizer que ela “se comporta como se estivesse no centro acadêmico”. Ana Júlia foi eleita em 2022, com 20 anos, tornando-se a deputada mais jovem a tomar posse na história do Paraná. Ela começou sua militância no movimento estudantil, destacando-se nas mobilizações secundaristas de 2016, organizadas pelos estudantes que se posicionavam contra a reforma do Ensino Médio. Ficou nacionalmente conhecida por seu discurso na Assembleia Legislativa do Paraná, quando, aos 16 anos, enfrentou os deputados defendendo o movimento. Aos 22 anos, ela tem enfrentado desafios para ser ouvida na casa legislativa, não por incapacidade ou irresponsabilidade, mas por ser jovem e mulher.
A violência política de gênero é crime no Brasil segundo a Lei 14.192/2021 e pode incluir agressões físicas, psicológicas, simbólicas ou mesmo a disseminação de informações falsas. Ela refere-se a atos com o objetivo de impedir ou restringir a participação política de mulheres, seja por meio de discriminação, assédio, ameaças ou outros tipos de violência.
Atualmente o Senado Federal é majoritariamente masculino, com menos de 20% das cadeiras sendo ocupadas por mulheres. A falta de representação feminina na política brasileira chegou a tal ponto que, em Brasília, as senadoras criaram a Bancada Feminina, cansadas de serem colocadas apenas em pautas relacionadas às mulheres e à assistência social. Mesmo esses temas sendo importantes, as parlamentares nunca eram escolhidas por seus partidos para discutir causas como segurança pública ou economia.
A bancada foi criada no ano de 2021, por iniciativa de 12 senadoras de diferentes partidos, ideias e opiniões, mas que se uniram para serem ouvidas. A bancada tem liderança rotativa e participação ativa no Colégio de Líderes, com direito de orientar votações e a preferência no uso da palavra.
Durante a CPI da Pandemia, as parlamentares tiveram um trabalho essencial para investigar e questionar os depoentes. Porém, por não terem sido indicadas pelos partidos, elas não compunham formalmente a comissão, mas se fizeram presentes, sempre com alguma mulher participando todos os dias dos trabalhos. Em muitos momentos, foram elas que se destacaram na revelação de denúncias e informações.
Simone Tebet: advogada, professora, Ministra do Planejamento e Orçamento do Brasil e chamada de descontrolada ao questionar ações do ex-ministro da CGU | Fotos: Agência Senado
No entanto, momentos de ataque às mulheres foram vistos por todo o país durante as reuniões. Em uma delas, no dia 21 de setembro, o então Ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Wagner Rosário, incomodado com as perguntas de Simone Tebet (MDB), chamou a senadora de "descontrolada". O ataque sexista teve unânime repúdio de senadoras e senadores e rapidamente gerou uma reação por Simone, instaurando o caos e interrompendo os trabalhos daquele dia. Em entrevistas seguintes, a senadora contou que sofreu diversas violências ao longo da carreira política e que antes chorava escondida, mas agora gritaria contra as violências para que outras mulheres também aprendam a se defender e para que casos assim não se repitam.
“Essa palavra não vem à toa. Ela está no inconsciente daqueles que ainda acham que as mulheres são menores, inferiores. Essa palavra nos toca muito fortemente. Não agridam mulheres que são porta-vozes de outras mulheres. Jamais", afirmou a senadora durante a sessão da CPI.
Segundo uma pesquisa realizada em 2024, pela Confederação Nacional de Municípios (CNM), em parceria com o Movimento Mulheres Municipalistas (MMM), 60,4% das prefeitas e vices no cargo naquele período dizem já ter sofrido algum tipo de violência durante a sua campanha ou mandato, como se o fato de ser mulher a desqualifica se como candidata ou como atuante política.
A história nos mostra o cenário em que vivemos: nunca, no Estado brasileiro, uma mulher foi eleita presidente tanto do Senado Federal como da Câmara dos Deputados. A primeira a ocupar o cargo de comando da CCJ do Senado no país foi a senadora do Partido Movimento Democrático Brasileiro, Simone Tebet, em 2019. E a única mulher a ocupar o escalão mais alto da política nacional foi Dilma Rousseff, em 2010, sendo a primeira presidente mulher do país. Porém, muitos justificam que o acesso à cargos de liderança política ocorrem de forma meritocrática, não podendo ser mais difícil para um gênero ou outro. Mas, quando analisamos as lutas enfrentadas por nossas representantes, percebe-se que dificuldades extras precisam ser superadas pelas mulheres que querem alcançar essas posições.
O Congresso, por exemplo, não foi construído pensando no acesso das mulheres aos locais de poder público. O prédio, somente em 2016, teve um banheiro para as senadoras, que até lá, utilizavam o do restaurante anexo ao Plenário, disponível desde 1979, quando foi eleita a primeira senadora, Eunice Michilis. Um detalhe que pode parecer pequeno, mas o fato de não ter um banheiro no ambiente para as senadoras mostrava que a Casa não estava preparada para as mulheres, mesmo que elas já estivessem mais que preparadas para estarem naquele lugar.
Ao pensarmos no que enfrentam Marina, Ana Júlia, Simone, e tantas outras, percebemos que lugares de fala e poder de mulheres, em um país tão patriarcal como o nosso, além de quase inalcançáveis, quando atingidos, são vistos como uma posição onde elas devem aguentar todas as ações por escolher estar naquele posto.
👏👏
texto extremamente necessário! parabéns, eve!