top of page

Vinagre de maçã: os perigos da influência digital, onde a atenção vira moeda

Atualizado: 17 de jun.

Seguidores cada vez mais engajados e influenciadores cada vez mais lucrativos em um ciclo de consumo emocional


Geração Z está habituada a usar múltiplos meios de comunicação simultaneamente, seja assistindo à TV e usando o celular ao mesmo tempo ou navegando na internet e interagindo nas redes sociais | Foto: Hallis Novak
Geração Z está habituada a usar múltiplos meios de comunicação simultaneamente, seja assistindo à TV e usando o celular ao mesmo tempo ou navegando na internet e interagindo nas redes sociais | Foto: Hallis Novak

Em 6 de fevereiro deste ano, a Netflix lançou a série Vinagre de Maçã, baseada na história real da influenciadora australiana Belle Gibson. Na capa, uma mulher com semblante sério segurava um celular nas mãos; ao fundo, recortes de comentários do Instagram e diversas fotos da mesma personagem com aparência impecável, sorrindo e demonstrando confiança.

O nome escolhido pela criadora da produção, Samantha Strauss, é explicado no último episódio da série, quando uma das personagens relata que Belle ingeria a solução por acreditar que curaria uma infecção por micose - quando, na verdade, ela confundiu o fungo com uma tênia.

Distribuída em seis episódios, a trama retrata a história real da influenciadora que afirmava ter alcançado a cura do câncer. A série reacendeu as especulações sobre o caso ocorrido entre 2009 e 2010, período em que o Instagram começava a ganhar espaço e os primeiros influenciadores digitais surgiam.

Belle passava o dia postando conteúdos em seu perfil, contando como havia se curado de um câncer no cérebro. Ela afirmava que uma alimentação adequada e tratamentos alternativos haviam eliminado a doença, e que a medicina tradicional lhe havia dado apenas dois meses de vida. Assim, em pouco tempo, a australiana acumulava milhares de seguidores no Instagram.

Disposta a ajudar seus seguidores a se curarem da mesma forma, lançou um aplicativo de receitas, no qual ensinava como preparar sua comida e quais ingredientes utilizar. O sucesso foi tanto que a empresária faturou cerca de um milhão de dólares apenas no mês de lançamento.

Por trás da narrativa de superação, na qual Belle aparentava estar cada vez mais feliz e saudável, crescia um império de manipulação e mentiras. Jornalistas investigativos desconfiaram da veracidade da história e confrontaram a influenciadora, que admitiu nunca ter tido sequer um laudo médico comprovando o tumor. Quando a verdade veio à tona, causou grande repercussão e revolta entre seus seguidores - muitos dos quais realmente enfrentavam a doença e depositaram nela a esperança de cura.

Como desfecho, Belle Gibson foi condenada pela Justiça a pagar 410 mil dólares australianos por práticas enganosas e fraudes. Apesar da penalidade financeira, nunca foi acusada criminalmente e permanece em liberdade.


O influenciador como produto


A história de Belle Gibson é um caso extremo, mas revela um comportamento comum nas redes sociais: transformar a vida em produto e a audiência em lucro. Cada vez mais, influenciadores digitais ganham destaque – especialmente, no Instagram, onde seus perfis alcançam milhões de pessoas. No Brasil, há cerca de 2 milhões de influenciadores, quase 10% da população total do país. Esses números crescem a cada dia, refletindo o interesse de quem deseja trabalhar nas redes, atraído pelas oportunidades que essas plataformas oferecem.

O acelerado crescimento do mercado de influenciadores é impulsionado pela audiência, medida pelo número de visualizações, curtidas, comentários ou cliques em links patrocinados. Para a jornalista e professora de Comunicação, Juliane Brita, o comportamento dos influenciadores e de seu público reflete características da sociedade pós-moderna.

“Quando pensamos nessa perspectiva, pensamos muito em fragmentação. Nossa atenção é fragmentada por bolhas, onde pessoas produzem conteúdos que consumimos - um comportamento típico do pós-modernismo”.

Nos meios digitais, criadores de conteúdo demonstram proximidade com seu público, compartilhando rotinas, aspectos pessoais e abrindo espaço para que seguidores opinem.

“Seguimos essas pessoas nas redes sociais e sentimos que há uma troca legítima, como se fossem nossos amigos. Mas, na realidade, essa relação é unidirecional, porque elas não nos conhecem”, observa a professora.

Como destaca Juliane, essa sensação de pertencimento pode ser ilusória e até problemática, pois mascara uma lógica de consumo que nem sempre favorece quem acompanha o conteúdo.

“Existe uma dinâmica de pertencimento, porque está posta nessa lógica social e comunicacional - mesmo sabendo que não há, de fato, uma troca. O que esses grandes influenciadores recebem é audiência, e a audiência vira dinheiro”, explica.

O preço da atenção


Na prática, a influência digital vai muito além da promoção de produtos ou marcas. Está enraizada em uma lógica de consumo de conteúdos que, muitas vezes, não agregam valor à vida de quem os consome.

“Passamos a ser como cachorros em frente ao forno de uma padaria, olhando os frangos sem poder acessá-los”, destaca Juliane, ao explicar como os influenciadores preenchem a vida dos seguidores.

A administradora Ana Karoline Nunes segue quase 1.500 pessoas em suas redes, onde busca referências para compras.

“Costumo usar Instagram e Pinterest como ferramentas de inspiração, principalmente para itens de casa e roupas.” Além de se informar, Ana admite que passa horas no celular acompanhando conteúdos e, por vezes, age por impulso: “Eu nunca preciso do produto, mas quando vejo algo da moda ou que parece útil, crio uma necessidade que, até então, não existia”.

Essa busca por pertencimento, seja ao mudar o estilo de vida ou ao comprar um produto para se sentir melhor, pode levar a endividamentos ou prejuízos.

“Já comprei um item não planejado porque senti que precisava - e isso comprometeu dinheiro de contas mensais”, conta Ana.

Segundo pesquisa da Opinion Box em parceria com a Influency.me, 80% dos consumidores brasileiros já compraram produtos indicados por influenciadores digitais. Além disso, 62% utilizaram links ou cupons fornecidos por eles. A confiança é um fator decisivo: 93% dos consumidores confiam nas recomendações dos criadores.

A professora Juliane reforça que o comportamento de Ana é comum na sociedade atual.

“Não conseguimos consumir todos os produtos que nos são oferecidos, porque vivemos uma dinâmica em que ‘você é’ a partir do que ‘você tem’, e não do que ‘você faz’. Como não podemos comprar tudo, acabamos consumindo o conteúdo. A influência negativa está justamente na forma como lidamos com o que nos é oferecido pelas redes”.

A confiança é a principal aliada na hora de oferecer produtos ou conteúdos online. Quando a credibilidade é consolidada, o influenciador acaba por fidelizar o “cliente”

“O grande produto é a nossa atenção. Compra-se o nosso deslumbramento. Preenchemos as lacunas do nosso ser com uma atenção desenfreada, como se pudéssemos absorver todas essas informações. Mas não é possível. Transformamos uma pausa de cinco minutos em três horas, indo de vídeo em vídeo, de conteúdo em conteúdo, sem reter nada. E a estrutura das redes é pensada exatamente para isso - para que você não saia do aplicativo e mantenha toda sua atenção voltada às pessoas desse círculo”, finaliza Juliane Brita.

A audiência no Instagram, quando bem construída e orientada, pode trazer resultados positivos para a sociedade: gerar renda, dar voz a projetos e causas ou impulsionar marcas iniciantes. Por outro lado, todos esses pontos podem ser utilizados de forma nociva, se não tratados com responsabilidade, transparência e foco no bem comum.



6 Comments


Parabéns pelo Texto Hallis.

Like

Parabéns pelo texto!

Like

👏🏻👏🏻

Like

👏👏👏

Like

Parabéns pelo texto Hallis!!

Like
  • Instagram
  • TikTok

Produzido pelos acadêmicos do 5º período do curso de Jornalismo do Centro Universitário FAG, na disciplina de Webjornalismo, sob orientação do professor Alcemar Araújo.

©2025 - Agência Abre Aspas - Todos os Direitos Reservados

bottom of page