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SUS: a linha de frente que não recuou

Anos depois da pandemia, relembrar o papel do SUS é um exercício de memória e justiça com quem esteve na linha de frente salvando vidas

Em meio ao caos da pandemia, o Sistema Único de Saúde resistiu com o que tinha: gente corajosa, profissionais exaustos, mas firmes. Esta é a história de Vanessa e de tantos outros que seguraram o Brasil quando o país quase desabou | Crédito da Foto: Aline Chimello Marobin
Em meio ao caos da pandemia, o Sistema Único de Saúde resistiu com o que tinha: gente corajosa, profissionais exaustos, mas firmes. Esta é a história de Vanessa e de tantos outros que seguraram o Brasil quando o país quase desabou | Crédito da Foto: Aline Chimello Marobin

Enquanto o mundo parecia ruir sob o peso de um vírus invisível, um gigante silenciado pela rotina cotidiana se ergueu com a força de milhões de braços: o Sistema Único de Saúde (SUS).


Ele, tantas vezes alvo de críticas, desdém e sucateamento, revelou-se, em sua plenitude, aquilo que sempre foi: um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo. Um escudo coletivo. Uma rede que sustentou vidas.

Foi assim durante a pandemia da Covid-19.


Enquanto o mundo parava, o Brasil enfrentava uma guerra paralela: contra o vírus e contra o negacionismo.


O SUS resistiu tanto ao patógeno quanto ao veneno da desinformação. Enquanto parte da sociedade se perdia em teorias conspiratórias, dentro dos hospitais, a ciência era vivida no limite.


Vanessa Zanatta Ribeiro, enfermeira do Pronto Atendimento Municipal de Cafelândia, no interior do Paraná, viveu essa realidade na pele.


“Não havia espaço para achismos. Ou era ciência, ou era morte”, relembra.

Grávida de seis meses em 2021, ela enfrentava o auge da pandemia em plantões noturnos.


“Trabalhávamos com apenas dois técnicos e atendemos de tudo... No começo, tudo era novidade – desde os sintomas até os protocolos”.

A escassez de recursos exigia criatividade e resistência.


“Tivemos que improvisar para manter pessoas vivas. Houve noites em que choramos junto com os pacientes e, ainda assim, voltamos no dia seguinte”.

O som dos respiradores ecoava como um lembrete constante de que a vida pendia por um fio.


Vanessa explica como as barreiras físicas impunham desafios à atuação da equipe:


“A gente usava duas camadas de roupas de proteção, duas máscaras e ainda o face shield, aquela viseira de acrílico. Tudo isso dificultava muito: era difícil respirar, difícil prestar atendimento...”.

Cada protocolo seguido era uma tentativa de preservar vidas - tanto dos pacientes quanto dos próprios profissionais.


“Os procedimentos eram mais complexos, principalmente na hora de entubar o paciente, porque precisávamos reduzir ao máximo a exposição da equipe. E, depois que um paciente saía, era necessário fazer toda a desinfecção da sala antes de receber outro”.

Mas o que mais marcou a profissional não foram apenas os protocolos médicos, e sim o impacto humano da tragédia.


“Atendemos muitos pacientes em estado grave, mas o mais difícil, como profissional, foi lidar com a dor das famílias que não podiam ter contato com seus entes queridos, especialmente, quando havia óbito. Nós precisávamos preparar o corpo, colocá-lo em sacos cadavéricos lacrados e explicar aos familiares que eles não poderiam se despedir, nem realizar o velório. Isso me marcou profundamente”.

A dor se tornava insuportável quando o paciente era jovem, cheio de vida até pouco tempo antes da notícia ser dada.


“Informar a família era devastador. A gente, muitas vezes, precisava interromper os atendimentos para lidar com aquela situação”.

Enquanto, dentro do Pronto Atendimento, havia luta, do lado de fora, as famílias rezavam.


“A gente fazia os atendimentos escutando as orações. Faltava oxigênio, faltava equipamento, e o medo era constante”.

Mais do que combater o vírus, os profissionais enfrentaram o descaso.


O governo, em vez de proteger, confundia. Tratamentos sem eficácia eram exaltados, enquanto as vacinas eram desacreditadas.


Vanessa desabafa sobre essa contradição, que afetava diretamente a rotina de quem estava na linha de frente:


“Era revoltante ouvir que era tudo exagero, enquanto a gente entubava um vizinho, um amigo, um pai de família”.
“Não tinha tempo pra política. Tinha vida pra salvar”.

O SUS segurou o Brasil nos braços enquanto o país afundava em desinformação.


Nas tendas montadas às pressas, nos ginásios adaptados, nas UPAs superlotadas… foi o SUS que sustentou a esperança. Sem distinção.


Vanessa relembra um episódio que mostra como, na dor, as desigualdades se desfazem:


“Os hospitais particulares tinham um limite na quantidade de oxigênio que podiam comprar, para não causar escassez para o SUS. Por isso, pacientes com as melhores condições financeiras e aqueles que mais dependiam do sistema acabaram dividindo o mesmo espaço. A Covid-19 não escolheu pobres, ricos, pretos ou brancos. Todos estavam na mesma situação.”

“Pacientes com mais recursos acabaram recorrendo ao SUS porque aqui havia mais chances de conseguir um leito de UTI ou oxigênio do que nos hospitais particulares. Naquele momento, a desigualdade social deu uma trégua”.

Mesmo com estrutura precária e exaustão emocional, os profissionais não pararam.


Médicos dobravam turnos. Enfermeiros acolhiam quem chegava em desespero. Fisioterapeutas puxavam ar onde não havia fôlego.


Vanessa viveu o próprio limite:


“Estava grávida, tinha bronquite, uma doença crônica, e tudo ainda era muito novo. A gente não sabia como o corpo reagiria ao vírus, e o medo era constante”.

O receio não era só por ela:


“Me preocupava com quem estava em casa: tinha idoso, tinha criança… O receio de levar o vírus para eles era imenso. Por isso, me cuidava ao máximo no trabalho. Quando chegava em casa, tirava a roupa ainda do lado de fora e lavava tudo separadamente. Era uma rotina pesada, mas necessária”.

Enquanto o país contava mortos, o SUS contava com resistência.


No auge da pandemia, quando até o oxigênio faltou, a equipe precisou fazer escolhas impensáveis.


“Tivemos pacientes implorando por ar. Foi uma fase traumática. Sentimos falta de apoio psicológico. São marcas que não vão sair da nossa memória”.
“É muito difícil ver um paciente para quem você já fez tudo o que podia, e ele implorar por algo que todos nós temos naturalmente: o ar para respirar, o oxigênio. Isso me marcou profundamente...”.

A pandemia escancarou desigualdades. Mas também revelou o valor inestimável de um sistema público, gratuito e universal, que, muitas vezes, é a única opção para milhões.


Talvez a maior contradição revelada tenha sido essa: dependemos do SUS, mas não o defendemos como deveríamos.


Só o lembramos na emergência.


Mas ele está lá, todos os dias: garantindo vacina, parto, transplante, consulta, acompanhamento.


Porque o SUS é feito de gente.


De profissionais que, mesmo com o mínimo, entregam o máximo.


Médicos que não se conformam. Enfermeiros que acolhem. Agentes comunitários de saúde que cruzam a cidade com sol na cabeça e ficha na mão.


O SUS é feito de resistência.


Mesmo quando um sistema cruel ou o negacionismo tenta impedir.


E, enquanto houver profissionais como Vanessa, haverá luta.


“O que ficou foi a certeza de que, mesmo com medo, seguimos firmes. Porque alguém precisava lutar”.

Porque, onde falta tudo, o SUS ainda entrega o essencial: a chance.


Que essa história não caia no esquecimento.


Que os nomes dos que partiram não sejam apenas estatísticas, mas marcas vivas de uma dor que atravessou lares, famílias, bairros e cidades inteiras.


Cada vida perdida foi um mundo que se apagou.


E cada profissional de saúde que se manteve de pé foi farol em meio ao caos.


Aos que se foram, nossa memória.


Aos que lutaram incansavelmente, nossa gratidão eterna.


A pandemia nos roubou o ar.


Mas não levou nossa capacidade de cuidar.


E, se o SUS resistiu, foi porque existiram braços como os de Vanessa - que, mesmo cansados, estendidos, muitas vezes trêmulos - nunca se negaram a sustentar uma vida.

Que o silêncio dos que partiram não seja em vão.


Que a coragem dos que ficaram nos inspire a defender, todos os dias, o que salvou o Brasil: o Sistema Único de Saúde.


Gratuito. Público. Humano.


Porque, quando tudo faltou, o SUS foi abrigo.


Foi gesto.


Foi gente corajosa.


E, que fique claro: a vacina pode ter encerrado a pandemia.


Mas foram os profissionais de saúde que salvaram o país.







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Produzido pelos acadêmicos do 5º período do curso de Jornalismo do Centro Universitário FAG, na disciplina de Webjornalismo, sob orientação do professor Alcemar Araújo.

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