O registro do silêncio
- Manuela Biscaglia Nunes
- 13 de jun.
- 5 min de leitura
Atualizado: 17 de jun.
Quando o preconceito tenta apagar a luz de quem vive para revelar a beleza do invisível

Em um corredor longo e claro, com paredes brancas e piso gelado, encontram-se diversos quartos com grandes portas que conduzem a um dos momentos mais bonitos – e, ao mesmo tempo, apavorantes - da existência: o nascimento de uma vida.
Em meio ao cheiro característico e aos aparelhos hospitalares, uma família está prestes a conhecer uma nova história. Ela surge entre a dor e o amor - sensações que disputam o protagonismo daquele instante. Ao redor, médicos, enfermeiras e até uma doula preenchem o espaço onde, no centro, a mãe não vê a hora de conhecer o rostinho que esteve guardado dentro de si. Em um canto, quase imperceptível, está um homem com sua fiel câmera - encarregado de captar, em uma única imagem, a intensidade de tudo o que se sente.
Primeiros passos
Henrique Wagmaker Favreto, 27 anos, é fotógrafo de partos – apaixonado pelo que faz. Com apenas 15 anos, já se preocupava com o futuro profissional. Por ironia do destino (ou não), a paixão pelo cinema despertou cedo. Na busca por uma área relacionada ao audiovisual, encontrou a fotografia e descobriu seu caminho através de um clique. A primeira câmera foi conquistada com o apoio da mãe. Antes mesmo de ingressar no ensino superior, já havia concluído três cursos especializados: um de fotografia iniciante, no Centro Universitário FAG, com o professor Ralph Willians, e dois com Bruno Mafra, voltados à fotografia de eventos sociais.
Desde o início, Henrique tinha uma preferência clara.
“Eu amava tirar fotos de aniversários infantis, gostava de capturar momentos espontâneos que contassem histórias. A fotografia documental sempre me encantou”.
Também cobriu manifestações estudantis e governamentais - experiências que já revelavam traços de sua personalidade.
Sempre buscou aprender mais. Em um de seus inúmeros cursos, há dez anos, algumas fotos feitas por uma amiga despertaram sua curiosidade: ali estava seu primeiro contato com a fotografia de partos. Henrique se interessou, mas logo encontrou uma barreira.
“Fui em busca de referências na área, mas só encontrava mulheres atuando. Era a mentalidade da época, infelizmente. Tinha receio de abordar as mães e elas se sentirem desconfortáveis por eu ser homem”.
Uma pesquisa realizada para esta reportagem revelou que 66,7% das mulheres entrevistadas não escolheriam um fotógrafo homem para registrar o parto. Outras 26,7% disseram não se importar com o gênero do profissional, enquanto apenas 2,7% aceitariam um homem nessa função

Com o passar dos anos, Henrique trilhou outros caminhos, mas sempre permaneceu no universo da comunicação. Formou-se em Publicidade e Propaganda pela Univel, em Cascavel, e atuou na área por anos. No entanto, como uma ervilha sob colchões, a paixão pela fotografia continuava a incomodá-lo de forma persistente - um desejo adormecido prestes a florescer.

A chave
Depois de uma década, em 2024, a chave daquela porta fechada reapareceu – como quem procura algo e, por acaso, encontra outra coisa. Já estabelecido, atuando na equipe de marketing de um escritório de advocacia, Henrique recebeu o convite para registrar o parto da prima. E entrou em êxtase.
“Tive muita dúvida em aceitar. Eu não tinha experiência, mas jamais desperdiçaria essa oportunidade. Sabia que precisava começar por alguém próximo”.
E assim fez. Mesmo com medo, fotografou seu primeiro parto - uma cesariana. Ao divulgar as imagens, encantou muitos. Logo, outros dois nascimentos estavam marcados para serem registrados por ele. O processo, segundo Henrique, é muito diferente de outros ensaios: tudo começa bem antes, na preparação emocional da família e no alinhamento de expectativas com o profissional.
Quando o nascimento se aproxima, o corpo de Henrique entra em estado de alerta. A qualquer momento, o bebê pode vir ao mundo - e ele precisa estar lá desde o início. Mas reforça: nem todos os fotógrafos atuam dessa forma.
Ele chega ao hospital com antecedência, adapta-se ao ambiente, pede permissão para acessar a sala de cirurgia ou o quarto, mesmo antes dos pais entrarem.
“Gosto de entender o espaço, saber o tamanho das salas, a iluminação disponível, onde devo ficar para capturar cada detalhe. O mais importante é que eu me adapte completamente. No momento do parto, a única coisa que precisa aparecer é o meu trabalho – e só depois”.
A gratidão o move. Em um dos relatos, uma mãe contou que mal se lembrava do que havia acontecido, tamanha a descarga de adrenalina durante o parto normal. Stéfanie Wiebelling confiou em Henrique para eternizar o que a memória não conseguiu guardar. Para ele, as lágrimas dela ao receber as fotos foram uma das maiores recompensas.
“Ele não apenas tirou fotos. Ele compreendeu e captou a emoção do momento, soube estar presente com respeito, carinho e sensibilidade. Cada imagem me transporta de volta ao instante em que minha vida mudou para sempre”, destacou Stéfanie Wiebelling.

A confiança depositada em Henrique foi grande – e foi correspondida. “Sté”, como ele carinhosamente a chama, relata que o fotógrafo chegou ao hospital antes dela e ofereceu apoio emocional no parto, sempre respeitando seus limites. O receio inicial deu lugar à admiração pelo profissionalismo e pela delicadeza com que tudo foi conduzido.
Transparecer
Cada detalhe precisa ser percebido. Cada suspiro conta. O grande desafio é capturar, em uma imagem, a emoção que atravessa os personagens daquele instante.
“O momento de fotografar é no silêncio. É ali que tudo acontece. Quando os pais estão calados, geralmente há uma conversa de olhares, de afeto, de amor. É quando preciso estar pronto”.
Henrique se envolve. Se emociona. Mas mantém o foco profissional. O nascimento é como o grande flash da noite. Tudo - antes, durante e depois - precisa ser registrado. E só um fotógrafo movido pela paixão é capaz de comunicar o que não se diz em palavras.
Com uma quebra de preconceito, começo de novas histórias foram contadas através das lentes de Henrique. Ao julgar o livro pela capa, que possamos começar julgar o livro pelo portfólio.
“A fotografia é isso, sabe?! Captar momentos para que posteriormente aquela mãe ou aquele pai consiga reviver e sentir novamente aquele momento”, afirma Henrique Wagmaker Favreto, aquele que fala através do silêncio.

Que incrivel parabéns Manu.
que lindoo!!! 🥹
que lindo!!!!
Texto lindo!! 🥹
Gostei muito!