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Nômades digitais e sua influência no processo de valorização urbana

Atualizado: há 6 dias

Processo de gentrificação desabriga famílias de baixa renda, incentiva a especulação imobiliária e pode ser acelerado por trabalhadores remotos


Pesquisa “Trabalho remoto no brasil: percepções e avaliações dos trabalhadores”, realizada pelo Instituto Brasileiro de Economia, revela que 52% dos brasileiros consideram o trabalho híbrido ou remoto como ideal | Foto: Luiza Vaz
Pesquisa “Trabalho remoto no brasil: percepções e avaliações dos trabalhadores”, realizada pelo Instituto Brasileiro de Economia, revela que 52% dos brasileiros consideram o trabalho híbrido ou remoto como ideal | Foto: Luiza Vaz

O valor dos aluguéis tem aumentado em muitos países ao redor do mundo, inclusive nos Estados Unidos da América e na Europa. Na América Latina, o Uruguai se destaca pelo alto custo de vida, sendo considerado o país mais caro para se viver, levando-se em conta os custos de aluguel e alimentação. Recentemente, em abril de 2025, o Brasil também sofreu um reajuste no valor dos aluguéis, o que afetou ainda mais a locação de imóveis para moradia.

Segundo pesquisa realizada pela plataforma de anúncios de imóveis Zap e pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), o aumento nos valores dos aluguéis se intensificou em 2022, após a pandemia. O mercado imobiliário foi significativamente impactado pela Covid-19. Josefa Moreno, coordenadora do curso técnico de Negócios Imobiliários do Centro Universitário FAG, explicou que, durante esse período, as pessoas se sentiam inseguras financeiramente em razão da situação global e, por isso, pararam de investir em imóveis - o que impactou diretamente o setor.

“Com o agravamento da pandemia, as pessoas passaram a cuidar um pouco mais de seus gastos”, afirma.

Com o avanço do home office, o nomadismo digital se popularizou. De acordo com o artigo científico Nomadismo digital, empreendedorismo online e o discurso dos novos modelos de trabalho na blogosfera, publicado pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), trata-se de um movimento que busca utilizar os recursos fornecidos pela internet para estabelecer novos modelos de trabalho e estilos de vida.

Ou seja, os nômades digitais trabalham com o uso de dispositivos eletrônicos e realizam a maioria de seus serviços online. É um estilo de vida que oferece flexibilidade de horários e local: é possível estar em um país da América Latina, por exemplo, e trabalhar remotamente para uma empresa europeia. No artigo, a autora explica que o termo “nômade digital” surgiu a partir do livro Digital Nomad, publicado em 1997 por David Manners e Tsugio Makimoto. A ascensão desse estilo de vida ocorreu nos anos 2000, com a evolução da internet.


Os nômades digitais e a gentrificação


Os nômades podem trabalhar em qualquer lugar do mundo, desde que tenham acesso à internet. Pela flexibilidade de horários e local, muitos optam por residir em destinos turísticos que sejam acessíveis. Dessa forma, além de receberem bons salários, têm a oportunidade de conhecer lugares que talvez não visitassem se não tivessem adotado esse estilo de vida. Dados divulgados em 2022 pela Fragomen, empresa de serviços de imigração, apontam que há 35 milhões de nômades digitais no mundo, número que pode chegar a 1 bilhão até 2035.

Um relatório da Global Citizen Solutions, empresa especializada em imigração e investimentos, mostra que Holanda e Espanha são países atraentes para nômades. A Holanda se destaca pela alta qualidade de vida e facilidade de aquisição do visto para viajantes. Já a Espanha oferece benefícios para trabalhadores remotos, incluindo possibilidade de residência permanente ou cidadania.

Barcelona, Madri e Valência se sobressaem em relação a outras regiões por oferecerem qualidade de vida, tecnologia e lazer - características que atraem nômades digitais. A imigração desses trabalhadores é economicamente vantajosa, tanto para eles quanto para os países que os acolhem. Por outro lado, a popularização desse estilo de vida pode prejudicar a cultura das comunidades locais originárias desses destinos, algo muitas vezes ignorado por entidades governamentais movidas por interesses econômicos.

As comunidades locais podem até se beneficiar do turismo, mas nesse caso específico são afetadas negativamente. O aumento da imigração de nômades digitais intensifica a gentrificação - processo de mudança urbana caracterizado pela valorização de bairros populares, influenciada pela chegada de pessoas com maior poder aquisitivo. Em entrevista, a arquiteta e urbanista Fernanda Rossi explica que, em teoria, a gentrificação surge de iniciativas públicas ou privadas com o intuito de trazer melhorias e qualidade de vida a determinados bairros.

“O problema surge com a especulação imobiliária. Ela revela uma triste realidade de desigualdade social existente na maior parte das cidades. O local pode ser desvalorizado por não ter segurança, beleza ou conforto, mas é moradia de pessoas de baixa renda. Assim que a região começa a receber investimentos e a ter condições básicas que deveriam ser acessíveis a todos, o custo de vida se eleva e segrega ainda mais essas classes, obrigando-as a morar cada vez mais longe”, afirma.

Paulo Porto, mestre e doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas e também graduado em História pela mesma instituição, explica o processo de gentrificação sob um viés sociológico.

“Entendo essa ação como o processo de redefinir um espaço urbano central originalmente ocupado por classes populares, grupos excluídos e população pobre, para redesenhá-lo como lugar turístico ou elitizado”, destaca.

Ele complementa dizendo que:

“É como se a gentrificação vedasse o acesso da população originária e marginalizada, permitindo entrada apenas da grande burguesia, detentora de alto poder aquisitivo”.

Nômades digitais geralmente recebem salários superiores à média salarial local, especialmente em países com custo de vida mais baixo. Na tentativa de lucrar com essa realidade, imobiliárias e locatários em regiões turísticas aumentam o valor do aluguel. Mesmo com esse acréscimo, o custo é suportável para trabalhadores remotos, mas não para a população local, que pode receber até quatro vezes menos.

“[A gentrificação] afeta diretamente os direitos básicos das comunidades locais, como acesso à moradia e às políticas públicas, transformando essas pessoas em cidadãos de ‘segunda classe’”, completa Porto.

Um estudo realizado pelo governo da Cidade do México mostrou que, anualmente, 20 mil famílias de baixa renda são expulsas da capital por falta de moradia acessível.


Airbnb como agente urbanizador


O Airbnb é uma plataforma de aluguel por temporada, criada em 2007, que conecta proprietários a viajantes em busca de acomodações temporárias. A empresa é vista como um agente urbanizador que contribui para a gentrificação por causar impactos significativos na dinâmica das regiões turísticas.

“Economicamente falando, o valor do aluguel versus o valor das reservas diárias pode demonstrar que um bom imóvel bem localizado é mais rentável no Airbnb do que como moradia. Um imóvel que antes era o lar de uma família pode se tornar um negócio para um investidor”, analisa Fernanda Rossi.

O Airbnb promove um processo de renovação urbana que leva à substituição de moradores de baixa renda por pessoas com maior poder aquisitivo. Segundo levantamento da própria plataforma, a empresa conta com mais de 5 milhões de anfitriões no mundo e já hospedou mais de 2 bilhões de viajantes. Nômades digitais e turistas preferem usar o serviço pela praticidade e confiança: com poucos cliques, é possível reservar acomodações de forma rápida. A empresa está consolidada no mercado imobiliário global.

Diante dos impactos da gentrificação nas comunidades locais, o governo de Barcelona anunciou, em 2024, que proibirá o aluguel de apartamentos para turistas, como os oferecidos pela plataforma. O objetivo é conter a alta dos preços e reduzir o percentual de imóveis voltados à locação por temporada, para que mais unidades estejam disponíveis como moradia. A medida será implementada gradualmente até 2028.


Segundo levantamento feito pelo governo, há 10 mil apartamentos cadastrados como imóveis para aluguel de curto prazo na cidade de Barcelona, situada na Espanha | Foto: Luiza Vaz
Segundo levantamento feito pelo governo, há 10 mil apartamentos cadastrados como imóveis para aluguel de curto prazo na cidade de Barcelona, situada na Espanha | Foto: Luiza Vaz

A gentrificação e a especulação imobiliária em regiões turísticas tornaram-se extremamente visíveis. Além de Barcelona, outros governos já reconhecem os impactos negativos que desabrigam populações originárias e menos favorecidas. Medidas semelhantes têm sido adotadas em outras regiões da Europa e em Portugal.

No Brasil, a gentrificação avança nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, especialmente em bairros como Vila Madalena, Jardim Paulista e na região do Parque Olímpico.

“Considero um processo complexo e difícil de evitar por completo, pois envolve interesses financeiros por parte dos municípios, que muitas vezes priorizam arrecadação sem o devido cuidado com seus cidadãos. O que poderia ser feito, inicialmente, é um bom planejamento urbano, com visão de futuro, que considere que a chegada de novos moradores exigirá maiores investimentos do poder público”, conclui Josefa Moreno.



5 comentários


Arrasou parabéns pelo texto Luiza.

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Kariny Camilo
Kariny Camilo
12 de jun.

Parabéns pelo texto!

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Que interessante Luiza. Parabéns, ótimo texto!!

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Que assunto interessante Luiza, arrasou!! 👏

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👏🏻👏🏻

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Produzido pelos acadêmicos do 5º período do curso de Jornalismo do Centro Universitário FAG, na disciplina de Webjornalismo, sob orientação do professor Alcemar Araújo.

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