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Miguel: o herói da capa azul e branca

Atualizado: 23 de mai.

Força, cuidado e esperança em uma história que nasce entre agulhas, sorrisos e superação


Em tratamento no hospital, Miguel veste sua capa azul e branca enquanto contempla, com brilho nos olhos, a camiseta do seu time do coração, o Flamengo | Foto: Arquivo pessoal
Em tratamento no hospital, Miguel veste sua capa azul e branca enquanto contempla, com brilho nos olhos, a camiseta do seu time do coração, o Flamengo | Foto: Arquivo pessoal

Dentro dos corredores silenciosos da União Oeste Paranaense de Estudos e Combate ao Câncer (Uopeccan) - um hospital localizado no município de Cascavel-PR -, há um tempo que não se mede por relógios. Ali, os dias são contados em ciclos. Os minutos, em doses. E os segundos, em suspiros de coragem. É nesse universo, longe da pressa do mundo lá fora, que Miguel Veronese, de 10 anos, veste sua capa invisível - feita de bravura, esperança e um avental azul e branco.

Quando Miguel foi diagnosticado com sarcoma de Ewing - um câncer maligno e raro que começa no osso da mandíbula e atinge partes moles - era março de 2023 e ele tinha apenas 8 anos. O menino só queria jogar futebol com os amigos, brincar de lutinha, assistir aos jogos com o irmão e viver tranquilamente essa fase da infância. Mas, em vez disso, recebeu um diagnóstico que virou sua vida e a de toda a sua família do avesso.

A mãe, Jossimara Veronese, relatou os sintomas iniciais. Miguel, um menino ativo e brincalhão, começou a sentir fortes dores na mandíbula após uma tarde de brincadeiras na rua. Preocupada, ela suspeitou de uma fratura, especialmente porque o filho utilizava um aparelho ortodôntico móvel. "Ele dizia que queimava e doía muito", relembrou. No dia seguinte, buscou atendimento com a dentista responsável pelo aparelho, que não encontrou nenhuma anormalidade. Ainda assim, a mãe decidiu levá-lo ao pronto-socorro, onde uma radiografia revelou uma possível fratura leve na mandíbula. A orientação foi clara: procurar um especialista em cirurgia bucomaxilofacial.

A situação se agravou quando Miguel passou a ter dificuldade para abrir a boca. Exames mais detalhados confirmaram a fratura, mas, felizmente, ela estava calcificando de forma natural, dispensando cirurgia. Com o tempo, o garoto apresentou melhora e a rotina da família voltou ao normal. No entanto, em setembro, as dores retornaram. Desta vez, além da dor, a mãe notou um caroço visível próximo à mandíbula, acompanhado do crescimento de um tecido na região interna, onde deveria nascer o dente do siso. "Mostrei à dentista, e ela disse que o dente estava nascendo, mas não havia espaço para ele", contou. Diante disso, um novo exame panorâmico foi solicitado.

Ela ainda se recordou de como a notícia do diagnóstico se espalhou rapidamente. Começou entre os familiares mais próximos, que tentavam compreender como algo tão sério podia acontecer com alguém tão pequeno. Depois, alcançou os corredores da escola, onde professores e colegas estranharam a ausência repentina de Miguel. Algumas crianças perguntavam, outras apenas sentiam sua falta, sem entender exatamente o motivo.

Jossimara, antes acostumada a uma rotina comum entre trabalho, tarefas escolares e brincadeiras com o filho, passou a viver dentro do hospital. O relógio de seus afazeres pessoais foi substituído pelos alarmes de medicamentos. Os planos de férias de fim de ano foram trocados por longas internações, exames e agulhas.

O menino, aos poucos, percebeu que algo estava errado. Não podia mais correr como antes, nem brincar na rua com os amigos. Os brinquedos ficaram guardados, as visitas, restritas. Seus cabelos começaram a cair, e os enjoos se tornaram rotina. Mas, surpreendentemente, a criança enfrentava cada dia com uma coragem silenciosa: não reclamava, observava tudo com olhos atentos, como quem tentava entender o porquê daquilo tudo.

Os médicos, já acostumados com diagnósticos duros, também se comoveram com a doçura de Miguel.

Havia algo especial na forma como ele lidava com a dor: uma aceitação precoce, madura demais para sua idade. Ele não perguntava com frequência por que aquilo havia acontecido com ele. Apenas seguia, como se tivesse compreendido que havia uma batalha a ser vencida - e que sua missão era confiar.

A mãe relatou ainda que a equipe da Uopeccan era humanizada e carinhosa. Procuravam tornar a rotina menos árdua. Os avisos médicos eram profissionais e diretos quanto ao tratamento de Miguel. As enfermeiras eram muito queridas com o menino, e até a equipe da cozinha mostrava-se gentil. “Atendiam aos pedidos de açaí e sorvete de morango que o Miguel fazia”, relembrou.

Do lado de fora, uma multidão de amigos, vizinhos e até desconhecidos se organizou para ajudar. Mensagens de apoio chegavam pelas redes sociais e, principalmente, havia muita oração. Professores, colegas e familiares escreviam cartinhas para Miguel, o que o motivava.

Jossimara, entre lágrimas e noites mal dormidas, contou que aprendeu a ser forte de um jeito que nunca imaginou. Para ela, mesmo diante do medo constante, foi nos pequenos sinais de melhora que encontrou esperança: um sorriso tímido após um dia difícil, o apetite que começava a voltar, e a força com que ele resistia, mesmo em meio à fragilidade.

Hoje, Miguel vê seus cabelos começando a crescer novamente, e a rotina, aos poucos, voltando ao normal. Ele ainda visita a Uopeccan para os tratamentos de manutenção, mas agora com um sorriso mais leve, carregando no olhar a coragem de quem já enfrentou o pior. Seus exames mais recentes apontam excelentes resultados e, segundo a mãe, ele está respondendo muito bem ao tratamento.


Na última quimioterapia, o pequeno Miguel sorri como quem vence uma grande batalha | Foto: Arquivo pessoal
Na última quimioterapia, o pequeno Miguel sorri como quem vence uma grande batalha | Foto: Arquivo pessoal

Apaixonado por futebol, Miguel tinha como ídolo Messi - e ainda dizia: “Eu vou ser melhor que o Messi um dia”. Em dezembro de 2024, ganhou uma linda festa de aniversário. A temática não poderia ser diferente: futebol, com direito a camiseta do Messi, presente da tia, e fogos de artifício na hora do parabéns.


Miguel comemorando seus 10 anos com uma festa cheia de alegria. O tema? Futebol - escolhido por ele, é claro | Foto: Arquivo pessoal
Miguel comemorando seus 10 anos com uma festa cheia de alegria. O tema? Futebol - escolhido por ele, é claro | Foto: Arquivo pessoal

A história de Miguel segue em construção - como tantas outras vividas, silenciosamente, entre corredores hospitalares e salas de espera. Enquanto houver crianças lutando como ele, haverá também a possibilidade de uma sociedade mais atenta, que escolhe enxergar, acolher e transformar.

Compartilhar trajetórias como a de Miguel não é dar visibilidade à dor: é reafirmar que ainda existem heróis de capa azul nos mostrando, dia após dia, o verdadeiro significado de coragem, afeto e esperança.

Adversário da vez: Sarcoma de Ewing


No jogo da vida, alguns adversários não usam chuteiras nem uniforme. Eles surgem em silêncio, infiltrando-se onde menos se espera - como o sarcoma de Ewing, um tumor maligno raro que pode atingir os ossos e tecidos moles do corpo.


Esse tipo de câncer é mais comum em crianças e adolescentes, e costuma aparecer nos ossos das pernas, braços, pelve e - como no caso de Miguel - na mandíbula. Ele é do tipo agressivo, daqueles que pressionam logo no início da partida.


Os primeiros sinais podem parecer jogadas ensaiadas da rotina: dores persistentes nos ossos; inchaço ou sensibilidade em determinada região; febre sem causa aparente e cansaço e perda de peso.


Mas, como um técnico atento, é preciso reconhecer os sinais e chamar reforços. O diagnóstico geralmente envolve exames de imagem, biópsias e acompanhamento de especialistas.


A estratégia para vencer esse adversário é complexa, mas possível: quimioterapia; cirurgia para retirada do tumor; radioterapia, em alguns casos. 


A resposta ao tratamento depende de vários fatores, como localização do tumor, estágio da doença e resposta do paciente. Mas, com um time bem escalado - médicos, família, fé e coragem -, as chances de vitória aumentam a cada rodada.


Miguel entrou nesse jogo com o coração no peito e esperança no olhar. E mostrou que, mesmo diante do pior adversário, ainda há espaço para dribles, superação e gol de placa.


11 comentarios


Arrasou, Léo!

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Obrigado por nos deixar conhecer o Miguel, Leo. Parabéns pelo texto!

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Que texto lindo!! despertou muitos sentimentos no decorrer dele👏

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Que relato emocionante, Leonardo. A forma como você costura a narrativa de Miguel com imagens do futebol, da infância e da luta pela vida transforma essa história em algo humano e inspirador. Seu texto é sensível, bem estruturado e respeitoso com a dor - sem cair no sensacionalismo. Isso é jornalismo com afeto, com presença. Continue escrevendo assim, com o coração atento e a escuta generosa. Histórias como a do Miguel merecem ser contadas com essa delicadeza.

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Que texto lindo Leo! a história do Miguel é incríel e você contou ela de uma forma belissima. Parabéns !! <3<3

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Produzido pelos acadêmicos do 5º período do curso de Jornalismo do Centro Universitário FAG, na disciplina de Webjornalismo, sob orientação do professor Alcemar Araújo.

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