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Mapas, jingles e dados perdidos: os jovens que viraram caçadores da história eleitoral brasileira

Atualizado: 2 de jun.

Antes mesmo de poderem votar, eles já mapeiam o passado eleitoral e descobrem candidatos e campanhas perdidas no tempo


Comício Político no Arco da Lapa, Rio de Janeiro | Foto: O Globo, Gabriel de Paiva
Comício Político no Arco da Lapa, Rio de Janeiro | Foto: O Globo, Gabriel de Paiva

A política é sempre um assunto delicado de se abordar na maioria das vezes. O peso de um debate em um ambiente comum, especialmente atualmente, tende a ser  polêmico e difícil de tratar  socialmente. A grande maioria do público adulto, que é participante do espetáculo da democracia, se interessa pelo assunto de eleição em eleição, deixando detalhes interessantes apenas em bases de dados que interessam exclusivamente a  analistas de campanha. No entanto, uma onda crescente de jovens politicamente ativos surpreende e ocupa esse espaço que pouco se imaginou ocupar. 


A nova geração política


Davi de Siqueira Weckwerth tem apenas 16 anos. Legalmente, ele só poderá votar a partir da eleição  de 2026, mas sua história com a política já vem de longa data.

“Desde cedo eu lembro de ir com minha avó na urna e apertar os botões. Eu gostava, e aquilo me tocava por algum motivo. Depois minha mãe começou a me levar em comícios e carreatas, e ali eu fui criando uma conexão com o tema”. Entusiasta de história e filosofia, ele começou a se aprofundar no assunto aos 13 anos, ao assistir um vídeo no YouTube sobre uma nova forma de preservar a história eleitoral: as estatísticas eleitorais.

O conceito é simples: o vídeo aborda uma eleição específica ou vários pleitos para o mesmo cargo. À medida  que a linha do tempo avança, ele apresenta os candidatos que concorreram, suas porcentagens e até mapas onde cada um obteve mais votos. O formato não é original brasileiro, mas se popularizou muito por aqui após o pleito de 2018. No entanto, um efeito que quase ninguém esperava era que esse conteúdo iria atrair outro tipo de público: os jovens. Davi, criou no final de 2021, um canal no YouTube com esse gênero. O que para alguns podia ser estranho, para ele se tornou hobby prazeroso. Começou a publicar vídeos com edições simples que, inicialmente, alcançaram poucas pessoas e, aproveitando o crescente interesse sobre o assunto provocado pelas eleições de 2022, atingiu números impressionantes:

“Teve semana que ganhei 1000 inscritos, um número que eu nunca mais consegui. Tive vários vídeos com mais de 100 mil visualizações e muitas pessoas começaram a acompanhar assiduamente o canal”. 

Após o pleito, Davi e outras pessoas se juntaram em uma comunidade e começaram a desenvolver um trabalho fundamental para a historiografia: o resgate de resultados e mapas do passado. Esse tipo de pesquisa resultou em descobertas como candidatos desconhecidos e mapas obscuros.

“O trabalho foi fantástico, e o resultado também. Já recebi mensagens de pessoas me perguntando como isso foi feito, curiosas com o fato. Tenho noção que o nosso trabalho é importantíssimo para a história eleitoral e esperamos que ela continue sendo preservada por muitos anos”, lembrou Davi,  que conta com orgulho sobre o papel da comunidade nesse projeto.

Um dos pontos mais destacados por Davi é a entrada de pessoas ainda mais jovens que ele. Acredite se quiser, há membros na comunidade com idades entre 11 e 13 anos.

“A maioria esmagadora, entre uns 85 a 90%, tem abaixo de 18 anos e digo que só uns 10% têm idade suficiente para votar. É algo impressionante pensar em como isso chegou até eles e o porquê disso ter acontecido”.

Jingles: Um fator importante!?


Um grande ponto nesse tipo de conteúdo é o uso de trilhas eleitorais. Muito provavelmente, você já teve algum jingle (aquelas músicas trazendo o nome de alguma pessoa que está pleiteando o cargo e seu número) preso na sua cabeça por algum candidato que nunca esqueceu. É com esse sentimento que o uso dos jingles nesse tipo de conteúdo trabalha. Quem não se lembra do clássico “Ey Ey Ey-mael: um democrata-cristão”, que emplacou as seis candidaturas fracassadas de José Maria Eymael à Presidência da República?  O Jingle foi composto por um alfaiate paulista chamado José Castro, quando o candidato tentava sua primeira eleição em 1985, para a prefeitura de São Paulo, e até hoje vive no imaginário dos brasileiros. 

Antigamente, faixas com a participação de grandes cantores da música brasileira eram comuns. Chico Buarque, por exemplo, já cantou em vários palanques nos anos 80 e 90, assim como outros grandes nomes, que participavam dos chamados “showmícios”. Prática proibida desde 2006, ela forçou os marqueteiros a abandonarem os artistas e ficarem em jingles “paródias”, que inclusive já gerou diversas disputas judiciais sobre o tema.

Dos mais clássicos até os mais obscuros, a comunidade tem como uma “submissão” a tarefa de encontrar faixas raras, o que eles chamam de Lost Medias. O termo, importado do inglês, significa, em tradução literal, “Mídias Perdidas”. Como o pleito é algo sazonal e grande parte dos conteúdos são descartados, alguns materiais se perdem com o tempo ou devido à má administração. Mas, graças ao trabalho de grupos como o de Davi, esses conteúdos são recuperados e disponibilizados na internet para consulta de todo o público.

No passado, os dados eram apenas disponibilizados para grupos de pesquisas e interessados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tendo seu acesso dificultado com a burocratização. Entretanto, com o avanço da digitalização, o órgão começou a digitalizar e disponibilizar relatórios, fomentando esse tipo de conteúdo com dados inéditos.

“Sem dúvidas, a digitalização facilitou muito esse processo. Acredito que o conteúdo do canal auxilia nesse trabalho historiográfico”, lembrou Davi.

Segundo o compositor de jingles mineiro João Silvera, resgatar o passado desse tipo de conteúdo é importante para os trabalhos atuais

“De vez em quando me pego ouvindo algum do passado, independente do lado. Eles são uma fonte histórica e meio para melhorar o trabalho de hoje”. 

Trabalhando desde 2010 com os jingles, João já atuou nas mais diversas campanhas: deputados, vereadores, prefeitos e até senadores já receberam suas criações. Ele hoje se diz muito feliz ao ver o esforço em ver trabalhos como o seu sendo preservado

“É fantástico. Saber que o povo ainda ouve e consome esse conteúdo.”, completou João.

Mudar para melhor


Entretanto, após dois anos com postagens nesse formato, ele cansou de repetir o mesmo estilo de vídeo. 

“O formato já estava saturado, e eu afirmei comigo mesmo: não vou continuar fazendo o mesmo. Tenho aversão à repetição. Então, decidi que iria apostar em um novo modelo que é diferente do que a massa já faz: o documentário”.

Ele iniciou o processo de montagem de um roteiro e entrou em uma nova frente de trabalho. Foram quatro meses de elaboração de textos, pesquisas e entrevistas para a entrega do produto final “1989: A Eleição Que Mudou o Brasil”. O conteúdo foi bem recebido pela comunidade, com entrevistas exclusivas com ex-presidenciáveis, imagens e jingles inéditos. 

“Deu muito trabalho, mas o resultado foi satisfatório. E quero continuar fazendo e mostrando esse lado”.

Atualmente, Davi concilia o tempo com os estudos e o cuidado com o canal. Pensativo sobre o futuro, ele se orgulha com o resultado atual e planeja que, no próximo pleito, ele consiga mais um pico de crescimento, com o tema voltando a estar em alta. Ele ainda destaca que foi graças ao canal que ele decidiu sua vocação: estar na política.

“Quem diria que um vídeo no YouTube ia render tudo isso. Me sinto bem ao olhar meu trabalho e as minhas últimas realizações. Espero que a comunidade no futuro continue a desenvolver esse trabalho e a preservar a história eleitoral”.

Se hoje Davi e a comunidade resgatam jingles e mapas esquecidos, no futuro, eles podem ser os arquivistas oficiais da nossa democracia – ou até os próximos candidatos a cargos públicos.


6 Comments


Toop demais o texto meus parabéns kauã.

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👏👏👏

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Parabéns pelo texto Kauã!

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Produzido pelos acadêmicos do 5º período do curso de Jornalismo do Centro Universitário FAG, na disciplina de Webjornalismo, sob orientação do professor Alcemar Araújo.

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