Representatividade e educação são pilares na revitalização da autoestima em cabelos crespos
“Ela quis ser chamada de morena/Que isso camufla o abismo entre si e a humanidade plena”.
As palavras de Emicida evidenciam a maneira como os negros são constrangidos na sociedade, a ponto de não querer serem vistos com tal. A psicóloga Liz Ribeiro conta que esses padrões influenciam de forma direta na mentalidade de jovens que, cada vez mais, necessitam de uma referência, alguém para se espelhar. “É muito complicado você se achar bonito quando o mundo diz o contrário”.
Cabelos crespos e enrolados, nomeadamente, demoraram a serem vistos por marcas e agências de modelos, influenciadas por uma cultura eurocentrista - visão ou abordagem que coloca a Europa e os europeus no centro de análises, interpretações e narrativas históricas, culturais e políticas. Isso afeta a aceitação e a autoestima de jovens que não se adequam aos padrões estabelecidos pela sociedade. “Pessoas com baixa autoestima costumam acreditar que não são tão boas quanto as outras, que suas vidas são mais difíceis e que não estão à altura da felicidade”, complementa Liz. De acordo com a psicóloga, isso afeta diretamente no desenvolvimento de ansiedade e estresse e cria no jovem um complexo de inferioridade em relação ao próximo.
Emanuela Fernandes conta que, ainda no colégio, sofreu preconceito pela textura do seu cabelo e esse preconceito continua na vida adulta.
"Quando criança eu não gostava muito de andar com muita gente. Sempre deixava o cabelo num coque, pra ninguém ficar falando. Isso me afetou ao ponto de sempre deixar o cabelo preso, levou muito tempo pra eu usar ele solto novamente”, relata.
Assim como em todos os aspectos da história, os negros superam esse paradigma capilar. Pessoas de cabelo crespo têm visto a si mesmas com mais beleza do que olhavam há tempos atrás e isso é o empoderamento. Uma palavra que pode soar um tanto clichê, mas é muito maior do que a autoaceitação. O empoderamento, nesse contexto, é um processo de revolução cultural, social e estética. “Eu fiz trança no cabelo só para ir no festival Tropicadelia. É algo que nos aproxima da cultura que nos criou. Não tem por que eu ter vergonha de quem eu sou”, conta Jean Santos, de 20 anos de idade, acadêmico de Ciências da Computação.
A representatividade é um fator essencial na promoção da autoestima e aceitação. Ver pessoas que se parecem com eles em posições de destaque e sucesso ajuda a combater a narrativa de que a beleza e o valor são exclusivos a determinados padrões. “A minha principal referência sempre foi a minha irmã. Ela sempre me incentivou a deixar meu cabelo solto e até hoje me ajuda a cuidar dele, seja com hidratação, finalização e até mesmo as minhas tranças quem faz é ela”, diz Emanuela.
A mídia e a indústria da moda desempenham papéis fundamentais nesse processo. Campanhas que promovem a diversidade, incluindo, diferentes tons de pele, tipos de cabelo e características físicas, são essenciais para redefinir o conceito de beleza. É importante que essas campanhas não apenas incluam pessoas pretas e pessoas de cabelo crespo, mas também celebrem suas características únicas sem tentar ajustá-las a padrões eurocêntricos.
O papel da educação
A educação também tem um papel basilar na desconstrução de preconceitos e na promoção da aceitação. Iniciativas educacionais que abordam a história e a cultura afro-brasileira de maneira abrangente e respeitosa são essenciais. Isso ajuda jovens negros a valorizarem sua própria história e identidade, além de educar outros grupos sobre a importância da diversidade e do respeito cultural.
“O papel dos profissionais de forma geral, é de informar. O que nos relaciona com os outros ser humano é sempre uma caixinha de surpresas, mas com cautela e paciência sempre podemos obter bons frutos dentro de nossas relações”, conclui a psicóloga. A educação, juntamente com a representatividade e o respeito cultural, pode ser a chave para uma mudança na forma como a sociedade vê e valoriza a diversidade.
Apropriação ou não?
A aceitação cultural, entretanto, não deve ser confundida com apropriação cultural, um conceito frequentemente discutido e debatido. “A apropriação cultural é quando alguém pega algo de outra cultura, como roupas, música, símbolos ou tradições, sem realmente entender ou respeitar o seu significado. É como se estivessem apenas pegando uma "moda" ou "estilo" sem se importar com a história ou o valor que aquilo tem para o povo de onde veio. Isso pode ser bem problemático porque pode reforçar estereótipos e desrespeitar as pessoas que fazem parte dessa cultura. É importante lembrar de valorizar e respeitar as culturas dos outros, não só tirar o que convém”, explica o historiador José Silva.
Tranças nagô, dread locks, twists, box braids são apenas algumas das diversas formas de arte que o cabelo crespo pode proporcionar ao seu dono. Quando se fala em cabelo crespo, não se fala dele apenas na sua mais pura forma. Trata-se de uma textura na qual a criatividade é o limite. Não são penteados exclusivos de pessoas com cabelo mais enrolado ou de pele escura, mas a sua história e sua origem estão evidentemente relacionadas a essas pessoas.
A pergunta que muitos fazem é: “Quem pode fazer tranças e penteados assim?”. O trancista Gustavo Zulu, cabeleireiro experiente em cuidados dos cabelos crespos, responde: “Qualquer um! Seja você branco, preto, amarelo. Independente de quem você é. A única coisa que se deve ter é respeito pela cultura, entender a história, o porquê as tranças foram criadas. Se você entende e respeita, sinta-se à vontade. Só vai aumentar sua autoestima, garanto”.
Texto potente e de extrema importância nos dias atuais… Parabéns pela escrita, Kris! É sempre bom entender um pouco mais sobre esses assuntos, principalmente quando ele é capaz de empoderar tanto um povo! ❤️🔥