Entre cálculos e traumas
- Luiza Tiemi Sakurada
- 29 de jun.
- 3 min de leitura
Uma história sobre bullying e agressão, mas que não vem de um colega qualquer. Vem de uma autoridade

Calma. Sem ansiedade. Inspira. Expira. Inspira. Expira. Expira. Pera, não era inspira? Ai, me perdi. Tá. De novo. Inspira. Expira.
Vai dar tudo certo. A fórmula de bhaskara não pode ter mudado enquanto eu dormia. Ou pode? Não, eu não estou louca. Como era mesmo? “X” é igual a quê? Ai, não!
Como pode uma prova me deixar tão ansiosa? Como pode uma matéria me fazer sentir tão incapaz? Como pode ficar tão nervosa por uma aula? Não, essas coisas são apenas os indícios do meu real problema.
É aquela pessoa. A razão das minhas noites mal dormidas de quinta-feira. O motivo pelo qual eu torço para ficar doente: febre, dor de cabeça, qualquer desculpa serve. A pessoa que me fez mudar de sala e deixar meus amigos para trás. Sempre me observando, sempre esperando o menor deslize. Eu achei que tinha deixado esse problema no ensino fundamental. Mas cá estou eu, no terceiro ano, e ela no meu pé de novo. A mesma de sempre. Só que não é um colega maldoso.
É a minha professora de matemática.
Assim que chego na sala, vou em direção a minha amiga e pergunto se ela pode me ajudar a lembrar. Ela pega meu caderno:
- Amiga, porque você copiou os gráficos em todos os exercícios? Não precisava, era só a fórmula.
Depois daquela mulher ter falado que eu não me esforçava o suficiente e meu caderno estava uma bagunça, comecei a copiar exatamente o que estava no livro e fazia anotações a mais do necessário. Eu não queria correr riscos.
Minha amiga rabisca uma equação de cabeça e começa a puxar setas indicando para qual direção eu deveria “jogar” os números. Jogar? Como assim? Isso não era matemática? Sinto as lágrimas se formarem. Eu sei que não posso ir mal nessa prova, não em mais uma. Não posso dar mais motivos para ser chamada de burra na frente de todos.
Eu não vou suportar, assim como não suportei:
Quando me trocou de lugar para eu ficar mais “pertinho” dela e entender melhor o conteúdo. Quando ela bateu na minha mesa e todos da sala olharam para mim. Quando ela me disse na frente da turma que eu não ia ter futuro. Quando ela ignorava as minhas perguntas. Quando ela me usava de exemplo sobre o que não fazer. Quando eu tinha apenas 12 anos.
O calor nas mãos incomoda. Estão úmidas, escorregadias. O lápis insiste em escapar, como se soubesse que eu não vou conseguir mesmo. E eu já nem lembro como se segura isso direito. Olho para os lados. Minha amiga está tranquila, nem tirou o estojo da mochila.
Eu passei a noite toda estudando. Resolvendo exercícios. Acabei indo atrás de uma professora particular para ela me explicar com mais calma. Eu já não arrisco tentar tirar dúvidas em sala, não adianta. Nunca obtenho respostas e se elas vêm, sempre estão acompanhadas com um tom sarcástico que me faz encolher.
Eu sei, ela comenta com meus colegas o quão devagar eu sou e o quão “preocupada” está comigo, em como ela não entende o que pode fazer por mim, que ela já “tentou de tudo”.
Ela acha que eu não ouço quando diz que não sabe o que vai ser de mim. Até parece que ela nunca fala essas coisas olhando diretamente para minha carteira.
Escuto os passos no corredor e me arrepio. Meus olhos passam por todas as minhas anotações antes de guardar meu caderno. As folhas estão preenchidas com contas e respostas. Parece que as letras se juntam com os números e formam um borrão incompreensível. Já não entendo mais nada. Me desespero.
Eu já não deveria mais sentir tanto medo. Não sou mais uma criança que teme qualquer desaprovação. Mas, em sala, parece que a única opinião que importa é a dela. Parece que as condenações são validadas pelo meu desempenho em suas aulas. Me custou entender que não posso mais aceitar seus julgamentos.
A porta se abre. Meu coração acelera e meus ombros enrijecem. Por favor, não me note.
- Alguém ainda tem alguma dúvida sobre a matéria? Gente, o conteúdo é muito fácil. Tem que ser muito burro para errar. A prova está dada.
Olho para minha avaliação e o desânimo toma conta de mim. Levanto meus olhos e a vejo me encarando como se estivesse esperando que eu tirasse uma cola da minha mochila.
E naquele instante, sei que não é a matemática que está me reprovando.
É ela.
Parabéns Luiza pelo texto.