Endometriose: a doença que não pode mais ser normalizada
- Kariny Camilo
- 21 de jun.
- 5 min de leitura
Atualizado: 2 de jul.
“A palavra normal vem de uma banalização por causa da frequência”, comenta o Dr. Vinicius Gelletto

A cada 10 mulheres, uma pode apresentar algum grau de endometriose. Segundo o doutor Vinicius Galletto, a doença pode ser definida como a presença de células semelhantes ao endométrio - a camada interna do útero - localizadas fora da cavidade uterina, implantadas ou geradas na membrana que reveste a cavidade abdominal e pélvica.
Em palavras mais simples, podemos entender que o endométrio é como um tapete que reveste o útero. Normalmente, esse tapete é descartado todos os meses durante a menstruação. Mas, na endometriose, pedaços dele começam a crescer em outros lugares do corpo.
Formado em Medicina pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) desde 2013, Vinicius Galletto é especialista em ginecologia e obstetrícia, oncologia pélvica, cirurgia videolaparoscópica, endoscopia ginecológica e cirurgia robótica. Nos últimos anos, passou a se dedicar à cirurgia ginecológica avançada, com foco no tratamento da dor pélvica e em procedimentos complexos, como os voltados para endometriose e miomectomias.
O doutor explica que os sintomas da doença estão quase sempre relacionados ao período menstrual. “A endometriose gera um processo proliferativo menstrual que ocorre fora do útero, causando uma resposta inflamatória responsável pelos sintomas e sequelas da doença”.
Entre as principais queixas estão dores intensas durante a menstruação, dor lombar, desconforto nas relações sexuais, distensão abdominal, alteração do funcionamento intestinal - tanto diarreia quanto constipação -, dor ao evacuar, desconforto urinário e variações na frequência urinária.
“São diversos sintomas relacionados, mas é importante lembrar que a paciente não precisa apresentar todos eles. A simples exacerbação de sintomas inflamatórios, como fadiga durante o período menstrual, já pode indicar algum grau de endometriose”, ressalta o médico.
Apesar de ser uma condição comum, a endometriose ainda é pouco conhecida por grande parte da população, e, por muito tempo, seus sintomas foram tratados como “normais”. Solainy Camilo, de 26 anos, foi diagnosticada recentemente. Ela relata que sempre sentiu muito desconforto durante o período menstrual.
“Sempre sofri bastante, com muita cólica - que me causava até desmaios - e fluxo muito intenso. Mas, quando eu era mais nova, quase ninguém falava sobre endometriose”.
Diante de sintomas persistentes e dolorosos, tratá-los como parte natural da menstruação pode ser um grande obstáculo para o diagnóstico e o tratamento adequado. A consequência, muitas vezes, é conviver com a dor por anos. A endometriose pode ter relação familiar, o que torna ainda mais comum a perpetuação de discursos que reforçam a ideia de normalidade. “Sempre tem aquela história: ‘sua mãe também tinha’, ‘sua avó também sofria assim’, ‘isso é normal na nossa família’. Ou, ainda, entre amigas, a mulher percebe que algumas não têm sintomas, mas outras sim - então acha que é apenas uma característica do ciclo dela”, observa o doutor.
Ele alerta que, mesmo quando os sintomas interferem na qualidade de vida, nas relações sociais e afetivas, a doença frequentemente é silenciada.
“A normalização da dor é o principal perigo para o menosprezo dos sinais da endometriose”, enfatiza.
“Mesmo com tanto sofrimento, ninguém levantava a hipótese”
Solainy explica que sempre procurava ginecologistas, mas nenhum deles considerava a possibilidade de endometriose. “Todo mundo sempre falava que eu tinha ovário policístico, mas que estava tudo normal”, contou. Em 2024, a jovem teve uma crise intensa de dor lombar. Precisou ir ao pronto-socorro por quatro dias consecutivos e, mesmo com medicamentos fortes aplicados na veia, a dor não cedia. Na ocasião, chegou a receber o diagnóstico de hérnia de disco.
“Quem levantou a hipótese foi uma quiropraxista. Ela viu na ultrassonografia que eu estava com uma inflamação e sugeriu a possibilidade de endometriose. Aí fui atrás de um ginecologista especializado (o doutor Vinicius)”.
Após relatar seu histórico de saúde e descrever os sintomas, foi o suficiente para que o médico identificasse a suspeita de endometriose, mesmo antes da realização de exames específicos. Ele explicou que, muitas vezes, os exames de imagem não revelam a doença em suas fases iniciais, o que pode dificultar o diagnóstico se outros fatores não forem considerados. “A melhor forma de diagnosticar a endometriose é valorizar os desconfortos que a mulher sente durante o ciclo”, afirmou.
É comum sentir certo incômodo durante a menstruação, mas isso não significa que seja normal. O médico ressaltou que o atraso no diagnóstico pode estar relacionado, inclusive, ao menosprezo dos sintomas relatados pelas pacientes durante a consulta. “Se formos esperar sinais radiológicos evidentes, vamos demorar demais para diagnosticar. Pode ser que a paciente passe a vida toda lidando com formas mais superficiais da doença, que não necessariamente aparecem nos exames”, alertou.
“Agora mudou tudo, porque eu entendo meu corpo e reconheço a minha doença”

O tratamento da endometriose é baseado em um tripé: controle inflamatório, uso (ou não) de métodos hormonais e cirurgia minimamente invasiva. O doutor Vinicius explica que o controle inflamatório é essencial, pois é a resposta inflamatória que gera os sintomas da doença; o uso ou não de métodos hormonais visa reduzir a atividade da endometriose e proporcionar conforto à paciente; já a cirurgia tem como objetivo remover as áreas afetadas e restaurar a anatomia normal da pelve.
Para Solainy, o tratamento representou uma verdadeira mudança de vida. Ela adotou novos hábitos e também passou pela cirurgia.
“Agora mudou tudo, porque eu entendo meu corpo e reconheço a minha doença. Eu sei o que preciso evitar para ter qualidade de vida, sei que preciso me alimentar bem, sei que preciso praticar atividade física. E, a partir disso, tudo foi se transformando - ainda mais depois da cirurgia”, destacou.
Uma das principais mudanças em sua rotina foi a alimentação. Ela precisou adaptar a dieta, excluindo alimentos que contribuem para processos inflamatórios no organismo, o que ajuda diretamente na redução dos sintomas. Gorduras, doces, glúten, lactose, carne vermelha e farinha branca foram alguns dos itens retirados do cardápio.
Além disso, Solainy passou pelo procedimento cirúrgico em fevereiro de 2025 e, três meses depois, considera que teve uma recuperação excelente. Em seu caso, também iniciou o uso de métodos hormonais para controle da doença.
“Meus sintomas não têm nem comparação com o que eram antes. Ainda sinto uma cólica leve por causa da adaptação ao DIU, mas nada perto da dor que eu sentia antes”, relatou.
“Nunca acredite que é normal”
Hoje, o conselho de Solainy é para nunca acreditar que a dor é normal. “O ciclo menstrual não deve ser um sofrimento para a mulher. Ele não deve ser doloroso a cada mês. Porque a gente passa isso a cada 25 dias, então a gente vai passar a maior parte da nossa vida sofrendo? Se você sente alguma coisa, não normalize. Vai atrás, vai investigar, porque pode ser um sintoma”.
Nem toda dor é endometriose, mas toda dor precisa ser investigada e tratada.
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parabéns pelo texto
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