Cores além das fronteiras
- Kauã Felipe
- 4 de jul.
- 3 min de leitura
Torcedores de times fora do Brasil tem se tornado cada vez mais comuns atualmente

Entender uma paixão, em diversos aspectos, é uma tarefa dificílima. É enigmático, é curioso e desperta a atenção de quem ouve. João Aguiar Neto é baiano de Salvador. Com seus 50 anos, é jornalista e uma de suas principais paixões é o futebol. Quando criança, ele se lembra de brincar na rua com os amigos e familiares, que começaram a cultivar no pequeno João a paixão pela bola.
“Acredito que, na minha geração — ou na geração da minha idade, o futebol sempre vem de um avô, sempre vem de um pai”.
Foi ouvindo a saudosa era do rádio que João escolheu seu clube do coração: o Flamengo. A influência veio de seu pai, flamenguista fanático que inspirou a maioria de seus descendentes a seguir o mesmo caminho.
Caberiam duas paixões em um só coração? O baiano não imaginava que isso fosse possível. Quando, na década de 90, quase por acaso, esbarrou em uma história do outro lado do Atlântico.
“A minha conexão com o clube começa meio que por acaso. Eu fazendo uma pesquisa em maio de 94”.
Pesquisando aleatoriamente por fóruns na internet, esbarrou na curiosa e bonita história de como um clube de futebol da Baviera, um estado alemão, que resistiu e preservou sua identidade durante o regime nazista, que perseguiram pessoas ligadas ao mesmo.
“Alguns presidentes do Bayern de Munique foram perseguidos por serem judeus. Inclusive, alguns chegaram a ser enviados para campos de concentração. Teve um presidente que enterrou nossos troféus para que não fossem entregues à Alemanha Nazista como espólio de guerra”.
Cativado pela história, João começou a acompanhar o Bayern. Na época, os jogos do Campeonato Alemão eram transmitidos pela TV Cultura, da qual ele lembra muito e ainda relata a inspiração em Gerd Wenzel, jornalista brasileiro que foi um dos grandes responsáveis pela chegada do futebol alemão ao Brasil.
Anárquico, formador e com uma base forte. Assim ele resume o gigante da Baviera. O grito tradicional da torcida é repetido como um lema para João: “Mia San Mia” - que significa “Nós somos nós”. Aquele que não se rende à qualquer modernidade e que não busca agradar apenas para se encaixar.
Os anos foram passando, e João se orgulha em dizer que perdeu pouquíssimos jogos do clube. As ruas de Munique vibravam com cada gol, cada defesa, cada título — e essa emoção reverberava por muitos quilômetros. São 8.392 quilômetros que o separa da Baviera, o que ele trata com extrema naturalidade:
“Pode ser do outro lado do oceano, lá em Munique, lá na Baviera. É aquela coisa, é amar de longe, respeitar as tradições de longe. É ficar bravo quando acho que o time tem que investir mais, quando ele precisa investir [..], amar de longe é assim mesmo, é lidar com o que é calejado. É uma coisa constante, né? Que a gente fica se alimentando via transmissões. Eu não perco nenhum jogo do Bayern”.
A tecnologia não conseguiu proporcionar o gosto de ver, ao vivo, os principais ídolos do passado, que ele teve que conhecer por meio de histórias e recordes. Mas a história recente do clube está quase na ponta da língua, assim como seus ídolos: Neuer e Thomas Muller. O exemplo da lealdade e da gratificação conquista o respeito e a admiração, mesmo a quilômetros de distância. Os dois ídolos estiveram presentes em um dos momentos mais felizes de João como torcedor do clube alemão:
“A minha melhor memória com Bayern de Munique foi quando o Bayern de Munique ganha a Champions League do maior rival doméstico, o Borussia Dortmund, com jogador que anos antes foi escorraçado pela imprensa e por uma parte da torcida”.
Aquela tarde de 25 de maio de 2013 é muito bem lembrada com nitidez por ele. A equipe bávara estava aflita por ter, no ano anterior, perdido o título em casa para a equipe inglesa do Chelsea. A redenção vinda para ele e para o ponta holandês Arjen Robben teve uma sensação indescritível de vitória. E João Neto vibrou.
“Foi naquele Wembley lotado e ele fez o gol da Vitória em cima do nosso maior rival. E sendo uma Redenção para ele, para mim é minha maior emoção, minha maior referência se tratando de Bayern de Munique”.
Nas alegrias e nas tristezas, João Neto não abandona o vermelho da Baviera. E garante: a distância pouco importa. Ele segue firme — e continua sem perder nenhuma partida:
“O exercício de amar de longe é uma doce rotina. Espero, um dia, estar lá assistindo a um jogo em Munique, se Deus quiser”.
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