Consumo consciente: tendência e mudança de hábito
- Luiza Bernardi Vaz
- 6 de mai.
- 7 min de leitura
Atualizado: 7 de mai.
Projeto Pan acumula mais de 16 mil vídeos e incentiva adoção de práticas sustentáveis pelos consumidores brasileiros

Nos últimos meses, o consumo consciente tem ganhado destaque nas redes sociais como uma nova tendência de conteúdo. Segundo o TikTok, mais de 16 mil vídeos já foram publicados com a hashtag #ProjetoPan, envolvendo criadores de diversos países. O movimento propõe uma reflexão sobre os hábitos de consumo e vem influenciando o comportamento de usuários e consumidores ao redor do mundo.
Iniciativas como essa vão na contramão da lógica consumista que marca a sociedade desde o século XVIII, com o advento da Primeira Revolução Industrial. Esse período histórico foi marcado pela mecanização da produção, pelo surgimento das fábricas e por novas relações de trabalho. A produção em larga escala barateou custos, acelerou a fabricação de produtos e transformou radicalmente os padrões de consumo em escala global.
Antes desse processo, os bens eram fabricados artesanalmente, o que os tornava caros e inacessíveis para grande parte da população. A produção industrial em massa, por sua vez, popularizou o consumo ao reduzir preços, impulsionando uma cultura de compra desenfreada.
Apesar dos avanços tecnológicos proporcionados pela Revolução Industrial, as condições de trabalho nesse período eram precárias e degradantes — realidade que ainda persiste, em diferentes proporções, em grandes redes varejistas e marcas de fast fashion. Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego, 17% dos casos de trabalho análogo à escravidão no Brasil ocorrem na indústria, e 11% no comércio.
A globalização e os avanços da tecnologia ampliaram o alcance do consumismo. No Brasil, essa tendência acompanha o padrão mundial, fortemente influenciada pela publicidade, pela busca por status social e por estilos de vida promovidos nas mídias. Um levantamento da Serasa revela que 7 em cada 10 consumidores brasileiros já realizaram compras por impulso, e 72% se arrependeram da aquisição.
O endividamento é uma das principais consequências desse comportamento. Ainda segundo a Serasa, cerca de 73 milhões de brasileiros estavam endividados em fevereiro de 2025, sendo o cartão de crédito a principal modalidade de dívida registrada.
Por que consumimos tanto?
Entre tantos dados, uma pergunta continua ecoando na mente de pesquisadores e estudiosos: por que consumimos tanto? Filósofos como Zygmunt Bauman, Guy Debord, Néstor García Canclini e Immanuel Kant buscaram responder essa questão sob diferentes perspectivas.
Bauman, por exemplo, argumenta que o consumo se tornou um elemento central da identidade e das relações sociais na sociedade moderna.
A psicóloga Bruna Kunrath, em entrevista à reportagem, responde à pergunta sob o ponto de vista da psicologia. Segundo ela, os estudos de Freud e Lacan apontam que existe um vazio estrutural no ser humano - algo que nunca será totalmente preenchido. No entanto, muitas pessoas acreditam que podem preencher esse vazio por meio do consumo.
“Isso geralmente acontece quando a pessoa não tem uma inteligência emocional bem desenvolvida. Ela tenta suprir esse vazio com o ato de consumir, porque comprar gera uma sensação momentânea de prazer. A pessoa pensa: ‘comprei, pude pagar, estou com algo novo’ - e isso eleva a autoestima”, explica a especialista.

Bruna também diferencia dois conceitos frequentemente confundidos: consumismo e compulsão por compras.
“O consumismo é comprar sem necessidade, de forma impulsiva. Já a compulsão por compras também é impulsiva, mas muitas vezes inconsciente. A pessoa adquire produtos sem pensar no impacto financeiro ou na real utilidade daquele objeto. É algo subjetivo, ligado à sensação que ela busca ao consumir”, esclarece.
A psicóloga atua com a abordagem da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), que busca identificar e modificar padrões de pensamento e comportamento que causam sofrimento emocional. Em sua prática clínica, ela já atendeu pacientes com compulsão por compras e destaca que, muitas vezes, não são os próprios pacientes que percebem o comportamento problemático, mas sim familiares ou amigos, que acabam incentivando a busca por ajuda especializada.
O processo de identificação e tratamento, segundo Bruna, pode ser desafiador e emocionalmente intenso. “Nós começamos identificando o gatilho que leva ao comportamento de compra e os sentimentos que estão por trás disso. Depois, trabalhamos com a substituição do comportamento. Ou seja, a pessoa vai deixar de comprar compulsivamente e, no lugar disso, buscar prazer em outras atividades, como o exercício físico, por exemplo”, conclui.
O consumo consciente e seus objetivos
A onda de consumo excessivo tem gerado impactos negativos no meio ambiente, na economia e na sociedade. O consumo desenfreado contribui para a exploração exacerbada de recursos naturais, a produção elevada de resíduos, a poluição do ar e a perda de biodiversidade. Além disso, o consumismo pode agravar as desigualdades sociais e aumentar o endividamento da população.
Nesse cenário, ganha força o consumo consciente - prática que propõe escolhas mais responsáveis por parte dos consumidores, levando em conta os impactos ambientais, sociais e econômicos de cada decisão de compra. O objetivo é reduzir os efeitos negativos do consumo e promover um equilíbrio sustentável entre necessidade e impacto.
A popularização do consumo consciente tem sido impulsionada por fatores como o aquecimento global, os desastres climáticos e as consequências visíveis da degradação ambiental causada pelo excesso de consumo.
Diversos movimentos nas redes sociais têm incentivado essa mudança de mentalidade. Entre os mais populares estão o Projeto Pan e o Low Buy, que vêm ganhando destaque, especialmente entre os públicos jovens.
O Projeto Pan surgiu em 2017 em fóruns de discussão do Reddit, plataforma online onde usuários compartilham conteúdos e experiências. O nome vem da expressão em inglês “hit the pan”, que significa “atingir o fundo da embalagem” - originalmente usada no universo da maquiagem, quando um produto é utilizado até o fim. Com o tempo, o movimento se expandiu para incluir todos os tipos de embalagens e categorias de produtos, promovendo o uso integral dos itens antes de novas compras.
Já o Low Buy - termo que significa “comprar pouco” - incentiva um consumo mais moderado e intencional, evitando gastos por impulso. A proposta é planejar melhor as aquisições, focar na real necessidade e valorizar uma relação mais consciente com os bens de consumo.
Embora tenham origens diferentes, os dois movimentos compartilham objetivos semelhantes: fomentar uma relação mais saudável com os objetos de consumo, minimizar o desperdício e reforçar a importância do autocuidado de forma não materialista.
Os influenciadores digitais têm desempenhado papel importante na disseminação dessas ideias. Ao adotarem práticas como as propostas pelo Projeto Pan ou pelo Low Buy, compartilham o processo de adaptação com seus seguidores, gerando identificação e engajamento. A exposição nas redes sociais contribui para que mais pessoas se interessem pelo tema e, eventualmente, passem a repensar seus hábitos de consumo.
Influência no meio digital
Fifi Macedo é um exemplo prático do que foi discutido no parágrafo anterior. Aos 28 anos, recém-formada em Psicologia, ela encontrou nas redes sociais - especialmente, no TikTok - um espaço para compartilhar reflexões e hábitos relacionados ao consumo consciente. Seu primeiro contato com o tema aconteceu ainda em 2016, por meio do YouTube, quando passou a acompanhar blogueiras internacionais que falavam sobre o assunto, antes mesmo de ele ganhar notoriedade no Brasil. “Eu acompanhava muito a Kelly Gutch. Ela falava bastante sobre maquiagem, mas um dia decidiu usar o que já tinha em casa, sem comprar mais nada”, lembra Fifi.
Outra referência foi a blogueira Hannah Louise Poston, que passou por um processo de compulsão por compras e se viu endividada. “Foi assim que eu comecei”, completa.

Em 2018, Fifi iniciou seu primeiro Projeto Pan, com o objetivo de dar mais utilidade aos produtos de maquiagem que já possuía. Ela fotografava os itens no início do processo e seguia documentando a evolução, registrando o uso até o fim dos produtos. “Eu não era ativa nas redes sociais, mas nos últimos anos comecei a me engajar mais com esse tipo de conteúdo”, relata.
O hábito de compartilhar seu progresso atraiu a atenção de outras pessoas, que se identificaram com sua proposta e passaram a adotar práticas semelhantes, formando uma comunidade voltada ao consumo consciente. “Eu nem percebia que estava falando disso. Criei um TikTok para falar sobre o que eu gostava. Depois pensei: ‘sou uma influenciadora? Uma criadora de conteúdo?’”, diz, entre risos.
Hoje, Fifi Macedo soma mais de 39 mil seguidores no TikTok e mais de 2 milhões de curtidas. Seu vídeo mais popular, intitulado “Criar o consumidor antes do produto”, acumula 1 milhão de visualizações e 209 mil curtidas. Embora diga que não pretende tornar o TikTok sua principal atividade, ela deseja manter o canal ativo e engajado com temas que considera relevantes.
Para ela, os movimentos como o Projeto Pan e o Low Buy ajudam no planejamento financeiro e na redução do consumo excessivo, mas não substituem acompanhamento psicológico em casos mais graves.
“Se alguém tem um problema sério com compulsão, se isso ocupa sua energia psíquica de forma intensa, é algo que precisa ser olhado com atenção. Se possível, com o apoio de terapia”, alerta.
O consumo consciente tem promovido mudanças positivas nos hábitos de quem adota a prática, mas, como Fifi ressalta, não é uma solução definitiva.
As tendências comportamentais podem mudar, mas o sistema econômico em que estamos inseridos ainda é o mesmo. O capitalismo, baseado na propriedade privada dos meios de produção, na acumulação de capital e na busca por lucro, depende do consumo para se sustentar. Se o consumo cai, o lucro também.
Em busca de manter essa engrenagem funcionando, muitas indústrias continuam incentivando o consumo impulsivo, sem considerar os impactos ambientais e sociais dessa prática.
A decisão final, porém, ainda está nas mãos do consumidor. A consciência precisa partir dele.
Cabe a cada um escolher entre seguir o comportamento esperado e aceito pelo sistema - ou romper com ele e adotar um estilo de vida mais consciente e sustentável.
Ótimo texto, Lu, parabéns! Infelizmente muitas vezes nos tornamos dependentes do consumo sem perceber.
Adorei essa leitura!
Arrasou no tema, parabéns!
Que texto necessário e bem escrito! Nos faz refletir e repensar nossos hábitos de consumo. Parabéns, Luiza.
Um trabalho primoroso, Luiza. A reportagem articula com profundidade dados, contexto histórico, teorias filosóficas e vozes especializadas para construir uma narrativa envolvente (e necessária) sobre consumo consciente. O equilíbrio entre informação e sensibilidade torna a leitura instigante do início ao fim. Parabéns pela apuração e pela escrita tão cuidadosa.