“Comer é um ato político": restaurante em Cascavel une sabor, consciência e afeto
- Leonardo de Oliveira
- 7 de jun.
- 4 min de leitura
Atualizado: 8 de jun.
No Virado, a chef Carol Araldi transforma a cozinha vegetariana em espaço de acolhimento, ativismo e memória afetiva

Falar de gastronomia é explorar um universo tão rico quanto afetivo. No Brasil, esse universo é ainda mais vasto, com sabores que revelam identidades, histórias e tradições. Mas, diante de tamanha diversidade, uma pergunta se impõe: o que sabemos - melhor, o que sentimos - quando o assunto é a culinária vegana? Em meio a tantas receitas consagradas, decidi olhar para uma tendência que cresce silenciosamente, mas com propósito: a escolha por uma alimentação mais consciente, ética e transformadora.
Foi assim que cheguei até Carol Araldi, uma chef que faz da cozinha um espaço de questionamento, afeto e, acima de tudo, mudança.
O que muitos ainda desconhecem é que a culinária vegetariana e vegana vem se popularizando cada vez mais. E ninguém entende isso melhor do que Carol, chef e proprietária do Virado, restaurante que oferece um cardápio “diferentão” bem no centro de Cascavel (PR).
Carol se define como flexitariana. Vale uma pausa: vegetarianos excluem completamente carnes da alimentação. Veganos vão além - eliminam qualquer produto de origem animal, como ovos, leite, mel e até roupas de couro. Já os flexitarianos adotam uma dieta majoritariamente vegetal, mas sem abandonar totalmente os alimentos de origem animal. Trata-se de uma escolha consciente, gradual, sem extremismos.
A relação de Carol com esse estilo de vida começou há cerca de oito anos, motivada pela causa animal. “Eu não vejo humanidade na indústria da carne. É uma vida muito cruel para os animais. Muitos já nascem destinados ao abate”, afirma. Hoje, embora ainda consuma esporadicamente alimentos de origem animal, ela tem convicção: se pudesse, criaria os próprios animais para garantir que vivessem com dignidade até o fim.
Quando pergunto o que mais mudou em sua vida desde que adotou esse novo olhar, ela é direta: o emocional. “Estar em paz com o que acredito fez uma diferença gigante”, explica, completando com uma de suas frases mais fortes: “Comer é um ato político.” Cada escolha à mesa carrega valores, crenças e impactos. “Não dá pra esperar que alguém que passou 20 anos comendo carne mude da noite pro dia. O corpo precisa se adaptar. O emocional também. E é sempre importante buscar orientação nutricional”.
Hoje, à frente do Virado, Carol sente que vive seu propósito. Sempre sonhou em ter um restaurante - e não só o tem, como o construiu com as próprias mãos e ideias. Começou ao lado de um amigo e sócio, mas logo seguiu sozinha. No espaço, ela é tudo: chef, garçonete, garota-propaganda, gestora, criadora e embaixadora de uma filosofia que vai muito além do prato.
Ela conta que sente, todos os dias, que está plantando sementinhas. “Quando o cliente pergunta o que significa essa frase na parede, ‘comer é um ato político’, eu explico. É sobre a escolha de vida, sobre pensar no que você consome, de onde vem e para onde vai”.
Um detalhe curioso é que a maioria do público do restaurante come carne. E talvez esse seja justamente o segredo. Em vez de criar um cardápio “de nicho”, Carol transformou pratos tradicionais em versões vegetarianas irresistíveis. Um exemplo? A feijoada é feita com cogumelos e carnes vegetais, que conquista até os carnívoros mais fiéis. “Ela tem um sabor diferente, e os clientes elogiam muito. A ideia é justamente essa: adaptar de forma menos brusca, para que todos se sintam acolhidos”. Ao experimentar uma das opções do restaurante, me encantei com a mojica de palmito com macaxeira - saborosa, reconfortante, surpreendente.

Segundo Carol, o paladar das pessoas não está necessariamente mudando - o que elas buscam é conforto. Por isso, as mudanças alimentares precisam vir acompanhadas de afeto e acolhimento.
“As pessoas têm resistência. E, sim, existe preconceito. Já aconteceu de clientes entrarem, verem que é um restaurante vegetariano e irem embora. Outros se incomodam com a bandeira LGBT na parede. Mas isso acontece em todo lugar. Eu lido bem. Quem fica entende a proposta. E se conecta com ela”.

E falando em conexão, pergunto a ela como enxerga a relação entre pessoas com estilos de vida diferentes à mesa. A resposta é simples, mas cheia de significado: “É como uma família. Tem aquele tio que pensa diferente, que vive de outra forma. Mas quando vocês se sentam juntos, se escutam, se respeitam, a conexão acontece. De algum jeito, acontece.”
No fim, talvez essa seja a maior lição de Carol Araldi: quando se faz com amor, nada pode ser realmente ruim. “Não precisa de técnica, nem de diploma. Se fizer com carinho, com o melhor de si, a comida toca quem está do outro lado”.
E quem passa pelo Virado sente isso logo na primeira garfada. Porque mais do que um restaurante, aquele espaço é uma extensão do coração de quem cozinha - é uma porta aberta para repensar o que, como e por que comemos.

Que texto legal Leo!! Arrasou.
Caramba, que energia boa da Carol. E parabéns pelo texto, Leo! Achei incrível a dieta flexitariana, consciente e sem extremismos. Confesso que nunca tinha ouvido falar sobre.
👏👏