Cabeça de campeão: vitórias que começam na mente
- Yudi Kajiyama Guimarães
- 14 de jun.
- 6 min de leitura
Atualizado: 17 de jun.
Jogo mental enfrentado por esportistas continua sendo um tabu dentro do mundo dos esportes

Saúde mental é um estado de equilíbrio e bem-estar psicológico, emocional e social. Ela influencia a forma como uma pessoa pensa, sente e age em relação a si mesma, aos outros e ao mundo. No entanto, no mundo dos esportes, esse tema ainda é tratado como um tabu, algo que precisa ser evitado ou escondido.
Mesmo com diversos casos de problemas psicológicos se emergindo no esporte, como o caso da ginasta estadunidense Simone Biles, do jogador de futebol Yuri Alberto, do nadador Michael Phelps e, mais recentemente, do ex-treinador da seleção brasileira de futebol, Adenor Leonardo Bachi, mais conhecido como “Tite”. Todos estes exemplos destacam que passaram por episódios de crise devido à falta de cuidado com a saúde mental, um elemento de extrema importância quando se trata de atletas de alto rendimento.
“O psicológico é muito importante para um atleta, pois tem que saber lidar tanto com os momentos bons quanto com os ruins. Passamos por várias fases dentro do esporte, e saber lidar com elas é fundamental”, conta Rafael Moschen Zanotto, o “Feijão”.
Rafael, ou Feijão como é conhecido, é jogador de futebol de salão e, apesar de ter apenas 22 anos, já teve que enfrentar diversos momentos em que não estava bem psicologicamente para jogar.
“No meu início ao profissional, entravámos em quadra com o dever de não errar nada, não errar um passe, não errar na marcação e nem em uma finalização. Então, acabávamos entrando muito tensos em quadra, e quando errávamos um passe ou algo do tipo, nossa consciência começava a pensar muitas coisas negativas, nos deixando para baixo. Essas são coisas que os torcedores normalmente não veem ou acham bobas de um profissional ter”, comentou Feijão.

De acordo com um estudo publicado em 2019 pelo British Journal of Sports Medicine, 34% dos atletas de elite apresentam sintomas de ansiedade ou depressão.
Para o Feijão, sentimentos como esse surgiram em sua carreira após uma partida ruim.
“Foi a pior partida da minha vida, um jogo em que precisávamos ganhar. Eu acabei entregando três gols ao adversário, e meu psicológico ficou abatido. Fiquei uma semana pensando só em coisas negativas, devido aos comentários que escutava de outras pessoas”, comentou.
Entretanto Rafael, adotando uma atitude que é fundamental na vida de qualquer atleta, encontrou seu método para sair dessa maré de pensamentos negativos que atrapalharam o seu desempenho. Tomou coragem e procurou a ajuda de um profissional.
“Sempre tentei pensar em coisas positivas, nunca deixando que um erro me atrapalhasse, sempre comento sobre isso com meus companheiros em momentos difíceis, pois sabemos que nosso potencial é enorme e não é um erro que irá nos colocar para baixo. Então, se acabarmos errando, não há tempo pra se lamentar, o jeito é colocar pensamentos positivos na cabeça e tentar novamente, sem medo. Porém, tive um mês que fiz péssimas partidas. Fui até uma psicóloga para que ela me ajudasse a sair desses problemas, estava andando muito estressado com as coisas e muito apático, mas, depois da conversa com a profissional, pude enxergar a solução dos meus problemas. Consequentemente fiz gols nas próximas quatro partidas seguintes”, concluiu.
Feijão ainda aconselha:
“Pode até parecer besta, mas procurar uma psicóloga ou alguém com quem possa desabafar é, na minha opinião, a melhor solução. Por mais que a sociedade ainda ache que isso é coisa de ‘gente louca’, às vezes precisamos só conversar com alguém que possa nos entender e nos dar a melhor solução para resolver nossos problemas. Acho que uma conversa com alguém que entenda o que estamos sentindo é a melhor coisa a se fazer nos momentos difíceis”.
No campo invisível da mente
O psicólogo Fernando Tressoldi de Almeida, que possui um currículo invejável, com especialização em Psicologia do Esporte e Tanatologia, oferece suporte psicológico a atletas e também acompanha questões relacionadas ao luto e à compreensão das perdas. Atualmente, atua como psicólogo na Clínica Humanamente, em Cascavel, e também na equipe que carrega o nome da cidade na modalidade de futebol de salão, o Cascavel Futsal, buscando trabalhar o foco, equilíbrio emocional e estratégias para o alto rendimento do elenco.
Para Fernando, um psicológico abalado afeta o atleta com a queda de desempenho, falta de foco, insegurança, maior risco de lesões e dificuldades no ambiente esportivo, porém, também pode causar efeitos negativos fora do ambiente de trabalho, como ansiedade, insônia, isolamento social e descontrole emocional.
“Acolher, escutar, identificar as causas emocionais, trabalhar a autoconfiança e estabelecer metas realistas é algo que busco fazer nas minhas consultas com os atletas, a fim de auxiliá-los. Além disso, fortalecer o apoio social, desenvolver estratégias mentais e também praticar algumas técnicas da psicologia do esporte, como visualização e respiração, são essenciais nesse trabalho de recuperação psicológica dos jogadores”, comentou.
Fernando ainda conclui e dá sua opinião a respeito dos motivos pelo qual os esportistas sofrem tanto com o psicológico e o porque está cada vez mais frequente nos dias de hoje.
“A pressão por resultados, autocrítica, lesões, as críticas externas, falta de reconhecimento e a insegurança são causas comuns. O estresse intensifica a frustração, afetando foco, confiança e bem estar. Isso ocorre cada vez mais nos dias de hoje, muito pelas redes sociais, onde os atletas veem muitas pessoas os criticando”, explica.
“É fundamental que um atleta tenha acompanhamento psicológico, pois isso fortalece o controle emocional, melhora o foco, a autoconfiança, auxilia na gestão da pressão e contribui para o equilíbrio entre vida pessoal e carreira. Com certeza, ele irá exercer seu trabalho de forma mais produtiva”, concluiu o psicólogo Fernando Tressoldi de Almeida.
Na corrida contra a mente

Gabriel Moura, atleta de triathlon, também já enfrentou problemas com sua saúde mental, mas conta que ficou mais forte ao encontrar refúgio em sua fé e religião.
“Já tive problemas de ansiedade, quando eu retornei ao esporte, voltei bem diferente do que era antes, mas, com o passar do tempo, fui me recuperando. Uma dica que dou, para quem está passando por um processo psicológico difícil, é procurar Deus em primeiro lugar. Com oração, leitura da Bíblia e conhecimento de Deus acredito que isso pode ajudar, isso em primeiro lugar, sempre, foi algo que me ajudou bastante”, afirmou
Gabriel ainda conclui que, para ele, há uma ordem de importância para sair desse processo instabilidade mental.
“Primeiramente Deus, depois, a família, é importante ter pessoas perto, sejam elas a família ou amigos. O tratamento psicológico vem em terceiro lugar, é importante ter a ajuda de um profissional, não só para o desempenho esportivo, mas para a vida cotidiana. Porém, isso também depende das suas escolhas, existem psicólogos que podem acabar trazendo consequências ruins, por não serem bons profissionais. E, em quarto lugar, vem o esporte, não se prender a um só, todos são bons à saúde e praticá-los, pelo menos para mim, deixa mais feliz e mais vivo!”.
Até as lendas sentem
Nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2021, em um ginásio ocupado pelo silêncio imposto pela pandemia, a ginasta multicampeã, Simone Biles, desistiu da competição por estar pressionada. Durante a disputa por equipes, relatou ter sofrido um bloqueio mental, o chamado “twisties”, que leva o atleta a perder o controle da posição enquanto está no ar. A ginasta parou e chorou.
“Por mais desagradável que tenha sido, sei que eu ter falado sobre o assunto está ajudando outras pessoas, que é o que eu sempre quis fazer, dentro do esporte e fora dele”, disse Simone.
Após esse período, Biles iniciou sessões de terapia, reconhecendo que a parte mais difícil foi começar as consultas e se convencer a buscar ajuda. Ela expressou gratidão por esse processo, afirmando que, ao conversar com seu terapeuta, sentia-se mais leve e capaz de lidar com seus desafios emocionais.
A ex-número um do tênis feminino, Naomi Osaka, surpreendeu o público duas vezes em 2021. A primeira surpresa foi pela decisão de não participar do torneio de Roland Garros, a segunda, a exemplo de Simone, foi por abrir o coração ao revelar a sua depressão. Durante esse período, ela buscou terapia, a pedido de sua irmã e treinadora, e desenvolveu uma rotina de autocuidado que incluía meditação, escrita e momentos com seu cachorro.
A pressão psicológica no esporte é um fardo invisível que muitos atletas carregam, frequentemente ignorado por aqueles que os veem apenas como ícones de força e superação. No entanto, por trás das medalhas e recordes, há seres humanos sujeitos a medos, inseguranças e limitações emocionais. A expectativa constante de desempenho, a cobrança incessante de resultados e a exposição pública podem desencadear quadros de ansiedade, depressão e estresse, afetando profundamente a saúde mental dos esportistas.
É importante compreender que, assim como qualquer indivíduo, os atletas também enfrentam batalhas internas que merecem atenção e respeito. Reconhecer sua humanidade é o primeiro passo para construir um ambiente esportivo mais empático e saudável, onde o cuidado com o psicológico seja tão valorizado quanto o treinamento físico.
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