Automedicação em idosos acende sinal de alerta na saúde pública
- João Roso
- 7 de mai.
- 4 min de leitura
Atualizado: há 7 dias
Com o envelhecimento da população, cresce o uso indiscriminado de medicamentos sem prescrição entre idosos

A automedicação, prática comum entre os brasileiros, é especialmente preocupante entre a população idosa - um dos grupos mais vulneráveis aos efeitos adversos causados pelo uso incorreto de medicamentos. Em Capanema, no Sudoeste do Paraná, profissionais de saúde têm enfrentado situações recorrentes de consumo inadequado de remédios, muitas vezes adquiridos sem prescrição médica ou por influência de terceiros. Os impactos vão desde a ineficácia do tratamento até casos graves de intoxicação.
A enfermeira da Secretaria Municipal de Saúde, Ana Carolina Bantle, chama a atenção para um hábito frequente entre idosos: interromper o uso da medicação após os primeiros sinais de melhora.
“Eles tomam por um, dois dias, sentem que está fazendo efeito e abandonam o restante. Isso pode causar resistência a bactérias e vírus. Depois, o medicamento já não funciona mais”, alerta.

Essa prática gera um ciclo vicioso: o paciente não completa o tratamento, seu quadro clínico se agrava e ele retorna ao serviço de saúde, onde é novamente medicado. Além de comprometer a eficácia dos medicamentos, essa conduta representa desperdício de recursos públicos e contribui para a sobrecarga do sistema de saúde.
Outro fator que agrava o problema é a troca informal de informações entre vizinhos e conhecidos. “O vizinho diz que tomou um remédio que fez bem, o idoso pega o restante do medicamento e começa a usar”, relata a enfermeira Ana Carolina Bantle. Em casos mais graves, esse hábito resultou em episódios de superdosagem. “Teve um paciente que tomou dois ou três comprimidos de um medicamento controlado por indicação de um vizinho. Precisamos realizar uma lavagem estomacal”, conta.
A baixa escolaridade e a falta de apoio familiar também dificultam a compreensão adequada das prescrições médicas. Ana Carolina lembra de um caso em que o idoso confundia os horários dos medicamentos, o que agravou sua condição de saúde. “Ele tomava o remédio da noite durante o dia, e o do dia à noite. Isso causou retenção de líquidos e edema. Os agentes comunitários precisam fazer um verdadeiro trabalho de formiguinha para organizar os medicamentos dentro da própria casa dos pacientes”, explica.
Diante desse cenário, os profissionais de saúde apontam caminhos para a redução dos danos. Para Ana Carolina, é urgente o desenvolvimento de políticas voltadas à educação em saúde e à prevenção.
“Falta uma política de conscientização. Trabalhamos muito com o curativo e esquecemos o preventivo. Precisamos de ações específicas com os grupos de risco. É fundamental mostrar que cada tratamento é individual e que o que serve para um pode ser prejudicial para outro”, defende.
Ela também destaca a importância de valorizar a consulta farmacêutica como parte do processo de dispensação dos medicamentos. “Hoje, a entrega é mecânica. O ideal seria orientar o paciente sobre como tomar o remédio, com qual alimento, em que horário, e quais são os riscos da superdosagem. Precisamos de um espaço adequado para isso”, conclui.

Dependência de medicamentos e má prescrição
A farmacêutica Alessandra Dengo, da Unidade Central de Saúde, destaca que muitos idosos desenvolvem dependência de medicamentos e já chegam às unidades de saúde decididos a obter determinados remédios. “Eles acabam se tornando dependentes. Tomam medicamentos mesmo sem necessidade, apenas por hábito. Aí o médico faz a receita e nós, na farmácia, não podemos negar a entrega”, relata.
Outro agravante, segundo ela, é a prescrição excessiva de medicamentos, especialmente analgésicos e anti-inflamatórios, mesmo sem necessidade clínica evidente. “A dipirona, por exemplo, quando usada em excesso, pode causar queda de pressão e diminuição da imunidade - o que é extremamente perigoso para os idosos”, alerta.
A má utilização dos medicamentos também contribui para o desperdício. Muitos pacientes retiram os remédios nos postos de saúde, não fazem uso e acabam devolvendo tudo após o vencimento. “Recebemos caixinhas fechadas, bem armazenadas, devolvidas por um único paciente. Isso representa um desperdício enorme de dinheiro público”, lamenta a farmacêutica.
No setor privado, o cenário também preocupa. A chamada “empurroterapia” - prática de induzir o cliente a levar mais medicamentos ou produtos do que o necessário - é comum em farmácias particulares. “Já trabalhei em farmácia onde havia metas para vender mais. Era comum oferecer uma vitamina, um suplemento, qualquer item que aumentasse o ticket médio. Isso, infelizmente, acontece com frequência”, relata Alessandra.
Ela reforça a necessidade de ações educativas, mas acredita que a mudança deve começar dentro das próprias instituições de saúde.
“Tem que começar com os profissionais e colaboradores. Eles também precisam de orientação para dialogar melhor com os pacientes. Depois, é fundamental ampliar esse trabalho com campanhas nos grupos de hipertensos, diabéticos e demais públicos de risco”, salienta.

Caminhos para a solução
Ciente da gravidade do problema, a administração de Capanema deu início a estudos e ações estratégicas em parceria com a Secretaria de Saúde para enfrentar esse cenário de forma eficaz e estruturada.
A meta é clara: promover a conscientização, ampliar o acesso à informação e assegurar que os idosos recebam cuidado com segurança, responsabilidade e respeito às suas necessidades individuais.
Entre as soluções apontadas por especialistas estão a educação sobre o uso racional de medicamentos, a valorização da consulta farmacêutica, a realização de campanhas educativas voltadas aos grupos de risco e a capacitação contínua dos profissionais de saúde, garantindo orientação adequada e humanizada aos pacientes.
Um texto super necessário! Parabéns João!
Um assunto tão importante, mas pouco comentado. Parabéns, João.
João, seu texto é um alerta importante e muito bem construído. Você trouxe à tona uma questão grave da saúde pública com responsabilidade e sensibilidade. Foi além dos dados e ouviu quem está na linha de frente, como a enfermeira Ana Carolina e a farmacêutica Alessandra, que ajudaram a dar rosto e urgência ao problema. Às personagens, meu respeito: suas falas mostram o quanto precisamos investir em prevenção, escuta e orientação. Parabéns, João. Siga firme nesse jornalismo que informa, sensibiliza e transforma.
Parabéns João, texto muito necessário!
Ótimo texto! Trazendo um assunto extremamente necessário!