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Amor é um oceano

Atualizado: 20 de jun.

O cotidiano exaure, mas também revela: é ali, nas pequenas pausas, que o amor permanece brasa


Rafaela Bergamo com seu esposo Felipe e os cinco filhos: João, Otávio, Augusto, Emanuel e José | Foto: Arquivo Pessoal
Rafaela Bergamo com seu esposo Felipe e os cinco filhos: João, Otávio, Augusto, Emanuel e José | Foto: Arquivo Pessoal

Quando os meninos acordam, a primeira coisa que observo são os olhos. Me deleito durante alguns instantes naqueles olhos azuis - cinco pares, todos herdados do pai. É curioso como a genética, às vezes, é precisa: olhos idênticos aos dele, aquele azul de oceano em dia nublado, profundo e calmo.

Lembro quando vi aquele olhar pela primeira vez. Eu me apaixonei por ele quando ainda acreditava que a vida cabia em livros e cronogramas. Cursava Direito e Letras ao mesmo tempo. Tudo era milimetricamente organizado: meu tempo, meus sonhos, até meus medos.

Mas ele chegou como quem não sabia a matéria, mas sabia me ler. E me leu. Com um olhar direto, despretensioso e uma gentileza tão desajeitada quanto verdadeira.

Nos lemos por muito tempo. Antes do primeiro beijo, antes da primeira casa, antes das mãos dadas no altar. Hoje, quase não nos lemos mais com os olhos - e o tempo rareia o romance dos olhares longos -, mas nos lemos com os gestos. Um silêncio de amor que só quem vive junto sabe decifrar.

Com a chegada das crianças, a casa virou uma espécie de capela em reforma: barulho, bagunça e Deus sempre no meio. Em cada tropeço, cada oração antes do jantar, cada susto e em cada riso. No fim da tarde, quando o sol escorre pelas janelas e o chão está coberto de meias esquecidas, penso que esse caos talvez seja a forma mais concreta da graça.

Organizo minhas coisas para o próximo dia entre lancheiras, deveres e uniformes. Rezo com eles antes de dormir. Um por um, beijo cada testa e sussurro promessas de proteção - que são diferentes, pois cada um esbanja um temperamento, algo que me deixa fascinada. As portas dos quartos se fecham junto ao nascer da noite; nesse momento, é como se a casa, finalmente, respirasse fundo. E então, voltamos a ser só ele e eu.

É nesse intervalo entre os brinquedos recolhidos e o alarme do dia seguinte que o amor encontra espaço para respirar. Às vezes, conversamos baixinho. Às vezes, assistimos a um pedaço de filme e dormimos no sofá. Às vezes, só ficamos ali, lado a lado, dividindo o silêncio. Um silêncio que não exige palavra, não cobra presença. Um silêncio que ama.

O amor conjugal muda. Como tudo o que é vivo, ele se transforma. Antes era fogo de artifício. Agora é brasa. Silenciosa, constante, escondida sob as cinzas do cansaço - mas pronta para aquecer quando o frio da rotina ameaça.

Não desanimo. Nem de mim, nem dele, nem de nós. Na verdade, me alimento dessa força. E vejo, nos olhos dos nossos filhos - nos amáveis olhos dele - o reflexo da nossa esperança.

As crianças nos ensinaram a amar de um jeito que não cabe nos livros de Direito nem nos romances das aulas de Literatura. Me mostraram que o amor não se divide: ele se estica, se espalha e se refaz. É um oceano, que avança e inunda o coração. Às vezes, cansa, sim. Às vezes, esgarça. Mas também surpreende. Está onde menos espero - seja no sorriso durante uma mamada, num carinho inesperado, num “pela nossa família” sussurrado por uma voz infantil durante a prece.

Às vezes, me perguntam como dou conta. Não dou. Dou risada. Dou colo. Dou graças. Dou um jeito. Porque amar - no casamento, nos filhos, no trabalho, na fé - não é fazer tudo certo. É se oferecer inteira. Presente. Mesmo aos pedaços.

E, quando tudo parece demais - quando a rotina me pesa, quando a culpa me espreita, quando o dia parece longo demais e eu, pequena demais - olho para Maria. Nossa Senhora. A melhor das mães, a mais fiel das esposas. Ela que, com silêncio e entrega, sustentou o Amor com “A” maiúsculo. Às vezes, falo com ela em oração. Outras vezes, só a contemplo. Me espelho no seu sim, na sua doçura, na sua coragem. Me entrego, como ela, à vontade de Deus.

Outrora, me aconchego nos braços do meu esposo, e ali fortaleço o corpo e o espírito. E, no silêncio do fim do dia, quando só restam as luzes baixas da sala e a brisa da noite entrando pelas frestas, é possível ouvir, no fundo do coração, a voz do céu sussurrando: “Estou aqui. Ama. Recomeça”.

E eu recomeço. Porque Deus mora aqui. Mora no silêncio, entre as tarefas e, principalmente, nos olhos de oceano. 



5 Comments


Obrigada por esse texto lindo, Gabi. A maternidade é imperfeitamente perfeita. Por vezes, é desgastante, mas também transformadora. E que família linda da Rafaela e do Felipe. Que Deus continue abençoando-os grandemente.

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Lindo texto, parabéns!

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Parabéns pelo Texto Gabi.

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Produzido pelos acadêmicos do 5º período do curso de Jornalismo do Centro Universitário FAG, na disciplina de Webjornalismo, sob orientação do professor Alcemar Araújo.

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