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A dor do luto: quem encara a morte todo dia não pode ter medo

Atualizado: há 7 dias

O desafio dos profissionais da saúde ao comunicar o trágico


Pessoas que atuam na aŕea da saúde salvam vidas todos os dias | Imagem: Freepik
Pessoas que atuam na aŕea da saúde salvam vidas todos os dias | Imagem: Freepik
“Tem que viver enquanto há vida”.

Essas palavras são da enfermeira Regina Berti Maciel, que trabalha no Hospital Municipal São José, em Boa Vista da Aparecida, no Paraná. Ela, assim como a maioria dos profissionais da saúde, lida com a morte diariamente – mas como é para eles vivenciarem, dia após dia, o luto de várias famílias? 

Manter a postura perto dos familiares, é de extrema importância, mas o lado sentimental pode sempre aflorar.

“Eu lembro de quando o bebê de uma amiga minha faleceu e eu estava na UTI aquele dia, foi bem difícil. Então, precisei sair e ir ao banheiro chorar”, relatou Regina.

Entender que esses profissionais também vivenciam o luto das famílias é entender que o momento deve ser respeitado por ambas as partes. De acordo com a enfermeira, ser sincera é crucial, alimentar algo que não vai acontecer pode gerar esperanças infundadas e tornar o processo de luto ainda mais doloroso.

“Na hora da notícia é importante ser direto com os familiares. Depois disso, eu gosto de dar um abraço de consolo. Acho que é melhor do que tentar dizer algo”, respondeu.

Mary-Frances O’Connor,  professora de Psicologia e Psiquiatria e autora do livro “O Cérebro de Luto”, define o luto como “o preço que pagamos por amar alguém”. Após publicar diversos estudos sobre o tema na Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, a especialista concluiu que a sensação de "perder uma parte de si" com a morte de um ente querido é, de fato, real. Isso porque os laços afetivos são profundamente enraizados e codificados em nossos neurônios.

Para Regina, é complicado dizer que é possível se ‘acostumar’ com a morte.

“A qualquer momento pode chegar alguém que nos lembre da nossa família, é um momento de comparação, de pensar que poderia ser alguém que você ama ali”. Maciel também conta que é necessário saber separar o profissional do pessoal, saber até que ponto a sensibilidade pode chegar é importante. 

Na hora da morte, as pessoas rezam, choram, pedem perdão, sorriem, ficam em silêncio – cada uma possui uma reação distinta, e é nesse momento que os pensamentos dominam o ambiente. A estudante do 5° período de enfermagem, Maria Luiza Antonelo Raach, fala que, desde o primeiro ano da faculdade, é ressaltado como esse contato com as famílias deve ser sucinto. Ela detalha, também, que é necessário entender as construções culturais e religiosas de cada um. Para muitos, a morte pode significar o fim da vida, mas, em algumas religiões, pode ser um momento de ressurreição.

“Cada paciente possui a sua crença, então não cabe a nós falar algo que pode machucar alguém”, relata Maria. Saber lidar com a situação e entender que naquele instante as diferenças são o menor dos problemas são passos  cruciais.

Ela ainda conta como é necessário entender as fases do luto para superar a perda, compreender esses sentimentos podem facilitar e muito esse momento. Mais do que uma questão técnica, oferecer apoio exige empatia, sensibilidade e respeito ao tempo de cada um. Afinal, o cuidado também se expressa no silêncio, na escuta e na presença acolhedora diante da dor do outro. Um abraço, às vezes, significa mais que palavras de consolo. 

Apesar de cada pessoa viver o luto de um jeito, existe um caminho que muitos acabam trilhando. É comum que quem perdeu alguém passe pelas chamadas “fases do luto”: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação. Entender que essas fases existem pode ajudar a não lutar contra o que se sente. Afinal, a dor precisa de espaço para se expressar. Durante esse processo, quem está enlutado vive um turbilhão de emoções. Cada sentimento é único, intenso, difícil de explicar. Em muitos casos, aceitar esses sentimentos e aprender com eles não é simples — ainda mais quando a notícia da perda chega de forma fria ou inesperada.

Essas fases mexem com lembranças antigas, despertam memórias esquecidas e, às vezes, até reacendem laços perdidos. É como se a dor abrisse portas trancadas dentro de nós: o passado volta à tona, emoções se intensificam e relações ganham uma nova chance. Famílias se reaproximam, amizades renascem. O vazio da perda é tão profundo que silencia mágoas e, muitas vezes, abre espaço para o perdão. A jornada começa com a negação, quando a mente recusa o que aconteceu. Os pensamentos se embaralham, e a dúvida toma conta. Depois vem a raiva, um sentimento que parece chegar sem aviso. A pessoa se revolta com a situação, com o mundo, com a vida.

A terceira fase é a negociação: surgem promessas e esperanças que, no fundo, sabemos que não vão se concretizar. É uma tentativa de mudar o que já aconteceu. Na depressão, a realidade pesa. A dor é constante, os dias parecem mais longos, e tudo parece perder o sentido. Por fim, chega a aceitação. Aos poucos, quem está de luto começa a respirar com mais leveza. A dor não some, mas deixa de ser o centro de tudo. Começa-se a olhar para frente, lembrando com carinho e tentando viver com mais serenidade. Não é esquecer — é seguir, com amor e memória.

O momento é muito complicado para aqueles que ficam. Caroline Teixeira sabe bem como é esse sentimento. Com 15 anos, perdeu seu pai em um acidente de carro. Para ela, sendo tão nova, passar por isso foi bem complicado. Até porque foi o seu primeiro contato com o luto, e foi com alguém que ela tanto amava. A notícia chegou por meio de uma ligação, e até o momento, ela não sabia o que realmente havia acontecido. Quando chegou no local foi pega de surpresa.

“No momento que cheguei no lugar do acidente, eu vi a ambulância. Lembro de pensar que ele estava lá dentro”, relatou Carol. “Agora, eu não lembro de como isso realmente aconteceu, pois foi um momento de muito nervosismo, mas eu pensava a todo instante que ele estava vivo. Quando vi a ambulância partindo, percebi que ele não estava lá dentro”.

Agora, com 20 anos, Carol cursa Odontologia, um sonho que não é só dela, e, sim, de toda a família. Ela conta que durante esse tempo, a dúvida era algo constante em sua cabeça.

“Porque isso aconteceu com ele, um homem trabalhador, pai de família. Foi bem difícil entender que ele não voltaria mais”, explicou a estudante. 

Um momento triste para muitos, que, para quem está na linha de frente, pode ser uma realidade constante e soar como ‘rotina’. Conviver em um ambiente onde o luto se torna algo natural influencia diretamente no modo de sentir, agir e pensar. A sensibilidade não pode deixar de existir. Compreender a situação e deixar mais leve possível a passagem dessas pessoas faz total diferença para aqueles que ficam.

Ser forte é importante, mas é igualmente necessário permitir-se sentir, acolher as próprias emoções, assim como fazem aqueles que perderam alguém querido. A morte, apesar da dor, pode ser um convite a um novo olhar sobre a vida — um chamado à empatia, à valorização do presente e ao despertar para o que realmente importa. Como escreveu o neuropsiquiatra e escritor autríaco Viktor Frankl:

"O homem é capaz de suportar qualquer 'como', se tiver um 'porquê'."

Encontrar esse sentido pode ser o que transforma a dor em força e o fim em recomeço.



15 Comments


Claudia Resena
Claudia Resena
há 6 dias

Parabéns Amanda! Trouxe um assunto importante e que é pouco falado atualmente!

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Que interessante pensar o luto pela visão dos profissionais da saúde, muito criativo!

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Que texto lindo, parabéns!

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Amanda parabéns pelo seu texto, a dor do luto é um assunto que mexe muito, pois quando perdemos um ente querido as vezes é difícil aceitar sua partida, eu mesmo sinto muito a perca do meu saudoso avô seu Juscelino que nos deixou alguns anos e ele era meu parceiro de vários momentos e sua partida tão precoce aos seus 66 anos, deixou um grande vazio, fazendo a leitura deste texto ele e outros entes queridos veio novamente na memoria, e bateu uma saudade grande, texto muito bem feito gostei de ler.

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Parabéns!! eu amei a leitura, muito delicada

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Produzido pelos acadêmicos do 5º período do curso de Jornalismo do Centro Universitário FAG, na disciplina de Webjornalismo, sob orientação do professor Alcemar Araújo.

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